Título: Constrangimento e ameaças
Autor: Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 12/10/2012, Política, p. 8

Servidores do Congresso reagem à Lei de Acesso à Informação e intimidam quem busca dados sobre salários

A divulgação dos salários dos servidores do Congresso Nacional, de forma nominal, está provocando constrangimentos. Os funcionários do Senado e da Câmara sabem, por meio da intranet, quem acessou o banco de dados para ter acesso aos seus vencimentos. Isso acontece porque o sistema de consulta nas páginas eletrônicas das duas Casas obriga que o cidadão interessado preencha um formulário com nome, CPF, endereço e até CEP. Essa exigência só é feita no Congresso. Nos demais órgãos do Legislativo — como o Tribunal de Contas da União — e em todos os órgãos do Executivo e do Judiciário a consulta é livre e sem necessidade de identificação do interessado nas informações.

Uma taquígrafa do Senado chegou a trocar mensagens ofensivas com um cidadão que consultou o salário dela. Ela perguntou, por e-mail, por que o interesse pelo valor da sua remuneração, falando que era "bisbilhotice" e chamando o interessado de "fofoqueiro". Ele respondeu que apenas estava fiscalizando, como cidadão, os valores gastos pela Casa com pagamento do pessoal e que, pela Lei de Acesso à Informação, ele não precisa explicar o motivo da consulta.

"Esse sistema do Congresso não dá transparência aos gastos e, além de tudo, está criando situações constrangedoras que podem chegar à Justiça. O Brasil tem 9,5 milhões de servidores públicos e as despesas com pagamento chegam a 14% do PIB. Gastamos muito mais com a folha do que com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), por exemplo. Precisamos, de fato, racionalizar essa despesa. Um taquígrafo do Senado ganha muito mais do que um taquígrafo da Justiça Eleitoral. Temos disparidades absurdas nas estruturas de cargos e carreiras. Um professor ganha um salário de fome e um médico em início de carreira, uma remuneração baixa. Enquanto isso, no Congresso, há salários muito superiores em funções menos importantes", resume o secretário-geral da organização não governamental Contas Abertas, Gil Castello Branco.

Segundo ele, Senado e Câmara erraram ao não conscientizar os servidores sobre as mudanças impostas pela Lei de Acesso à Informação. "A única maneira de criticar essas disparidades salariais é vendo quanto ganha cada um, até para fazer uma sugestão de melhoria. Não é para fofocar. Queremos contribuir para uma melhoria no sentido coletivo. Quem estiver preocupado em esconder porque acha que é uma informação privilegiada que deve guardar para si, está equivocado. Quem paga esses salários é a sociedade, somos todos nós", complementa.

Mão dupla A assessoria de imprensa do Senado admite que o servidor da Casa que tem os seus dados acessados é informado, em sua página pessoal na intranet, quem teve acesso às informações. "Com isso, o Senado cumpre a lei e cuida de dar igual direito a pesquisadores e pesquisados. Se um cidadão pode buscar informação pessoal sobre outro é direito deste outro cidadão também saber quem é esse interessado", justifica.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Nilton Paixão, pensa de maneira semelhante: "Como uma pessoa pode ter acesso a um dado pessoal seu e você não pode saber o meu? Se eu entrar com um pedido com base na Lei de Acesso à Informação para saber quem acessou os meus dados, eu posso? A transparência á uma via de mão dupla, não única, e tem de valer em todos os sentidos".

"Quem estiver preocupado em esconder porque acha que é uma informação privilegiada que deve guardar para si, está equivocado. Quem paga esses salários é a sociedade, somos todos nós" Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas