Título: Prestação cai apesar de aumento de preço
Autor: D'Angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2012, Economia, p. 14

Graças à elevação da renda e à queda nos juros, valorização não afasta compradores

Os juros baixos dos financiamentos habitacionais, aliados à melhora da renda das famílias, têm permitido aos brasileiros comprar imóveis apesar da constante valorização. Além da Taxa Referencial de Juros (TR), que indexa o saldo devedor dos financiamentos estar próxima a zero, com a taxa básica (Selic) menor, a Caixa e o Banco do Brasil vêm cortando os juros anuais fixos, de uma média de 10% e 11%, em 2007, para índices em torno de 7,8% a 8,4% ao ano, cobrados de imóveis até R$ 500 mil. Os trabalhadores de renda mais baixa encontram taxas que vão de 5,1% a 7,2% ao ano.

Os encargos menores permitem que o mesmo cliente contraia uma dívida maior pagando o mesmo valor de prestação em relação à situação anterior, de juros mais altos. Exemplo: para um empréstimo de R$ 120 mil em 25 anos, com a antiga taxa de 11%, a prestação ficaria em R$ 1.536, com seguro. Esse mesmo comprador consegue, agora, na Caixa, juros efetivos de 7,8% ao ano, o que resulta em parcela mensal de R$ 1.257. Para aquela mesma prestação de R$ 1.536, ele obtém financiamento maior, de R$ 148 mil. Dependendo da combinação, é possível ter um valor maior do que antes com uma prestação inferior.

Há quem se preocupe com essas facilidades. Os economistas Mário Jorge Mendonça e Adolfo Schsida, pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicaram recentemente um estudo alertando para o fato de que a situação atual é insustentável, sugerindo a formação de uma bolha imobiliária. Eles preveem problemas no momento em que a Selic, hoje em 7,25% ao ano, voltarem a subir.

Para chegar a esse veredicto, eles notaram que os imóveis subiram muito acima da inflação nos últimos três anos e estão com preços elevados devido à oferta abundante de crédito. O valor de hoje seria, assim, acima do “justo”. Quando a Selic e a TR voltarem a subir, os compradores poderão ter dificuldade de pagar suas prestações, o que, por sua vez, levará os bancos a controlar a concessão do crédito. Isso diminuirá a demanda, provocando a redução dos preços, pois faltará comprador.

Para o economista Eduardo Zylberstajn, coordenador do índice de preços de imóveis da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP), o cerne da questão é se as famílias que contrataram os financiamentos terão condições ou não de honrar os pagamentos. Se houver aumento da inadimplência, os bancos ficarão com receio de emprestar e apertarão as condições, como a diminuição do prazo.

Mas ele ressalva que o risco de isso ocorrer é pequeno. “Não deve haver grandes problemas nos próximos anos em relação ao crédito e suas condições no curto e médio prazo. A menos que tenhamos um choque externo grande ou alguma mudança fora do previsível, não creio que voltemos ao patamar de juros do passado recente”, afirma. Ele lembra, no entanto, que algumas cidades e bairros podem sofrer correção dos preços dos imóveis por conta de exageros recentes. “Mas isso já vem ocorrendo”, nota.

Planejamento é essencial O educador financeiro Reinaldo Domingos reforça que a preocupação de a compra ser planejada, de forma a não estrangular seu orçamento da família. Domingos descarta a possibilidade de que haja uma crise no Brasil semelhante à que aconteceu nos Estados Unidos. “O deficit de moradia aqui é grande. Há muita gordura a ser queimada”, diz, lembrando que o crédito imobiliário no país corresponde a apenas 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto na economia norte-americana chegou a 80%. Além disso, lá foram concedidos empréstimos a clientes com histórico de problemas de pagamento, e a mesma hipoteca do imóvel foi dada em garantia para obtenção de novos financiamentos. Isso não acontece no Brasil, em que o imóvel fica alienado em nome do banco até o fim do pagamento.

Nos EUA, até recebimentos futuros de dívidas de cartão de crédito foram repassados de banco em banco, que, assim, para alavancar recursos e emprestar a clientes com problemas. A ciranda resultou em crise de inadimplência. Quando se tentou resgatar as garantias — os imóveis — não havia comprador para pagar à vista, e os preços desabaram.