O Estado de São Paulo, n. 45928, 17/07/2019. Política, p. A5

 

Procuradores reagem à decisão de Toffoli

Caio Sartori

Amanda Pupo

17/07/2019

 


 Recorte capturado

 

 

Coordenador da Lava Jato no Rio diz que medida suspende ‘praticamente todas’ as investigações em andamento sobre lavagem de dinheiro

Procuradora. Janice Ascari é da força-tarefa de São Paulo

Procuradores da República e integrantes da Lava Jato criticaram ontem a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, que suspendeu os processos que tenham como base o compartilhamento de dados da Receita, do Coaf e do Banco Central com o Ministério Público sem autorização judicial prévia. O ataque mais forte partiu do procurador Eduardo El Hage, coordenador da operação no Rio. Em nota, El Hage afirmou que a sentença significa a paralisação de “praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil”.

Para o procurador, a exigência de decisão judicial para a utilização de relatórios do Coaf “ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro”. O procurador classificou ainda a decisão de Toffoli como “retrocesso sem tamanho” e disse esperar que ela seja revertida pelo plenário. O julgamento do recurso que embasou a decisão de Toffoli está marcado, a princípio, para novembro.

O procurador coordenou as investigações que levaram à prisão de políticos como os ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB. El Hage também participou do grupo que denunciou o ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro Moreira Franco por corrupção e lavagem de dinheiro na Eletronuclear, na Operação Descontaminação.

‘Prejuízo’. As críticas de El Hage não foram isoladas. Para o diretor de Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Patrick Salgado, se a decisão de Toffoli for mantida, trará “enormes prejuízos” às investigações. “É uma decisão que vai de encontro ao que já tinha decidido o próprio Supremo”, disse.

Salgado defendeu que não haja anulação de processos caso o STF decida em novembro que a autorização prévia é necessária. Para ele, uma eventual decisão nesse sentido não provocaria efeitos retroativos. Mesmo que aconteça dessa forma, o prejuízo futuro para as investigações preocupa o procurador.

Ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima escreveu em uma rede social que a decisão do Supremo é um “atentado contra o combate à corrupção”. “A decisão de Toffoli é uma monstruosidade jurídica e só pode ser entendida como mais um atentado contra o combate à corrupção”, criticou Santos Lima. “Triste o país que tem pessoas como ele (Toffoli) em posições que não merecem.”

Ao lado do procurador Deltan Dallagnol, Santos Lima participou de investigações que levaram à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – condenado nos casos do triplex do Guarujá (SP) e do sítio em Atibaia (SP).

Também por meio de uma rede social, a procuradora Janice Ascari, que integra a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, se referiu a informações “inacessíveis” para fazer uma melhor avaliação da sentença. “Aparentemente, apenas uma petição avulsa em processo de 2017, do qual Flávio Bolsonaro não é parte, e centenas de investigações criminais dos MPs Federal e Estaduais e das polícias, no País inteiro, ficarão suspensas até o final de novembro”, escreveu a procuradora.

Toffoli tomou a decisão em processo que discute a possibilidade de dados bancários e fiscais serem compartilhados sem a intermediação do Judiciário. A defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alvo de investigação do MP do Rio, havia pedido ao Supremo a suspensão, que foi atendida por Toffoli.

O MP estadual alega que havia um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio entre 2007 e 2018, quando ele ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio. Foi nesse intervalo que o policial militar Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do suposto esquema, esteve lotado no escritório do filho do presidente.

“Decisão é monstruosidade jurídica e um atentado contra o combate à corrupção.”

Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-procurador da Lava Jato em Curitiba

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Autuação de posto deu ínicio  caso

Fabio Leite

17/07/2019

 

 

“Extraordinário” / Decisão de Toffoli foi dada em processo no qual Receita acessou dados de casal de Americana

“Foi a primeira vez que um processo meu chegou ao Supremo Tribunal Federal.” Apesar da relevância, o advogado Roberto Antonio Amador não sabia até o fim da tarde que aquele processo antigo do posto de gasolina de Americana, no interior paulista, estava na origem da polêmica decisão que dominou o noticiário ontem e suspendeu até novembro um número incalculável de investigações e ações judiciais em todo o País.

“Vi uma notícia na hora do almoço com base na mesma fundamentação do meu processo, mas, como era um pedido da defesa do Flávio Bolsonaro, não imaginava que tivesse relação com o caso de Americana”, disse Amador após ser informado pela reportagem de que, sim, toda aquela “repercussão geral” tinha conexão com o seu único caso na Suprema Corte.

Foi com base em um recurso extraordinário do Ministério Público Federal envolvendo uma ação de sonegação fiscal contra dois clientes do advogado tributarista que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu todos os processos judiciais do País onde houve compartilhamento de dados bancários e fiscais sem prévia autorização judicial.

