O Estado de São Paulo, n. 45930, 19/07/2019. Economia, p. B1

 

Pressão de construtoras e pedido da Caixa adiam anúncio  de saque do FGTS

Adriana Fernandes

Camila Turtelli

19/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Alternativas. Após setor da construção alertar que liberação poderia comprometer os financiamentos à casa própria, governo passou a estudar novas regras para os saques; entre elas, deixar que trabalhadores retirem parcela do FGTS uma vez por ano

A pressão da indústria da construção e o prazo curto para a Caixa preparar o atendimento dos trabalhadores levaram o governo a adiar para a semana que vem o anúncio da liberação das contas do FGTS, previsto para ontem. Com o intuito de evitar uma redução grande no volume de recursos do fundo, que é usado como fonte para financiamentos a juros mais baixos, a equipe econômica passou também a trabalhar com outras regras para os saques.

Na quarta-feira, o Estadão/Broadcast revelou que o Ministério da Economia previa liberar até 35% das contas do FGTS. O porcentual foi confirmado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Primeiro, ele estimou que R$ 42 bilhões seriam injetados na economia. A equipe econômica refez as contas, porém, e diminuiu o valor para cerca de R$ 30 bilhões.

Depois de ser alertado pelo setor de construção que a liberação poderia comprometer financiamentos à casa própria (veja abaixo), o governo passou a estudar alternativas para evitar uma retirada maciça dos recursos.

Uma delas é deixar que os trabalhadores retirem parcela do FGTS uma vez por ano, no mês de aniversário. Em troca, seria preciso abrir mão de resgatar todo o fundo caso seja demitido sem justa causa.

Não haverá mudanças nas regras que dão direito a 40% de multa sobre o valor depositado pela empresa, mesmo que o trabalhador opte por resgatar uma parcela do FGTS todo ano.

Hoje, é possível sacar o FGTS em 18 situações. As mais comuns são demissão sem justa causa e aposentadoria. Como o Estadão/Broadcast antecipou, impedir a retirada de recursos na demissão sem justa causa deve ser compensada com a possibilidade de se retirar uma parte do dinheiro uma vez por ano.

O porcentual de quanto seria possível sacar por ano não está definido. No caso de eventual aprovação da regra, no primeiro ano o governo pensa em colocar uma trava: um porcentual único, que pode ser de até 35%, ou um limite em dinheiro, provavelmente R$ 3 mil.

Estímulo constante.  Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o anúncio deve ser feito na próxima quartafeira. Projeções oficiais apontam que a liberação dos recursos tem potencial de incrementar o PIB em 0,3 ponto porcentual, o que elevaria a projeção de crescimento da economia do primeiro ano do governo Bolsonaro para 1,1% – mesmo patamar de 2017 e 2018. Sem a medida, o governo trabalha com projeção de alta de 0,81% para este ano. A ideia em permitir o saque uma vez por ano é garantir estímulo constante à economia.

Se ficar decidida a opção pelo saque anual, os porcentuais que serão permitidos devem seguir a mesma ideia da proposta original: quanto maior o volume de recursos no fundo, menor a parcela que poderá ser sacada. A parcela de 35% seria para os que têm até R$ 5 mil e a de 10% para quem tem saldo acima de R$ 50 mil.

Prazo. Além do impasse sobre a parcela que poderá ser retirada das contas do FGTS, a Caixa também foi responsável pelo adiamento da liberação dos recursos. O Estadão/Broadcast apurou que representantes do banco estatal reclamaram que estava muito em cima da hora para colocar de pé um plano de atendimento aos trabalhadores para o saque do FGTS.

Em 2017, para que 25,9 milhões de trabalhadores retirassem R$ 44 bilhões das contas inativas (de contratos anteriores) do FGTS, a Caixa preparou um esquema de atendimento que previu a abertura das agências mais cedo e nos fins de semana no período, que foi de 10 de março a 31 de julho.

O anúncio da liberação do saque do FGTS por Temer foi feito em dezembro de 2016. O banco estatal levou dois meses para desenhar o cronograma de pagamento, antes dele começar efetivamente.

