O globo, n.31397, 24/07/2019. Sociedade, p. 27

 

Vítimas do sarampo em SP relatam dores e dúvidas 

Ana Letícia Leão 

Elisa Martins 

24/07/2019

 

 

A campanha de vacinação contra o sarampo em São Paulo, após um surto da doença que já contagiou 484 pessoas em todo o Estado neste ano, não era uma preocupação para a estudante de publicidade Verena Liz Schlick, de 22 anos. Isso porque ela havia tomado três doses da vacina: duas quando era bebê e outra quando criança.

Apesar das imunizações, Verena diz ter contraído o vírus em junho deste ano, durante evento universitário em Americana, no interior de SP. A jovem lembra se de ter tido picos de febre em 28 de junho e, nos dois dias seguintes, sentido dores de garganta. Inicialmente, pensou que fosse um resfriado, já que muitos amigos estavam gripados. Quando manchas vermelhas apareceram em seu rosto, no entanto, ela desconfiou que poderia ser sarampo e correu para o hospital.

— Foi muito assustador, pois pensava que já estava imune. Tomei duas vacinas quando bebê, e depois uma tríplice viral quando criança. Teoricamente eu estava imunizada —diz ela.

Examinada no Hospital Universitário da USP, a jovem afirma que precisou levar a carteira de vacinação para provar que havia tomado as doses corretamente.

— Acharam que eu não tinha tomado as vacinas, pois a médica que me examinou disse que era um caso muito clássico de sarampo. Tive também aftas na boca, que são características da doença.

Verena ficou em isolamento total por sete dias, segundo orientação médica, para que não transmitisse a doença para outras pessoas. A mãe e a irmã, que moram com ela e também já tinham sido vacinadas, tomaram a vacina novamente para reforçar a proteção.

Segundo a diretora de Imunização da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Helena Sato, casos como o de Verena são extremamente raros.

— Há pessoas que, por uma questão individual da sua resposta imunológica, não respondem à vacina. Mas são situações excepcionais, muito raras. A maioria das pessoas que toma o esquema completo, de duas doses acima de um ano, tem proteção maior ou igual a 95% —explica.

De acordo com a especialista, um pequeno grupo pode não responder adequadamente à vacina e não desenvolver os anticorpos.

— Mas não é por isso que se deve deixar de tomar vacina. Os países que eliminaram o sarampo conseguiram por conta da vacina. Inclusive o Brasil, que estava nessa posição e perdeu — diz Helena Sato.

Segundo o último boletim da Secretaria de Saúde de São Paulo, 484 casos de sarampo haviam sido registrado no estado até 19/7, sendo 363 na capital paulista.

CONTÁGIO UNIVERSITÁRIO

Matheus Hmeliowsky, 20 anos, também teve sarampo no último mês e acredita que contraiu o vírus no mesmo evento universitário que Verena, entre os dias 20 e 23 de junho. No entanto, ele não sabe quantas doses da vacina contra o sarampo tomou, embora a mãe afirme que ele tenha sido vacinado quando criança.

—O sarampo foi a primeira coisa em que pensei depois das manchas na pele, porque houve casos da doença onde eu trabalho. A empresa chegou a disponibilizar a vacina no local, mas eu acabei não tomando.

Apesar do diagnóstico de três médicos de que estava com sarampo, Matheus não chegou a fazer um exame específico que comprovasse a doença e, por isso, tomou a vacina há duas semanas. Uma outra dose será aplicada em um mês.

— Depois do susto, tenho muito medo, por isso me vacinei —diz o estudante.

Jovens de 15 a 29 anos, como Verena e Matheus, são o público-alvo da campanha de vacinação contra a doença, segundo a Secretaria de Saúde, porque a maior parte deles não tomou a segunda dose da vacina, necessária para a imunização completa.

O governo de São Paulo espera vacinar 3 milhões de jovens dessa faixa etária, mas a campanha, que começou em 10 de junho, só atingiu 180 mil pessoas até o momento .

