O Estado de São Paulo, n. 45924, 13/07/2019. 45924, p. A4

 

Indicação de Eduardo tem resistência em comissão

Bruno Moura

Rebeca Ramos

Renato Onofre

13/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Senado. Parlamentares responsáveis por sabatinar nomeados para representações diplomáticas se dividem sobre aprovar filho de Jair Bolsonaro para embaixada nos EUA

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) deve enfrentar resistência para assumir a embaixada de Washington caso sua indicação seja confirmada pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro. Dos atuais 17 integrantes da Comissão de Relações Exteriores do Senado – responsável por analisar o nome –, seis disseram ao Estado ser contrários, outros sete afirmaram ser favoráveis, três preferiram não comentar e apenas um não se manifestou, a senadora Renilde Bulhões (PROS-AL).

Para ter sua nomeação como embaixador confirmada, Eduardo deverá passar por uma sabatina na comissão e, em seguida, ser submetido a uma votação secreta. Depois, é a vez de o plenário do Senado dizer se aceita ou não o escolhido pelo presidente. Ele precisará do voto favorável da maioria dos 81 senadores – também em votação secreta.

Conforme registros da Comissão de Relações Exteriores, apenas uma indicação presidencial para embaixador foi rejeitada ao longo da história. Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff enviou o nome de Guilherme Patriota, irmão do ex-chanceler Antônio Patriota, para a vaga de embaixador do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), mas ele não teve aval da maioria dos senadores.

O Estado apurou que o irmão mais velho de Eduardo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), entrou em contato com colegas para medir a “temperatura” do Senado em relação à indicação. Flávio não faz parte da Comissão de Relações Exteriores. Os partidos, porém, podem trocar os nomes dos integrantes a qualquer momento.

O principal argumento dos que rejeitam a indicação é a falta de experiência de Eduardo. Segundo parlamentares, o filho “03” de Bolsonaro não tem o perfil adequado para assumir a embaixada americana, considerada a mais representativa do País no exterior. “Para assumir a embaixada de Washington precisa de muitos outros atributos, como no mínimo 30 anos de carreira e não apenas falar bem o inglês”, disse o senador Marcos do Val (Cidadania-ES), vice-presidente da comissão.

Senadores afirmaram ainda que a confirmação do nome do filho daria ao presidente a sinalização que ele poderia “fazer o que quiser”. “Às vezes, parece que Bolsonaro brinca de ser presidente e isso é muito sério”, disse Mara Gabrilli (PSDB-SP).

Outros, porém, alegaram que o fato de ser filho do presidente pode representar uma vantagem para Eduardo no cargo. “O tratamento será bem diferente do que seria dado a qualquer outro embaixador”, declarou Romário (Podemos-RJ).

Ressalvas. Mesmo parlamentares que declaram apoio fizeram ressalvas à indicação. “Não seria adequado, mas não é ilegal”, disse o senador Mecias de Jesus (PRB-RR), representante do seu partido na Comissão de Relações Exteriores. “Se fosse eu o presidente da República não convocaria meu filho, mas, se ele convocou, deve ser porque o rapaz tem condições”, afirmou Zequinha Marinho (PSC-PA), integrante do colegiado.

Presidente da comissão, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) disse que vai trabalhar para que a indicação seja aprovada em até 60 dias. Antes, porém, precisará limpar a pauta e analisar as indicações de quatro embaixadores que estão na fila: Romênia, Hungria, Cingapura e Malásia.

Trad se reuniu ontem com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para tratar do assunto. “O Eduardo não chegou onde chegou só pelo sobrenome. Ele tem as virtudes dele também”, disse o senador. “Vou votar a favor e vou ajudar para que o nome dele passe.”

PASSO A PASSO

O processo de indicação de um embaixador

1. O presidente da República indica um nome, que é publicado no Diário Oficial da União, e enviado ao Senado;

2. A indicação é analisada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, que define um relator no colegiado;

3. Relator apresenta o currículo do indicado, que é sabatinado pelos membros da comissão;

4. Em seguida, é realizada uma votação secreta na comissão para confirmar ou rejeitar o nome indicado;

5. Após a votação no colegiado (independentemente do resultado), a indicação é encaminhada ao plenário do Senado, onde a maioria dos 81 senadores precisa aprová-la em votação também secreta;

6. Uma vez aprovada a indicação, o presidente nomeia o embaixador.

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Diplomacia como empreendimento familiar

Guilherme Casarões

13/07/2019

 

 

Em 2012, circulou notícia de que a então senadora do PT Marta Suplicy seria a embaixadora em Washington. A indicação de Dilma Rousseff teria sido parte de um acordo para que a então petista abandonasse o projeto de concorrer à Prefeitura. Mesmo que Marta tenha imediatamente vindo a público negar a informação, ela não conseguiu evitar as reações negativas vindas, sobretudo, de membros do Itamaraty. Embaixadores comentavam que a nomeação colocaria em risco a credibilidade do País.

Colocando o estranhamento político-partidário de lado, os diplomatas tinham, de fato, um argumento corporativo para não querer que uma senadora assumisse a mais prestigiosa embaixada bilateral. Desde meados do governo Lula, todas as chefias de postos diplomáticos no exterior eram ocupadas por diplomatas de carreira. A única e compreensível exceção foi feita ao físico Laércio Vinhas, pesquisador com longa trajetória na área nuclear, indicado em 2011 para representar o Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica.

Pelo seu peso político, econômico e simbólico, a embaixada em Washington sempre foi um dos postos mais desejados da diplomacia brasileira. Por lá passaram figuras emblemáticas como Joaquim Nabuco e Moreira Salles. Nada menos que cinco ex-embaixadores nos EUA tornaram-se chanceleres. Três ex-chanceleres deram sequência à carreira diplomática servindo na capital norte-americana.

Pode-se inclusive dizer que a elite diplomática da Nova República foi forjada em Washington. Além dos que viraram ministros de Estado, passaram por lá Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricupero, Rubens Barbosa, Paulo Tarso Flecha de Lima, Roberto Abdenur e Sérgio Amaral.

Com a proposta de romper com o passado imediato, a Nova Era na diplomacia começou a se afirmar quando Olavo de Carvalho, guru do governo, disse que não gostaria de assumir ministérios, mas que se contentaria com a embaixada nos EUA. Ao contrário de tempos atrás, não houve reação pública. A indicação de Eduardo Bolsonaro para o cargo confirma o novo normal. Para o governo, é o melhor dos mundos: reafirma o olavismo das nossas relações exteriores e ainda traz a diplomacia para o grande empreendimento familiar que é marca da gestão Bolsonaro.