Correio braziliense, n. 20470, 07/06/2019. Política, p. 4

 

Bolsonaro quer Macri reeleito

Claudia Dianni

07/06/2019

 

 

Diplomacia » Em visita a Buenos Aires, presidente brasileiro faz declarações favoráveis à recondução do colega argentino, a quem chama de "irmão"

O presidente Jair Bolsonaro iniciou ontem, cinco meses após tomar posse, a primeira visita à Argentina, principal parceiro estratégico do Brasil na região. Durante os dias que antecederam a chegada do brasileiro, movimentos e organizações sociais, ONGs e artistas se movimentaram para organizar protestos. Logo após o primeiro compromisso da agenda, ao lado do aliado argentino, a quem chamou de “irmão”, Bolsonaro jogou lenha na fogueira ao, de maneira indireta, pedir a reeleição de Maurício Macri. O eleitorado, que vai às urnas em outubro, está dividido.

“Conclamo o povo argentino, que terá pela frente eleições em outubro. Todos têm que ter, como no Brasil grande parte teve, muita responsabilidade, muita razão e menos emoção para decidir o futuro deste país maravilhoso que é a Argentina”, disse. “O próprio Brasil esteve muito à beira desse abismo. Se a corrupção nos leva algo de concreto, as ideologias podem nos levar algo a que só se dá valor depois que se perde, que é a nossa liberdade”, disse mais tarde, a jornalistas, já fora da tribuna do Salão Branco, da Casa Rosada, onde os dois presidentes fizeram suas declarações.

Ainda na tribuna, Bolsonaro disse que conversou com Macri sobre “esforços para que a região não tenha novas Venezuelas”. As declarações foram feitas em comunicado conjunto, logo após um encontro privado entre os dois presidentes, seguido de uma reunião de trabalho, da qual também participaram ministros dos dois países, sobre assuntos como comércio, integração, defesa e cooperação. “Devemos nos preocupar, e estamos tomando ações nesse sentido”, afirmou sobre a Venezuela.

Antes de embarcar, Bolsonaro já havia concedido uma extensa entrevista ao jornal argentino La Nación, publicada no sábado, em que disse “torcer para que o povo argentino eleja um candidato de centro-direita. “A Argentina e o Brasil não podem voltar à corrupção desenfreada do passado. Contamos com povo argentino para eleger seu presidente em outubro, disse ao jornal, em uma crítica indireta a Cristina Kirchner, que foi aliada do governo do PT, e rivaliza com o atual presidente.

A reeleição de Macri já foi considerada uma forte possibilidade, uma vez que, devido a medidas austeras adotadas no início do governo, em 2017, a economia argentina voltou a crescer. Mas, em maio do ano passado, o peso sofreu uma forte desvalorização, com impacto na inflação, que alcança mais de 50%. Os índices de pobreza aumentam, e o país voltou a recorrer ao Fundo Monetário Internacional.

Com o declínio da popularidade de Macri, Cristina Kirchner, que foi presidente entre 2007 e 2015, surpreendeu ao anunciar que seria candidata a vice na chapa de Alberto Fernández, seu ex-chefe de gabinete, que deixou o governo por discordar de algumas políticas. Analistas argentinos interpretam o movimento como uma estratégia de Cristina para ganhar votos do centro.

Integração

O presidente argentino destacou a importância da relação entre os dois países e disse apostar no crescimento do relacionamento bilateral. “O Mercosul está chegando aos 30 anos, e o mundo mudou muito, não apenas com relação à integração dos mercados. É preciso incluir o Mercosul no desenvolvimento mundial”, disse Macri. Pressionado pelos movimentos sociais, o argentino tratou de incluir em seu discurso uma fala progressista, e afirmou que os dois presidentes ratificaram “o compromisso na defesa dos direitos humanos, no combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado”.

Bolsonaro ainda deve enfrentar protestos em Buenos Aires até o fim da visita, que acaba hoje. Ele tem sido criticado no país vizinho por movimentos LGBT, devido a declarações sobre mulheres e, sobretudo, sobre ditadura e torturadores. A crítica ao regime militar é um assunto que une os argentinos, por conta do trauma provocado por uma ditadura violenta que deixou um saldo de 30 mil desaparecidos e, até hoje, mobiliza a sociedade.

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Guedes vê acordo

07/06/2019

 

 

 

 

Integrante da comitiva que acompanha o presidente Bolsonaro à Argentina, o ministro da economia, Paulo Guedes, está confiante de que o Mercosul e a União Europeia (UE) vão fechar “em quatro ou cinco semanas” o acordo comercial que discutem há 20 anos. Negociadores dos dois blocos se encontram no fim do mês em Bruxelas, para uma reunião ministerial.

“O Brasil está abrindo sua economia gradualmente, aumentando, primeiro, a integração com os parceiros regionais, depois partindo rumo à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e acordos com a União Europeia”, disse Guedes, para quem o Mercosul “ficou estagnado devido a uma ideologia obsoleta, quando houve 10 anos de negociações sem resultados”. Mais tarde, o presidente argentino, Maurício Macri, confirmou que Brasil e UE “estão muito perto de um acordo”.

Ao lado de Bolsonaro, em uma live para as redes sociais, ontem à noite, Guedes acrescentou que Brasil e Argentina são duas potências energéticas e agrícolas, que devem integrar energia e agricultura. “O Mercosul virou um atraso para o crescimento e uma ameaça à democracia, como na Venezuela. A palavra de ordem agora é liberdade econômica”, disse.

Na opinião do vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Alfredo Graça Lima, que foi embaixador na representação do Brasil em Bruxelas entre 2002 e 2005, “os elementos objetivos conspiram mais contra do que a favor” do acordo com o bloco europeu. Ele explica que a oferta europeia com relação a acesso ao mercado agrícola continuar restrita, e que o Mercosul quer adotar cotas para produtos industriais, como automóveis.

“O valor da negociação é mais político do que comercial e pode ter um peso institucional ou um efeito mais administrativo no comércio entre os dois blocos, embora o discurso seja de liberalização”, disse. De acordo com Graça Lima, a concessão de subsídios à produção agrícola europeia reduz a competitividade dos produtos brasileiros no mercado europeu. Ele lembra ainda que, já em 2004 e 2005, o Brasil tinha muitas dificuldades para aceitar as cláusulas ambientais da União Europeia (CD).

Cachaça reconhecida

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse ontem que um dos resultados da visita do presidente Jair Bolsonaro à Argentina será o reconhecimento, pelo país vizinho, da cachaça brasileira como um produto de origem controlada, o que significa uma proteção contra o uso do nome da bebida em produtos similares fabricados em outros países. “A Argentina vai, finalmente, reconhecer a identidade geográfica da cachaça brasileira”, disse a ministra, em live para redes sociais, ao lado de Bolsonaro,  ontem à noite.