O Estado de São Paulo, n. 45927, 16/07/2019. Economia, p. B1

 

Para governo, reformar da Câmara pode criar o maior imposto do mundo

Adriana Fernandes

16/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Disputa. Nas contas do Ministério da Economia, que defende outro projeto de reforma tributária, proposta chancelada por Rodrigo Maia exigiria fixação de alíquota de pelo menos 30% sobre o consumo; ao todo, há cinco projetos de simplificação de tributos

O Ministério da Economia calcula que a proposta de reforma tributária encampada pela Câmara dos Deputados exigiria a fixação de uma alíquota de 30% ou até maior para o novo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) que incidiria sobre o consumo. Nesse patamar, o Brasil passaria a ter o maior imposto sobre valor agregado (IVA) do mundo. Por trás do cálculo, há uma disputa entre governo e Congresso no andamento da reforma tributária.

A equipe econômica, que também tem a sua proposta, considera que o texto da Câmara enfraquece a autonomia dos Estados e municípios. Ao insistir na inclusão deles neste momento, avalia o governo, correse o risco de um novo fracasso na simplificação tributária, como vem ocorrendo há 30 anos.

Patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a proposta de emenda constitucional (PEC) da Câmara foi elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), liderado pelo ex-secretário de Política Econômica Bernard Appy e apresentada pelo líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP). O projeto foi desenhado no modelo de imposto sobre o valor agregado (IVA) que existe em vários países do mundo. O IBS unificaria num único tributo o IPI, PIS, Cofins (todos do governo federal), ICMS (Estados) e ISS (municípios).

O texto tramitou rapidamente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e já está na comissão especial. É a grande aposta das lideranças da Câmara para o segundo semestre dentro da estratégia de manter o protagonismo da Casa na agenda reformista, depois da aprovação da reforma da Previdência (que ainda precisa ser votada no segundo turno).

Após o sucesso da votação do primeiro turno da Previdência, Maia quer comandar a articulação da reforma tributária, o que tem causado desconforto no governo.

“A gente quer que a equipe econômica participe. Essa é uma reforma que tem muito apoio na classe média, na sociedade”, disse Maia ao Estado no sábado.

Além da “PEC Baleia/Appy”, há quatro projetos na briga da reforma tributária (ler quadro). Na semana passada, em contraponto à Câmara, o Senado encampou a proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. O secretário da Fazenda, Marcos Cintra, está aguardando o sinal verde do ministro da Economia, Paulo Guedes, para apresentar a proposta do governo, que inclui também a desoneração da folha e a criação de uma contribuição de pagamentos, nos moldes da extinta CPMF. Há também outras duas propostas: a de empresários e a feita por secretários de Fazenda de Estados.

Cálculo. Nas contas de Appy, o IBS teria uma alíquota de 25%, sendo 9% para cobrir os impostos federais. Mas o governo considera que os cálculos da proposta da Câmara estão subestimados, porque implicariam queda de arrecadação. Para a equipe da Receita, essa proposta só teria viabilidade se a parcela dos impostos federais fosse de 14,5%, o que aumentaria a alíquota para mais de 30%.

Ao Estado, Appy avaliou que os brasileiros já pagam a alíquota de 25% sobre o consumo e diz desconhecer a calibragem feita pelo governo. “Na verdade, pagam mais. Pagam essa alíquota e toda a ineficiência do sistema tributário”, ressaltou. Entre essas ineficiências, o economista apontou o custo burocrático que as empresas têm para pagar os tributos.

“Estamos dando transparência a uma situação que já existe”, afirmou. As diferenças de valores da parcela dos tributos federais de 9% para 14,5% ele atribui a possíveis divergências de modelos. Appy reconheceu, no entanto, que os IVAs mais altos do mundo têm alíquota de 25% e 26%. “Precisa ver como calibraram as alíquotas. Isso faz toda a diferença.” O CCiF vai divulgar em agosto as notas técnicas para cálculo da alíquota, que teve como base o Chile e a África do Sul.

Imposto único. Para Emerson Casali, que assessora as empresas de serviços na discussão da reforma tributária, há uma preocupação de qual alíquota efetivamente incidirá sobre os serviços. “O temor é que a alíquota média fique em 25%.” O setor defende alíquotas diferenciadas. Ele dá como exemplo o serviço de educação, que hoje tem uma tributação de 8,65%.

O imposto único da proposta da Câmara prevê uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços basicamente, sem exceções. Hoje, o governo abre mão de R$ 25 bilhões de renúncia ao ano para isentar as empresas da Zona Franca de Manaus. Para aprovar sua reforma, integrantes do governo já admitiram que pretendem manter algum tipo de benefício para a região.

Procurada, a Receita Federal não quis comentar os dados obtidos pelo Estado. Além do imposto único só na esfera federal, o governo quer fazer uma desoneração do imposto que as empresas pagam sobre a folha de pagamento. A ideia é reduzir o imposto de 20% para 8,5% no caso das empresas e também cobrar a mesma alíquota sobre os salários dos empregados até o teto do INSS (R$ 5,8 mil). Já a nova contribuição sobre todos os meios de pagamento teria uma alíquota de 0,6% – e não seria cobrada apenas em transações com cheque, como a CPMF.