Liquidez

R$ 30 bi

é a estimativa feita pelo governo do valor a ser injetado na economia com a liberação parcial de contas ativas do FGTS

R$ 3 mil

deve ser o limite do valor do saque por trabalhador ou até 35% do total em conta

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'Não se pode chegar lá e tirar os recursos', diz presidente da CBIC

Adriana Fernandes

Eduardo Rodrigues

19/07/2019

 

 

Para executivo que comanda associação da indústria da construção, adiamento de anúncio foi ‘de muito bom senso’

Com o apoio do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a indústria da construção conseguiu adiar o anúncio da liberação d as contas do FGTS. O setor foi pego desprevenido porque um dia antes da divulgação pelo Estadão/Broadcast dos detalhes da proposta, havia discutido com o ministro a ampliação do uso do FGTS como fonte de financiamentos para as áreas de habitação, saneamento básico e infraestrutura, como estratégia para a agenda do governo após a aprovação da reforma da Previdência.

O orçamento de 2019 do fundo foi revisto nesta semana e não havia a previsão do impacto da liberação de suas contas. A proposta previa R$ 54,9 bilhões para habitação popular, R$ 4 bilhões para saneamento, R$ 5 bilhões para infraestrutura e mais R$ 2,1 bilhões para operações fora do Minha Casa, Minha Vida, como o Pró-cotista.

Onyx foi o responsável por anunciar o adiamento da medida esperada pelos trabalhadores. A ideia inicial era que a liberação do FGTS fizesse parte da cerimônia de 200 dias do governo Bolsonaro, ontem.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, avaliou que o adiamento pelo governo do anúncio de medidas para o saque de contas do FGTS foi “de muito bom senso”. “Ainda não vi simulações suficientes para saques dessa magnitude. É preciso ter cautela, serenidade. Não se pode simplesmente chegar lá e tirar os recursos do fundo”, avaliou o executivo após solenidade que marcou os 200 dias do governo, no Palácio do Planalto.

Apesar disso, Martins disse ter confiança de que o governo não tomará medidas que afetem o uso do FGTS como fonte para os financiamentos imobiliários a juros mais baixos. Ele lembrou que, no ano passado, foram sacados R$ 111 bilhões do FGTS, o que já colocaria em risco o encaixe para os financiamentos de imóveis a partir de 2021.

Caixa d’água. Para o presidente da CBIC, o governo teria de apresentar medidas de compensação junto à proposta de saques do fundo. “É como uma caixa d’água: se uma torneira é aberta, é preciso fechar outra ou colocar mais água”, disse. “Não acredito que o governo vá tirar dinheiro dos investimento para jogar no consumo.

” Onyx afirmou que a fonte de recursos para os empréstimos imobiliários e para o Minha Casa, Minha Vida vai ser preservada. “Não vai haver nenhum prejuízo às fontes de financiamento de construção de casas populares”, disse. De acordo com ele, as equipes técnicas do Ministério da Economia ainda trabalham em cima dos ajustes necessários para a liberação dos saques. “Não era para vazar”.

Para garantir a fonte de recursos barata para os financiamentos imobiliários, o governo cogita até mesmo acabar com o fundo de investimento que usa parte dos recursos do FGTS para aplicar em infraestrutura (o FI-FGTS). Com R$ 34 bilhões de ativos, o fundo foi criado no governo Luiz Inácio Lula da Silva com o objetivo de aumentar a rentabilidade do FGTS, mas entrou na mira da Operação Lava Jato por práticas de corrupção.

Martins defendeu uma revisão na fórmula de rendimento dos recursos do FGTS. Segundo ele, a atual remuneração do fundo está defasada, gerando distorções que precisam ser atacadas. “Mas ninguém no governo conversou sobre isso comigo até agora”, disse.

No ano passado, a distribuição de resultados do FGTS de 2017 elevou a rentabilidade das contas do fundo de 3,8% ao ano (3% + TR) para 5,59% ao ano.

Preocupação

“Ainda não vi simulações suficientes para saques dessa magnitude. Não acredito que o governo vá tirar dinheiro de investimento para jogar no consumo”

José Carlos Martins

PRESIDENTE DA CBIC