Correio braziliense, n. 20476, 13/06/2019. Política, p. 2
Hacker atacou mais autoridades
Bernardo Bittar
Renato Souza
13/06/2019
Poder » Aumenta o número de agentes públicos que tiveram o celular invadido por meio de ataques virtuais. Além de Sérgio Moro e procuradores da Lava-Jato, há juízes, desembargador e ex-procurador. Até ministro do STF é mencionado em conversas divulgadas
No momento em que a Polícia Federal começa a investigar o hackeamento e a divulgação de conversas entre o então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e o coordenador da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, surgem mais autoridades que foram vítimas da investida criminosa. A interceptação atingiu juízes e procuradores e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de Moro e Dallagnol, foram alvo de ataques a juíza que herdou os processos da Lava-Jato em Curitiba, Gabriela Hardt; o desembargador Abel Gomes, relator da força-tarefa no Rio de Janeiro; o juiz Flávio de Oliveira Lucas, também do Rio; o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot; os procuradores Januário Peludo, Paulo Galvão, Thaméa Danelon, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Danilo Dias, Eduardo El Haje, Andrey Borges Mendonça e Marcelo Weitzel, além do jornalista Gabriel Mascarenhas.
Outros dois procuradores que atuaram como auxiliares de Janot disseram ter sido vítimas de ataques cibernéticos, mas preferiram não ter o nome revelado. Em nota, a Justiça Federal confirmou ao Correio que a substituta de Moro foi grampeada e que “o fato foi imediatamente comunicado à PF”. De acordo com o texto, a juíza não identificou informações pessoais que possam ter sido interceptadas.
Advogados de condenados pela Lava-Jato alegam que as mensagens atribuídas a Moro e Dallagnol indicariam uma atuação combinada no processo que resultou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que abriria espaço para questionamentos sobre credibilidade da maior operação de combate à corrupção no país.
Na terça-feira à noite, um suposto hacker entrou em contato com José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da Associação Nacional de Procuradores (ANPR), fazendo-se passar pelo procurador militar Marcelo Weitzel, que teve o celular invadido. Apenas ao fim da conversa Robalinho percebeu que estava conversando com um impostor. “Ele me mandou um áudio, que, segundo ele, era muito bombástico contra a Lava-Jato. Eu estava em um jantar e não pude ouvir imediatamente. O áudio me pareceu a voz de um colega. Mas, diferentemente do que o falso Marcelo disse, eu respondi, de forma técnica, que não havia nada demais. Ele ainda discordou de mim, e, ao fim, disse: abraço do hacker”, contou Robalinho.
O mesmo invasor usou a conta de Weitzel para enviar mensagens de texto para o grupo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no Telegram. No desdobramento mais recente, o trecho de uma mensagem que teria sido trocada entre Dallagnol e Moro, publicado pela rádio Band News, cita o ministro do STF, Luiz Fux. Na conversa, o procurador diz ter ouvido do ministro que pode “contar com ele para o que precisar”. No ano passado, Fux concedeu uma liminar para impedir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder entrevistas durante o cumprimento da pena. Segundo a Band News, ao saber da notícia, Moro respondeu: “In Fux we trust”, que, em tradução literal, significa: em Fux nós confiamos. O conteúdo foi repassado à emissora pelo site The Intercept. A assessoria do STF foi procurada para comentar o caso, mas não se manifestou.
Em meio à crise deflagrada pelos ataques, procuradores discutem as mais variadas teses sobre as origens das invasões cibernéticas. Alguns até levantam suspeitas sobre o envolvimento da inteligência russa, o que não foi comprovado. Entre os alvos prevalece a ideia de que o hackeamento é uma ação orquestrada contra a Lava-Jato.
Encontro
O presidente Jair Bolsonaro recebeu Moro e o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ontem. Foi o segundo encontro do chefe do Planalto com o ministro, nesta semana, imediatamente após a divulgação das conversas, e a primeira reunião oficial com o diretor da PF. Eles marcaram um novo encontro para hoje à tarde. Ontem, os dois assistiram ao jogo entre CSA e Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro, no Estádio Mané Garrincha.
Procurado pelo Correio, o Planalto não comentou o que foi discutido no encontro entre os três. A PF também preferiu não falar sobre o assunto. Interlocutores do Palácio, no entanto, disseram à reportagem que o assunto teria sido justamente a divulgação dos áudios, além de uma tentativa do ministro, do presidente e do diretor da polícia de desenvolver um mecanismo combinado e eficaz para evitar novos ataques a autoridades.
Alvo de ataques
» Sérgio Moro ex-juiz e atual ministro da Justiça
» Deltan Dallagnol procurador
» Gabriela Hardt juíza
» Flávio de Oliveira Lucas juiz
» Abel Gomes desembargador
» Rodrigo Janot ex-procurador-geral da República
» Januário Peludo procurador
» Paulo Galvão procurador
» Thaméa Danelon procuradora
» Ronaldo Pinheiro de Queiroz procurador
» Danilo Dias procurador
» Eduardo El Haje procurador
» Andrey Borges Mendonça procurador
» Marcelo Weitzel procurador
» Gabriel Mascarenhas jornalista
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Dodge pede investigação unificada
13/06/2019
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou, à Polícia Federal, a unificação de inquéritos que investigam a invasão dos celulares de procuradores. Para ela, é necessário seguir uma única linha de apuração para tentar identificar o autor e os motivos dos ataques virtuais. Dogde também pede que o caso do procurador Marcelo Weitzel, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), outro afetado pelo hacker, seja alvo das diligências.
No documento enviado ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Leite Valeixo, Dodge também questiona em que pé estão as investigações. Informações obtidas pela reportagem apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também foi chamada para colaborar com as apurações e descobrir de onde partem e qual é a dinâmica dos ataques.
De acordo com o CNMP, os ataques contra os celulares dos procuradores foram identificados no mês passado. Para avaliar o problema, o órgão abriu investigação interna, além de avisar à PF. Em maio, a tentativa de invasão aos celulares institucionais dos integrantes do MPF foi comunicada à PGR pelos membros que atuam no Paraná e no Rio de Janeiro. Imediatamente, Dodge instaurou um procedimento administrativo — que continua em vigor — para acompanhar as investigações. Também foram adotadas medidas para aumentar o nível da segurança institucional contra ataques cibernéticos.
No geral, alvos do criminoso relataram ter recebido uma ligação do próprio número. Após isso, o aparelho foi clonado, e a conta do Telegram, usada para que o autor da invasão resgatasse o backup (cópia) de conversas, arquivos multimídia e documentos. No entanto, alguns procuradores não receberam a chamada via celular, o que indica mais de uma forma de hackeamento.
Ao contrário do WhatsApp, o Telegram não possui a chamada criptografia de ponta a ponta, já que os dados são enviados para um servidor da empresa. Com isso, o conteúdo pode ser interceptado no caminho entre o autor da mensagem, o servidor e o destinatário. Como a empresa proprietária do Telegram alega que não houve invasão aos computadores da empresa que armazenam os dados dos clientes, é provável que os alvos do hacker tenham deixado de ativar a verificação em duas etapas, nas configurações do próprio aplicativo. Essa ação simples impede que a conta seja aberta em uma máquina não autorizada. (RS)