AS PROPOSTAS

● Câmara dos Deputados

PEC do líder Baleia Rossi (MDB-SP), patrocinada por Rodrigo Maia. Preparada pelo economista Bernard Appy, acaba com três tributos federais – IPI, PIS e Cofins. Extingue o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. Todos eles incidem sobre o consumo. Cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência de municípios, Estados e União, além de um outro imposto, sobre bens e serviços específicos, esse de competência apenas federal.

● Senado Federal

Reforma do ex-deputado Luis Carlos Hauly preparada pela Câmara. Extingue IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e o ISS. No lugar deles seria criado um imposto sobre o valor agregado de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal.

● Equipe Paulo Guedes

Troca de até cinco tributos federais (PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a CSLL) por uma única cobrança, o Imposto Único Federal. A proposta também vai acabar com a contribuição ao INSS que as empresas pagam atualmente sobre a folha de pagamentos. Em substituição, duas opções estão à mesa: a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento ou um aumento adicional na alíquota do imposto único. Em outra frente, o governo prepara mudanças no Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas.

● Instituto Brasil 200

Cria o Imposto Único que substitui todos os tributos, inclusive IPTU e IPVA. Poderão ser discutidas demandas setoriais como exportações e Zona Franca de Manaus. A alíquota prevista é de 2,5% sobre qualquer movimentação financeira de cota corrente para conta corrente. Se a pessoa transfere R$ 100 é tributada em R$ 2,50 e quem recebe é tributado também em R$2,50.

● Estados

Preparada pelo Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), a proposta retira da União a gestão do tributo único criado com a reforma. Além disso, prevê que, caso o governo consiga emplacar um imposto unificado apenas federal, os Estados encaminhem uma proposta alternativa ao Legislativo, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Dual. A proposta prevê mecanismos de compensação de perdas e de redução de desequilíbrios regionais, com a criação de um fundo.

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Presidente da CCJ prevê 60 dias para Senado analisar Previdência

Amanda Pupo

Renato Onofre

16/07/2019

 

 

Proposta tem de passar pelo 2º turno na Câmara antes de seguir para o Senado; Simone Tebet vê prazo como ‘confortável

Proposta. Para Simone, é bem difícil Senado mexer no texto

Após o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), avaliar ser possível votar a reforma da Previdência na Casa até dia 5 de setembro, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), disse ontem que considera o prazo “muito otimista”, e que prevê 60 dias para que os senadores analisem a proposta que modifica as regras para a aposentadoria. Depois que for votado em segundo turno na Câmara, o texto precisa passar pelo Senado Federal. “Com 60 dias é um tempo confortável, agosto, setembro”, disse a senadora.

A tramitação da reforma na Casa começa pela CCJ, presidida por Simone, que também confirmou o nome do tucano Tasso Jereissati para ser o relator do texto. Para a senadora, não faz sentido o Senado ser apenas um “carimbador” da reforma. Simone, que prevê que a proposta seja analisada na CCJ no prazo de três semanas a um mês, entende que se a discussão for mais aprofundada na comissão, as novas regras passam mais facilmente no plenário.

“Quanto mais se debater na CCJ, mais rápido se aprova em plenário”, considerou a senadora em conversa com jornalistas. Diferente da Câmara dos Deputados, o texto não precisa passar por uma comissão especial.

Simone também avaliou ser “mais difícil” que a Casa promova alterações significativas no texto, capazes de causar um grande impacto na economia esperada pelo governo – em torno de R$ 900 bilhões. “Hoje a composição do Senado é um pouco mais governista”, disse. “Se forem alterações mínimas, é possível cedermos a algumas pressões legítimas, entendendo a justeza da demanda”, afirmou.

PEC paralela. Eventuais modificações, para Simone, seriam analisadas em uma PEC paralela, a mesma pela qual o Senado deve tentar a reinclusão de Estados e municípios na reforma, que precisará voltar para a análise da Câmara dos Deputados.

Ontem, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou que os colegas estão dispostos a ampliar a abrangência das novas regras para servidores estaduais e municipais em uma proposta distinta para não atrasar a promulgação, pelo Congresso, da parte em que há consenso entre deputados e senadores. “Estão receptivos, até porque são ex-governadores, ex-presidentes… Já sabem como é que funciona quando o calo aperta, né? Acho que está um clima mais ameno em relação a isso, de menor resistência”, afirmou.

Sobre o ponto de Estados e municípios, Simone tem uma avaliação diferente da de Jereissati, que já falou que a reinclusão dos Estados e municípios seria feita de forma a obrigá-los a adotar as exigências que forem aprovadas no Congresso. Para ela, seria mais fácil aprovar na Câmara uma PEC paralela que apenas facilitasse que Estados e municípios fizessem as próprias reformas – por exemplo, por meio de lei complementar – sem imposição do Congresso.

Se de fato uma PEC paralela for apresentada, Simone entende que ela começaria a ser discutida no Senado alguns dias após o início das discussões sobre a reforma principal. Mas, sobre isso, o martelo só será batido após uma reunião de líderes, comentou. / COLABOROU TEO CURY

Estratégia

“Quanto mais se debater na CCJ, mais rápido se aprova no plenário.”

Simone Tebet (MDB-PE)

PRESIDENTE DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DO SENADO