Correio braziliense, n. 20476, 13/06/2019. Política, p. 4

 

Fachin: Lava-Jato não vai retroceder

13/06/2019

 

 

Poder » Ministro do Supremo Tribunal Federal diz que a operação impôs novo padrão jurídico e de natureza ética ao Brasil, que, na visão dele, não é passível de recuo

O relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, disse, ontem, que a operação trouxe um novo padrão “jurídico” e de “natureza ética” e que isso não é suscetível de qualquer retrocesso. A declaração ocorre após o site The Intercept Brasil publicar o conteúdo hackeado de mensagens trocadas pelo então juiz federal Sérgio Moro e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol. As conversas mostrariam que o então magistrado teria orientado investigações da Lava-Jato em mensagens trocadas por meio do aplicativo Telegram.

Essa é a primeira vez que Fachin se manifesta publicamente sobre o tema. “A Lava-Jato é uma realidade, e não acredito que essa realidade venha a ser afastada por qualquer circunstância conjuntural”, frisou. “A operação trouxe um novo padrão normativo, jurídico e também de natureza ética ao Brasil e à administração pública. Tenho confiança plena de que isso não é suscetível de qualquer retrocesso”, emendou o ministro.

Em 25 de junho, a Segunda Turma do STF — colegiado composto por Fachin — deve julgar um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em que o petista acusa o Moro de agir com parcialidade ao condená-lo no caso do triplex do Guarujá.

Em dezembro do ano passado, quando o caso começou a ser discutido pela Segunda Turma, Fachin e a ministra Cármen Lúcia rejeitaram o pedido do petista. Apesar de frustrar a defesa de Lula, o ministro fez uma observação ao fim do voto: “Cumpre consignar que ninguém está acima da lei, especialmente da Constituição: nem administradores nem parlamentares nem mesmo juízes. Procedimentos heterodoxos para atingir finalidade, ainda que legítima, não devem ser beneplacitados”.

A discussão foi interrompida por pedido de vista (mais tempo para análise) de Gilmar Mendes, que deve liberar o processo para julgamento nos próximos dias. Gilmar e o ministro Ricardo Lewandowski ainda não votaram no habeas corpus. Também falta se posicionar o quinto membro do colegiado, o decano do STF, ministro Celso de Mello, que deve ser crucial para a definição do placar, segundo avaliaram integrantes do Supremo ouvidos pela reportagem.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Especialistas defendem apuração

 

 

 

Jorge Vasconcellos

13/06/2019

 

 

 

O destino político do ministro da Justiça, Sérgio Moro, vai depender de eventuais novas divulgações de mensagens trocadas entre ele e interlocutores envolvidos direta ou indiretamente com as investigações da Lava-Jato. Essa é a opinião de especialistas que acompanham a crise deflagrada, no domingo, com a publicação, pelo site The Intercept, de diálogos hackeados do então juiz Moro e de membros do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná.

“Claro que é preciso aguardar novos desdobramentos, mas, hoje, por exemplo, o colunista Reinaldo Azevedo, com o editor do The Intercept, divulgou mais um diálogo comprometedor entre Moro e Deltan Dallagnol, agora citando, inclusive, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal”, disse ao Correio o procurador da República na Bahia Rômulo Andrade.

O procurador se referiu a um diálogo, igualmente hackeado, em que Dallagnol conta a Moro: “Fux disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele rs” (leia reportagem na página 2). Segundo Andrade, aos poucos, a situação do ministro da Justiça vai ficando mais difícil, apesar do forte apoio popular à Lava-Jato. “Moro tem demonstrado, especialmente nos diálogos já divulgados, uma promiscuidade muito grande com o Ministério Público Federal, uma coisa que o juiz não pode fazer; ele não pode combinar estratégia de investigação, isso não existe no processo penal. Isso fere a imparcialidade, compromete, torna o juiz suspeito. E, se o juiz é suspeito, o processo é nulo”, afirmou.

“Na minha opinião, o conteúdo das conversas entre Moro e Dallagnol ainda não pode ser considerado comprometedor, pois demanda uma investigação mais detalhada”, disse a advogada Vera Chemin, consultora da NWADV. “Ademais, é imprescindível que se julgue, com a devida imparcialidade, a origem lícita ou não daquele vazamento. É claro que, independentemente de o vazamento ser ou não legal, as supostas provas de eventuais desvios de conduta têm validade, pois são autônomas, isto é, têm vida própria. Daí a importância da investigação. Por tais razões, a permanência de Moro no Ministério ainda não fere a ética.”

Já o professor Paulo Calmon, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), disse que, embora seja cedo para definir o futuro político de Moro, há indícios de uma conduta inadequada, que pode afetar sua credibilidade. “E há também sinais de que existem outros indícios, que serão revelados mais à frente, envolvendo o juiz e a equipe de procuradores que participou da Operação Lava-Jato”, frisou. “São acusações graves envolvendo agentes públicos importantes e que conduziram a maior operação de combate à corrupção no Brasil, que resultou na prisão de políticos, empresários e um ex-presidente da República. Há, portanto, uma demanda para que sejam dados esclarecimentos adequados por parte do agora ministro.”

O historiador e brasilianista americano James Green, da Brown University, de Rhode Island, declarou que a divulgação dos diálogos demonstra que Moro sempre atuou movido por interesses políticos. “Acho que seu futuro como ministro da Justiça depende, em grande parte, de se o The Intercept divulgará ou não mais documentos incriminatórios, que demonstrem conivência com o promotor em inclinar o caso de Lula e o de outros a favor da condenação”, ressaltou. “Se mais informações condenatórias forem divulgadas na próxima semana, acho que Moro estará desempregado.”

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Senado quer punir abuso de autoridade

13/06/2019

 

 

 

O Senado voltou a discutir, ontem, uma proposta que endurece a Lei de Abuso de Autoridade e que pode atingir o trabalho de investigadores. Na esteira das suspeitas de que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, teria orientado a força-tarefa da Lava Jato, senadores desengavetaram um projeto que trata do assunto e incluíram na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A votação, porém, só deve ocorrer em até duas semanas.

O texto resgata a proposta das “10 medidas contra a corrupção”, originalmente apresentada pela força-tarefa da Lava-Jato, mas que foi desconfigurada na Câmara. Relator do projeto, o líder do DEM no Senado, Rodrigo Pacheco (MG), manteve a redação do que havia sido aprovado pelos deputados em 2016. O pedido para que a medida fosse discutida partiu do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O projeto pune com reclusão de seis meses a dois anos condutas praticadas por autoridades ou agentes públicos “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”. Para se antecipar a críticas do Judiciário ao chamado “crime de hermenêutica”, o relator colocou um dispositivo no texto determinando que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade.

Pacheco, porém, negou que a discussão entrou em pauta em reação ao caso envolvendo Moro. “Não é uma resposta”, disse o líder do DEM. “Esse projeto já estava no forno mesmo para ser apreciado, eu é quem estava um pouco atrasado (com o relatório).”