O sarampo é uma doença infecciosa altamente contagiosa, transmitida por via respiratória. Seu período de incubação, aquele em que a pessoa não apresenta sinais ou sintomas da doença, é de cerca de dez dias. O problema é que uma pessoa infectada pode transmitir o vírus mesmo antes do aparecimento das manchas vermelhas, o sintoma mais visível.

— O período de transmissão é de quatro a seis dias antes do aparecimento das manchas vermelhas. E até quatro dias depois de elas terem sumido —diz Helena.

Segundo a médica, após o diagnóstico, a vítima deve ficar isolada por pelo menos quatro dias, pois pode transmitir a doença para outras 18 pessoas, em média.

‘PENSEI QUE FOSSE MORRER’

Na contramão da maioria das vítimas em São Paulo a cozinheira Sandra Regina Ribeiro, 58 anos, contraiu sarampo há aproximadamente 15 dias, e diz que os sintomas foram muito fortes, uma mistura de febre alta, muita fadiga e manchas vermelhas por todo o corpo.

— Para mim, foi o pior mal estar de doença que eu já tive. Eu não conseguia me levantar da cama, e aquelas bolinhas que coçam e incomodam estavam no corpo todo. Cheguei a pensar que fosse morrer.

Sandra acredita que não tomou a vacina quando criança porque foi criada em um sítio no interior de São Paulo, o que dificultava o acesso.

— Nem posto de saúde a gente tinha direito, era muito pouco divulgado. Tenho 12 irmãos e agora, depois que eu peguei sarampo, todos estão se vacinando. Jamais passou pela minha cabeça que eu ia adquirir sarampo nessa idade.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Governo planeja checar vacinação nas escolas 

Elisa Martins 

24/07/2019

 

 

O governo Bolsonaro estuda a possibilidade de pedir, a partir do ano que vem, a carteirinha de vacinação no ato de matrícula das crianças nas escolas públicas do país. Além disso, a administração federal também quer disponibilizar, já em agosto, uma inédita carteira digital de vacinação, que poderá ser acessada através de um aplicativo de celular, o Meu digiSUS, ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde.

Nesta ferramenta, o usuário poderá checar do próprio celular as vacinas já tomadas e as que faltam, em um esforço para aumentar a cobertura de imunizações, que estão em queda no Brasil.

A cobertura de vacinação da tríplice viral, por exemplo, que protege contra sarampo , rubéola e caxumba, foi de 90,5% em 2018; há três anos, esse índice passava de 96%. O Ministério da Saúde reconhece como eficiente uma cobertura vacinal superior a 95%. Atualmente, São Paulo, Pará e Rio de Janeiro estão com surto ativo de sarampo.

Escolas dos Estados Unidos e da Europa, onde existe um chamativo movimento anti-vacina, já condicionam a matrícula de alunos à apresentação da carteirinha de vacinação em dia, em um ato obrigatório. No Brasil, essa prática não viraria, em um primeiro momento, uma lei.

— Não será uma ação proibitiva, nem punitiva para as famílias. Mas esse momento pode ser uma oportunidade de orientá-las sobre a importância de vacinar suas crianças. E ter a carteirinha no aplicativo facilitaria essa apresentação nas escolas — diz o médico Júlio Croda, diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

A nova carteira digital será direcionada às pessoas que desejam acesso mais fácil às informações sobre vacinas e planejamento da imunização dos filhos, de acordo com o calendário nacional.

—Esse cartão digital vai puxar as informações de cada pessoa do sistema nacional de imunização, e essa pessoa poderá cobrar no posto de saúde mais próximo a atualização de sua carteirinha. A ideia é facilitar o acesso e empoderar o usuário — diz o médico Júlio Croda.

— Na medida em que garantirmos o acesso à informação através de um aplicativo, poderemos pensar em regulamentar essa política. Uma política de educação, de verificação do cartão e de conversa com as famílias.