O Estado de São Paulo, n. 45923, 12/07/2019. Política, p.A4

 

Bolsonaro quer ver filho embaixador nos EUA

 

 

 

 

Eliane Cantanhêde

Julia Lindner

Renato Onofre

12/07/2019

 

 

Diplomacia. Com apoio da cúpula do Itamaraty, presidente anuncia intenção de indicar Eduardo para posto em Washington; 'Eu aceitaria”, diz deputado, que não tem carreira na área

 

MARCOS CORRÊA/PR

Indicação. Bolsonaro afirma que Eduardo tem atributos para assumir cargo nos EUA; ministro do Supremo vê nepotismo

 

Depois de avisar há meses que trocaria o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro finalmente deixou claro o porquê da demora: durante todo esse tempo, ele articulava a indicação do próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), para o posto diplomático mais importante e mais disputado não apenas no Brasil, mas em praticamente todos os países, a embaixada em Washington. Eduardo é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

O presidente só anunciou a intenção publicamente ontem, durante a solenidade de posse do novo presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ao ser indagado por jornalistas, o virtual futuro embaixador indicou que aceitará a missão. “Se for da vontade do presidente e ele realmente me entregar essa função de maneira oficial, eu aceitaria”, afirmou Eduardo, que, anteontem, completou 35 anos – idade mínima para um brasileiro assumir uma representação diplomática no exterior.

Ao falar no nome do filho, o presidente citou atributos que o credenciariam para a vaga, como inglês fluente e canais abertos nos Estados Unidos, inclusive na Casa Branca: “Ele é amigo dos filhos do (presidente dos EUA, Donald) Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo. No meu entender poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente”.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, no entanto, a indicação de Eduardo para o cargo poderá ser enquadrada como nepotismo. “Não tenho a menor dúvida (de que é nepotismo). Sob a minha ótica, não pode, é péssimo. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato falho, um tiro no pé”, disse o ministro ao Estado.

Em 2017, Marco Aurélio suspendeu a nomeação do filho do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, como secretário da Casa Civil por entender que se tratava de nepotismo. Uma súmula vinculante do Supremo veda a nomeação de parentes em cargos públicos, mas ministros da Corte têm entendido que ela não alcança cargos políticos.

Ontem, ao ser questionado, Eduardo disse que a indicação é legítima. “A possibilidade (de se configurar nepotismo) pode ocorrer, mas a primeira análise que fizemos aqui é que não se enquadraria nisso. Seria uma indicação igual como de um presidente indicar um ministro. Estaria fora da questão do nepotismo.”

Não é a primeira vez que Bolsonaro tenta nomear um filho no governo. Durante a transição, cogitou indicar o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) para assumir a Secretaria de Comunicação, mas recuou diante da repercussão negativa.

 

Repercussão. Tanto o Itamaraty quanto a Embaixada dos EUA em Brasília reagiram com surpresa ao anúncio feito pelo presidente. Nos bastidores, a avaliação, semelhante, é a de que Eduardo tem grande vantagem, que é ter as portas abertas no Brasil e nos Estados Unidos, onde foi o único brasileiro a participar da audiência bilateral entre Bolsonaro e Trump. “Ele conhece todo mundo lá, isso ajuda muito na aproximação, nas relações”, resumiu um embaixador da cúpula do Itamaraty.

Entre os diplomatas havia a expectativa de que o número dois da embaixada em Washington, Nestor Forster, assumisse a vaga que, formalmente, ainda é do embaixador aposentado Sérgio Amaral. Forster, que aderiu desde cedo à campanha presidencial de Bolsonaro e é interlocutor do “guru” Olavo de Carvalho, foi recém-promovido, assumindo a condição de embaixador em exercício com a volta de Amaral ao Brasil, no mês passado.

Não é inédito, nem mesmo estranho, que uma personalidade fora da carreira assuma embaixadas no exterior ou mesmo o cargo de chanceler. Os exemplos de políticos e empresários que já exerceram o papel de embaixador são muitos ao longo da história. Entretanto, essa prática sempre foi menos comum em Washington, posto número um da diplomacia e, portanto, em geral reservado a diplomatas de carreira.

Eduardo admitiu a falta de experiência na diplomacia, mas citou que o fato de ser filho do presidente pode facilitar a aproximação entre os países. “Óbvio que não sou um diplomata de carreira, não fiz o concurso público. Mas depende da missão que o presidente vai passar. Eu acredito que a nomeação ou indicação de uma pessoa tão próxima do presidente seria vista com bons olhos pelo lado americano”, disse.

Para Lucas Leite, doutor em Relações Internacionais e professor da Faap, a indicação, caso confirmada, representará um “desrespeito” aos diplomatas brasileiros. “Independentemente de o governo ser mais de esquerda, de direita, centrista, sempre foi um cargo ocupado por pessoas muito técnicas e capacitadas”, afirmou Leite.

Após a indicação oficial do nome de Eduardo – o que ainda não foi feito –, ele terá de cumprir todas as etapas para a confirmação de embaixadores em postos no exterior. A mais delicada é passar por uma sabatina e aprovação do Senado. Caso assuma o cargo, terá de renunciar ao cargo de deputado. Regra que pode mudar. Colega de partido de Eduardo, o deputado Capitão Augusto (SP) vai apresentar emenda que resguarda o mandato de congressistas que assumirem chefias de missão diplomática. / COLABORARAM RAFAEL MORAES MOURA, VINICIUS PASSARELLI e PAULO BERALDO

 

‘Fala inglês e espanhol’

“Ele (Eduardo Bolsonaro) é amigo dos filhos do Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo. No meu entender, poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente em Washington.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA