O globo, n. 31400, 27/07/2019. País, p. 6

 

Portaria de Moro permite deportações sumárias

Bernardo Mello

27/07/2019

 

 

Estrangeiros envolvidos com terrorismo e tráfico seriam atingidos

Uma portaria assinada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, publicada ontem no Diário Oficial da União, permite a deportação sumária ou impedimento de ingresso de estrangeiros no Brasil. A portaria nº 666, que determina como alvo “pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, estabelece novos parâmetros e regulamentação para a Lei da Migração, sancionada no governo Michel Temer, em 2017.

A portaria nº 666 estabelece cinco condições que delimitam pessoas estrangeiras consideradas “perigosas”. A deportação sumária ou impedimento de entrada no país é aplicável a envolvidos com terrorismo, grupo criminoso com acesso a armas, tráfico de drogas, pessoas ou armas, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil, e torcida organizada com histórico de violência em estádios esportivos.

O texto ganhou repercussão nas redes sociais ao longo do dia e foi criticado pelo jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, que enxergou no texto uma tentativa de intimidação de Moro após a divulgação de mensagens no aplicativo Telegram atribuídas ao ex-juiz e a procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, entre eles Deltan Dallagnol. Glenn Greenwald, que nasceu nos Estados Unidos e se radicou no Brasil há mais de uma década, classificou a conduta de Moro como “terrorismo” em uma publicação nas redes sociais. Em nota divulgada na tarde de ontem, o Ministério da Justiça informou, sem citar Greenwald, que a portaria não permite deportação nos casos em que há “vedação legal, como de estrangeiro casado com brasileiro ou com filhos brasileiros”. O jornalista é casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos. Segundo a portaria, não é necessário haver sentença judicial para enquadrar um estrangeiro em alguma das categorias citadas. Basta a existência, por exemplo, de “investigação criminal em curso” ou “informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira”. A norma estabelece que a pessoa alvo do pedido de deportação sumária tem até 48 horas para apresentar defesa ou deixar o país. Já a deportação ordinária, prevista na Lei de Migração, concede um prazo mínimo de 60 dias para o acusado. Na avaliação do especialista em Direito Constitucional e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) Ivar Hartmann, a portaria de Moro alcança também acusados de crimes cibernéticos. Nesta semana, a Operação Spoofing, deflagrada pela Polícia Federal, prendeu suspeitos de ataques digitais que teriam atingido mais de mil celulares de autoridades dos três Poderes. Hartmann pontuou que a portaria se refere a crimes cibernéticos no escopo da Lei de Antiterrorismo, sancionada em 2016. O texto daquela legislação fala sobre sabotagem, com “grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos”, a locais ou instalações “onde funcionem serviços públicos essenciais”, como aeroportos, prédios militares, instituições bancárias e usinas de energia.

“O texto está sendo discutido desde 2017. É um ano e meio de trabalho. Ela não é uma portaria isolada, faz parte de um contexto”, argumentou André Furquim, diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, no comunicado divulgado pelo ministério.

Defesa da medida

Em seu perfil no Twitter, Moro defendeu a nova regulamentação. De acordo com o ministro, a portaria nº 666 “não muda a generosidade da lei brasileira com imigrantes ou refugiados” e veda discriminação de “raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política” na decisão pela deportação. Moro afirmou ainda que “não faz sentido exigir sentença condenatória” para barrar suspeitos de terrorismo. “Nenhum país do mundo, tendo conhecimento, permite que estrangeiro suspeito de crime de terrorismo ou membro de crime organizado armado entre em seu território. Ele é barrado na entrada e deportado. A regulação nova permite que isso seja feito de imediato”, escreveu o ministro.