O globo, n. 31399, 26/07/2019. País, p. 4

 

Republica hackeada

Jailton de Carvalho

Leandro Prazeres

Aguirre Talento

26/07/2019

 

 

Bolsonaro e presidentes da Câmara e do Senado também foram alvo de invasores

Dois dias após a prisão dos suspeitos de hackear telefones e contas em aplicativos de autoridades da República, a investigação da Polícia Federal (PF) apontou ontem que a abrangência dos ataques cibernéticos chegou aos telefones do presidente Jair Bolsonaro, aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Otávio Noronha, além da procuradora geral da República, Raquel Dodge. Eles foram informados pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, que estavam entre os alvos. Ainda não há informações sobre quantas autoridades tiveram mensagens vazadas e quais sofreram apenas tentativas de acessos aos seus aplicativos.

Mesmo que o principal suspeito preso, Walter Delgatti Neto, tenha admitido em depoimento ser autor de invasões a telefones de autoridades e que sua colaboração seja importante, a polícia entende que é necessário aguardar os laudos periciais e checar alguns dados para concluir a apuração.

Com histórico de abandono familiar e usuário de remédios contra depressão, Delgatti teria, segundo amigos, propensão a distorcer parte da realidade e, com isso, projetar uma imagem exageradamente positiva dele mesmo. Dois laudos que estão sendo preparados pela Instituto Nacional de Criminalística são considerados essenciais para esclarecer as circunstâncias das invasões de aplicativos.

De acordo com o Jornal Nacional, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também foram informados de que foram alvos dos hackers. Segundo a polícia, pelo menos mil telefones teriam sido atacados desde abril. Em viagem ontem

a Manaus, Bolsonaro classificou os ataques aos celulares dele como um “atentado contra o Brasil”, mas disse que não tem qualquer preocupação com o episódio.

—Não vão encontrar nada que comprometa. Perderam tempo comigo —declarou ontem o presidente.

Repasse a site

A assessoria de Maia informou que ele não utiliza o aplicativo Telegram e que teve conhecimento do suposto hackeamento pela imprensa. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, se disse “tranquilo” por não ter nada a esconder e “indignado com a invasão da privacidade”. O presidente do STJ, João Otávio de Noronha, também disse estar “tranquilo porque não tenho nada a esconder”. A PGR informou que a procuradora-geral, Raquel Dodge, e outros 24 membros do Ministério Público Federal (MPF) foram alvos, segundo apuração interna do órgão.

Num depoimento à Polícia Federal, Delgatti Neto chamou para si a responsabilidade pela captura das mensagens. O suposto hacker confessou que foi ele quem obteve e repassou os arquivos para o site The Intercept. Delgatti disse que nada cobrou pelo pacote de informações, segundo disse ao GLOBO fonte ligada ao caso.

Delgatti teria passado uma parte dos dados ao Intercept também pelo aplicativo Telegram. Depois, criou um mecanismo específico para repassar os arquivos mais pesados. Ontem, o fundador do The Intercept, Glenn Greenwald, repetiu que não faz comentários sobre suas fontes. “Não estou afirmando que a pessoa acusada pela PF é de fato nossa fonte”, escreveu no Twitter, ao compartilhar uma reportagem sobre o caso.

A polícia também investiga a movimentação financeira de dois dos outros presos: Gustavo Santos e sua mulher, Suelen Priscila de Oliveira. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) indica que os dois movimentaram R$ 627.560,00 entre março e junho deste ano, valores acima das rendas declaradas por ambos, aproximadamente R$ 5 mil. Na casa de Santos, em Araraquara, a polícia apreendeu cerca de R$ 100 mil em espécie.

Na primeira rodada de depoimentos, apenas Delgatti assumiu a responsabilidade pela interceptação de mensagens. Os outros três, Santos, Suelen e o motorista Danilo Cristiano Marques negaram qualquer participação nos ataques.

Numa entrevista na saída da superintendência da PF, o advogado Ariovaldo Moreira disse que o próprio Delgatti inocentou os colegas. Moreira é responsável pela defesa de Santos e Suellen.

Num depoimento na quarta-feira, Gustavo Santos, um dos quatro presos, disse que Delgatti manifestara, há três meses, desejo de vender o “produto” para alguém do Partido dos Trabalhadores. No interrogatório, que demonstrou interesse em colaborar com as investigações, Delgatti não fez qualquer referência a intenção de vender as informações para para o PT ou para qualquer outro comprador.

Por meio de nota, o PT disse que o inquérito se tornou uma “armação” contra o partido. Para a cúpula da legenda, as investigações da Polícia Federal sobre o caso “confirmam a autenticidade das conversas ilegais e escandalosas que Moro tentou desqualificar nas últimas semanas”.

“É criminosa a tentativa de envolver o PT num caso em que é Moro que tem de explicar e em que o maior implicado é filiado ao DEM”, diz trecho da nota petista.

“Não estou nem um pouco preocupado se porventura algo vazar aqui no meu telefone. Não vão encontrar nada que comprometa. Perderam tempo

_ comigo” Jair Bolsonaro, presidente da República

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Justiça decidirá se vai destruir conteúdo interceptado

Jailton de Carvalho

Bruno Góes

Naira Trindade

26/07/2019

 

 

Material apreendido pela Polícia Federal em computadores e celulares de suspeitos não será imediatamente eliminado

A Justiça Federal vai decidir qual será o destino do conteúdo encontrado nos computadores e celulares dos suspeitos presos na terça-feira e que foram extraídos de telefones das autoridades hackeadas. A investigação da Polícia Federal (PF) corre sob supervisão da 10ª Vara Federal

Criminal do Distrito Federal. Entre as pessoas que foram alvo dos ataques, há casos em que o conteúdo de aplicativos como o Telegram foram obtidos e outros em que houve apenas acesso aos telefones.

A possibilidade de destruição imediata das mensagens gerou controvérsia ontem após uma nota do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, ele próprio um dos alvos do ataque. Depois de informar que Noronha recebera uma ligação do ministro da Justiça, Sergio Moro, avisando que ele estava entre os hackeados, a nota do STJ acrescentou que “o ministro Moro informou durante a ligação que o material obtido vai ser descartado para não devassar a intimidade de ninguém”.

Mais tarde, a PF esclareceu que essa é uma decisão da Justiça. “Caberá à Justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções”, disse a nota da polícia.

DEM expulsa suspeito

Filiado ao DEM desde 2007, o principal suspeito de comandar os ataques cibernéticos, Walter Delgatti Neto, será expulso do partido, informou ontem o presidente da legenda, ACM Neto. O prefeito de Salvador diz que o partido não tem como fazer controle prévio de seus filiados.

— O filiado em questão não tem e nunca teve qualquer tipo de atividade de direção partidária, mesmo no âmbito local. A gente age com todo o rigor com aqueles que estão envolvidos em irregularidades. Portanto, ele está sendo expulso sumariamente, por decisão minha, a ser depois referendada por Executiva Nacional. Mas hoje ele já está expulso por decisão minha — disse ACM Neto.

O partido comunicou oficialmente a decisão em nota, enfatizando esperar que “a Justiça esclareça os fatos e que os envolvidos no processo criminoso sejam punidos de forma efetiva e com todo rigor”.

Em um dos depoimentos a investigadores, Walter apresentou-se à polícia como um “investidor” com conta bancária na Suíça. Ele não foi capaz de comprovar à delegada que o interrogou qual era sua fonte de renda.