Dono de um posto de gasolina em Americana, o casal havia sido autuado pela Receita Federal por não ter recolhido o imposto de renda devido. Amador afirmou que os empresários tinham começado a usar as próprias contas bancárias para movimentar o dinheiro do estabelecimento depois que a conta da empresa foi bloqueada por causa de dívidas.

“A Receita Federal pegou toda a movimentação financeira do banco sem nenhuma autorização judicial e autuou eles em cerca de R$ 3 milhões”, disse. O casal, segundo ele, foi condenado por sonegação na primeira instância e absolvido depois pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3). “Conseguimos a absolvição mostrando que o ato (acesso aos dados bancários pela Receita) era ilícito”, contou Amador. O processo está em segredo de Justiça.

O Ministério Público recorreu da decisão ao Supremo e recurso extraordinário foi distribuído ao ministro Dias Toffoli em junho de 2017. Em abril do ano passado, a maioria da Corte reconheceu a existência de repercussão geral do caso, ou seja, que ele apresenta questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico que ultrapassam os interesses subjetivos da causa. A decisão do mérito dele teria impacto em todos os casos semelhantes. O julgamento do recurso chegou a ser marcado para o dia 21 de março deste ano e, depois, remarcado para 21 de novembro.

Anteontem, porém, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) entrou com uma petição pedindo que o presidente do STF avaliasse o recurso extraordinário com urgência, entendendo que a ação do Ministério Público do Rio no caso Queiroz tem relação com a ação do Fisco sobre o posto de Americana. No mesmo dia, Toffoli acolheu o pleito suspendendo todos casos semelhantes até novembro.

'Quebra'

“No caso do posto de gasolina de Americana, a Receita autuou com base na quebra de sigilo bancário sem decisão judicial.”

Roberto Antonio Amador

ADVOGADO DO CASAL AUTUADO

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Em gesto pró-Lava Jato, Raquel fala em apoio 'institucuional'

Renato Onofre

17/07/2019

 

 

Procuradora-geral se reúne com integrantes da força-tarefa de Curitiba, alvo de vazamento de supostas mensagens

Encontro. Raquel esteve por três horas com integrantes da Lava Jato

Depois da divulgação de supostas mensagens de integrantes da Lava Jato, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse ontem em reunião com oito procuradores da força-tarefa de Curitiba que a operação tem o apoio “institucional e administrativo” da Procuradoria-Geral da República.

A conversa durou cerca de três horas e ocorreu a portas fechadas. Raquel se reuniu com o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros sete investigadores da operação na sede da Procuradoria em Brasília. É o primeiro gesto de Raquel em defesa da operação desde o início da divulgação das mensagens pelo site The Intercept Brasil.

Apesar do afago institucional, que será feito em nota oficial da Procuradoria, Raquel não fez declarações públicas sobre o caso. A procuradora-geral e os membros da Lava Jato não falaram com a imprensa.

A reunião, como mostrou o Estado, já estava sendo articulada há semanas e não tem relação com nenhum conteúdo específico divulgado na imprensa recentemente. Nos bastidores, procuradores cobram uma defesa pública mais enfática da Procuradoria diante de ataques ao Ministério Público Federal.

A sinalização de Raquel aos investigadores ocorre em um momento em que ela tenta ser reconduzida ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, apesar de não estar na lista tríplice para comandar a Procuradoria.

As conversas, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, mostram suspeita de conluio entre a equipe de procuradores e o ex-juiz da Lava Jato e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro. Os citados têm negado irregularidades e afirmam não ser possível garantir que as mensagens, trocadas por meio do aplicativo Telegram, sejam autênticas.

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Corregedoria mira palestras de Dallagnol

Amanda Pupo

17/07/2019

 

 

O corregedor nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel Moreira, instaurou ontem uma reclamação disciplinar contra os procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, em função de supostas mensagens trocadas entre eles e publicadas pelo site The Intercept Brasil e pelo jornal Folha de S.Paulo. Os dois terão o prazo de 10 dias para se manifestarem sobre o caso.

A determinação foi dada em resposta a um pedido feito pelo PT, com base em reportagem segundo a qual Dallagnol teria montado um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Operação Lava Jato.

Na decisão, o corregedor afirma que, pelo contexto indicado, observa-se “eventual desvio na conduta” de membros do Ministério Público, o que, em tese, “pode caracterizar falta funcional”. “Com efeito, neste momento inicial, é necessária análise preliminar do conteúdo veiculado pela imprensa, notadamente pelo volume de informações constantes dos veículos de comunicação”, afirmou.

Para o PT, houve desvio de função de servidores “para a prática de atividades pessoais de palestrante, desvinculadas, portanto, das finalidades dos cargos ocupados”. A reportagem procurou a assessoria da Lava Jato no Paraná, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.