O globo, n.31397, 24/07/2019. Economia, p. 17

 

Saques 'para sempre'

Marcello Corrêa

Gustavo Maia 

Jussara Soares 

Martha Beck 

24/07/2019

 

 

A liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que será anunciada hoje pelo governo, deve injetar cerca de R$ 42 bilhões na economia até 2020. Na primeira rodada de retiradas, prevista para este ano, serão liberados R$ 28 bilhões do Fundo e mais R$ 2 bilhões do PIS/Pasep. No ano que vem, quando entrará em vigor um novo modelo de saques anuais, o impacto estimado é de R$ 12 bilhões. Os valores foram confirmados ontem pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que prometeu soltar recursos do FGTS “para sempre”.

— Eu tinha falado um mês ou dois atrás que ia ser em torno de R$ 42 bilhões. Vai ser isso mesmo. Devem ser uns R$ 30 bilhões este ano e uns R$ 12 bilhões no ano que vem. São os R$ 42 bilhões que eu tinha falado, só que vocês vão ver que há novidades, há coisas interessantes — disse o ministro, após evento no Palácio do Planalto. — O governo passado soltou só inativas. Nós vamos soltar ativas e inativas. Eles soltaram uma vez só. Nós vamos soltar para sempre. Todo ano vai ter.

Segundo fontes da equipe econômica, serão anunciadas hoje duas grandes medidas para flexibilizar o acesso ao FGTS. Primeiro, neste ano, trabalhadores poderão retirar até R$ 500 de cada conta que possuírem no Fundo. Quem tem três contas, por exemplo, poderá sacar até R$ 1.500 (R$ 500 de cada uma). Essa autorização será só para este ano e gerará o maior impacto na economia, de R$ 28 bilhões. Será possível sacar das contas inativas e também das ativas, as do atual emprego. Em 2017, o governo Michel Temer autorizou retiradas apenas de contas inativas, aquelas que ficam paradas quando o empregado pede demissão.

MAIORIA TEM 1 MÍNIMO

Segundo dados de 2017 do FGTS, as contas com saldo de até um salário mínimo correspondem a 84% do total, mas detêm somente 5,84% dos recursos do Fundo. Enquanto isso, aquelas com saldo superior a cem salários mínimos correspondem a 0,13% da quantidade de contas e a 14,73% do total dos valores depositados. O saldo médio das contas, naquele ano, era de R$ 1.465,84.

A outra medida é mais estrutural. A partir do ano que vem, entrará em vigor um novo modelo, que permitirá que trabalhadores saquem uma parcela do que têm no FGTS todo ano. O percentual deve variar de 10% a 35%, sendo que quem tem mais dinheiro poderá sacar uma fatia menor dos recursos aplicados. As retiradas seriam autorizadas sempre no mês de aniversário do trabalhador, com dois meses de tolerância — quem nasceu em abril, por exemplo, teria até junho para fazer o saque.

Quem optar por essa modalidade, no entanto, abre mão da possibilidade de sacar todo o dinheiro depositado no Fundo quando for demitido sem justa causa. A multa de 40% sobre o saldo, no entanto, continuará a ser paga. Apesar de críticas do presidente Jair Bolsonaro à indenização, essa regra não será alterada. Também continuará sendo possível sacar o saldo do Fundo nas outras possibilidades previstas em lei, como aposentadoria e para financiar a compra de imóvel. Se optar pelo modelo de saque no aniversário, o trabalhador só poderá voltar para o sistema antigo depois de 25 meses.

CONGRESSO TEM DE APROVAR

As mudanças serão formalizadas por meio de medida provisória, que entra em vigor sem a necessidade de aprovação pelo Congresso, mas que precisa do aval do Legislativo para continuar a valer. Além da liberação dos saques, o texto deve ampliar para 100% o percentual do rendimento do Fundo destinado ao trabalhador. Atualmente, a parcela de distribuição de resultados do FGTS é de 50% do lucro líquido do exercício anterior.

O modelo para os saques do FGTS foi decidido após meses de negociação entre a equipe econômica, o presidente e segmentos que seriam afetados pela mudança. A maior pressão vem do setor de construção civil, já que esses recursos são usados para financiamento habitacional. Ontem, integrantes do Ministério da Economia se reuniram com membros do Conselho Curador do FGTS, que demonstram preocupação de que a flexibilização dos saques comprometa o orçamento do Fundo.

Guedes planeja a medida desde o início do ano. Ela é uma forma de reanimar a economia, que, segundo projeções de analistas, deve crescer só 0,8% neste ano. O objetivo do governo é mudar essa expectativa para alta de ao menos 1%. O plano estava sendo elaborado, mas o ministro evitou anunciar a ação antes da aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência. Do contrário, disse Guedes, o pacote de estímulo geraria apenas um “voo de galinha” na economia. Colaborou Pollyannna Brêtas