O globo, n.31397, 24/07/2019. Sociedade, p. 26

 

Agrotóxicos ganham nova classificação

Marco Grillo

Renato Grandelle 

24/07/2019

 

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem uma resolução que estabelece novas normas para a classificação de agrotóxicos. A principal mudança diz respeito aos critérios que levam um produto a ser listado como “extremamente tóxico”, o nível mais rígido de categorização.

O novo formato, chamado de GHS (em português, Sistema Global de Classificação Harmonizado), reserva a classificação de risco mais elevado apenas a agrotóxicos que podem matar caso sejam ingeridos, inalados ou entrem em contato com a pele.

Criado em 1992, o GHS já foi totalmente implantado em 53 países — entre eles, a Argentina e a União Europeia —e é parcialmente usado em 12, como os EUA. Segundo a Anvisa, a classificação toxicológica em vigor no Brasil “não está harmonizada com relação ao que é praticado no mundo”.

De acordo com a regulação atual, definida em 1992, a categoria mais rígida abrange não apenas produtos potencialmente mortais, mas, por exemplo, os que provocam graves irritações aos olhos e à pele.

Até agora, 1.981 agrotóxicos já foram reavaliados, e a Anvisa disse que informará em breve suas novas classificações. Atualmente, cerca de 800 estão enquadrados no nível mais elevado, e estima se que, com as alterações, este número caia para algo entre 200 e 300 substâncias.

NOVAS CATEGORIAS

Parte da queda deve-se à criação de novas categorias de classificação. Hoje, são quatro: extremamente tóxico, altamente tóxico, moderadamente tóxico e pouco tóxico. Além dessas, serão acrescidas duas formas de descrever o impacto dos produtos: “improvável de causar dano agudo” e “não classificado”, referindo-se àqueles de baixa toxicidade.

Os rótulos apresentarão cores diversas, dependendo da faixa de risco. O símbolo da caveira, hoje presente em todos os produtos, será usado apenas nas três categorias mais tóxicas.

Renato Porto, diretor responsável pela área de agrotóxicos da Anvisa, diz que as mudanças não diminuem a rigidez da classificação.

— Estamos igualando o marco regulatório do Brasil com o do mundo. Se existem classificações que vão serre visadas? Existem. Elas vão ser modificadas para o melhor padrão que a ciência tem hoje — assegura.

— Não posso estagnar a agência por receio de fazer uma reclassificação.

A resolução também possibilita que os agrotóxicos sejam dispensados de testes em animais quando houver estudos alternativos capazes de fornecer informações suficientes para a definição sobre o nível de toxicidade das substâncias.

‘USO POLÍTICO’

Luiz Claudio Meirelles, pesquisador e professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz, assinala que a norma internacional deve ser implementada adequando-se à “realidade social” de cada país.

— Precisamos considerar a vulnerabilidade do trabalhador rural brasileiro, que tem pouco acesso à informação — atenta.

— Os critérios mais flexíveis, que diminuem os alertas, não são compatíveis com a manutenção da segurança sanitária dos agricultores, que lidam com produtos que podem cegar e provocar lesões na pele.

Presidente da Comissão de Desreguladores Endócrinos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Elaine Frade ressalta que a exposição intensa aos agrotóxicos pode provocar alterações hormonais, como a puberdade precoce em meninas.

— Ninguém se lembra dos graves efeitos provocados por estas substâncias quando somos expostos a elas em pequenas quantidades ao longo do tempo — diz Elaine. — Faltam políticas públicas que capacitem os agricultores. Há um uso abusivo e inadequado dos agrotóxicos em diversos plantios, e sua penetração no solo pode contaminar os lençóis freáticos.

Para a coordenadora da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacôrte, o governo federal está fazendo uso político do GHS, adotando apenas diretrizes que interessam à indústria e à bancada ruralista do Congresso.

— O GHS considera que o glifosato é um ingrediente ativo cancerígeno, enquanto a Anvisa afirma que não há evidências para esta classificação. Ou seja, o governo diz que quer padronizar os critérios brasileiros com os internacionais, mas só faz isso quando pretende afrouxar as regras —protesta.