O globo, n.31395, 22/07/2019. Sociedade, p. 19

 

Hepatite viral 

Flavia Martin

22/07/2019

 

 

Dados do boletim epidemiológico que o Ministério da Saúde divulga hoje mostram que o número total de casos de hepatites virais no país aumentou 20% nos últimos dez anos. As notificações pularam de 35.370, em 2008, para 42.383, em 2018.

A alta nas taxas, dizem especialistas, se deve ao aumento nos diagnósticos, sobretudo de hepatite C, tipo da doença que, por não apresentar sintomas, é de difícil detecção. Desde 2011, no entanto, o Ministério da Saúde distribui para os estados e municípios testes rápidos de hepatite B e C.

O próprio governo estima que 500 mil brasileiros estejam infectados atualmente pelo vírus do tipo C sem saber. Há dois anos, o país assumiu com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o compromisso de eliminar a hepatite C até 2030.

Segundo Lia Lewis, chefe do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz,quanto maior o número de diagnósticos, maiores as chances de eliminar o vírus.

— Antes, os testes eram feitos apenas por indicação para determinados grupos de risco. Agora, já é pedido em exames de rotina. Mas as nossas notificações ainda são baixas, precisamos procurar mais — diz a médica e pesquisadora.

Ainda segundo informações do boletim, 70.671 brasileiros morreram de 2000 a 2017 de causas associadas à hepatite, sendo 76% dos óbitos relacionados ao tipo C, o mais letal e para o qual não existe vacinação.

— O tempo entre a infecção e o surgimento de um sintoma, como uma cirrose, por exemplo, é, em média, de 20 a 25 anos. É por isso que a principal causa de transplantes de fígado agora é em decorrência da hepatite C —explica Celso Granato, infectologista do Grupo Fleury.

TRATAMENTO VIA SUS

Junto com o raio-X da doença pelo país, o ministério anunciou ainda ter como meta ampliar o tratamento da hepatite C via SUS para 50 mil pessoas em 2019 — no ano passado, 24 mil receberam os remédios.

Atualmente, o tratamento contra hepatite C é feito a partir da combinação de remédios, que são tomados uma vez ao dia durante um período que pode variar de três aseis meses, dependendo do paciente. Segundo o governo, o tratamento, que já custou ao SUS cerca de US$ 10 mil por paciente, agora sairá por US$ 1.232,81 cada ciclo.

Ao menos dois medicamento sutilizados na terapia contra a hepatite C são alvos de disputas porque brade patentes para a produção de genéricos, com o objetivo de baratear os preços: o sofosbuvir e o daclatasvir, fabricados, respectivamente, pela Gilead e pela Bristol-Myers Squibb (BMS).

Para Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, a estratégia anunciada pelo governo peca por não insistir na quebra dessas patentes.

—Para nós, atingir o acesso universal ao tratamento passa necessariamente pela quebra de patentes dos antivirais de ação direta e consolidação de um mercado em que exista concorrência —afirmou. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu aos pedidos da reportagem.

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Pesquisa de qualidade é cara 

Antônio Gois 

22/07/2019

 

 

O custo por aluno na USP —maior universidade pública do país em número de alunos e de produção científica—foi de R$ 53 mil/ano em 2017, considerando os estudantes da graduação e pós-graduação e excluindo gastos com inativos e hospitais. É um valor significativo, mas muito menos do que gastam, pelos mesmos critérios, universidades de ponta no mundo,

de acordo com dados publicados na edição deste mês da revista da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo).

Outras duas estaduais paulistas —Unicamp (R$ 57 mil) e Unesp (R$ 39 mil)— também foram comparadas a 21 instituições públicas e privadas de alto nível no Reino Unido e EUA, numa análise que considerou o poder de paridade de compra de cada moeda na conversão para reais.

Os maiores valores foram registados no MIT (R$ 638 mil), em Stanford (R$ 617 mil) e em Princeton (518 mil). Em Harvard, também uma universidade privada de elite, esse valor é de R$ 328 mil. Nas públicas americanas listadas, o valor por aluno variou de R$ 105 mil em Marylanda R$236 mil na Universidade da Califórnia. Nas três públicas inglesas, os valores foram R $321 mil em Oxford, R $244 mil em Cambridge e R $151 mil no Imperial College.

Além do fato principal de não sermos um país rico, uma das explicações para esse abismo é que a USP tem um número significativo de alunos de graduação: eram 59 mil matrículas em 2017, além de outras 30 mil na pós. É, portanto, uma instituição com foco na pesquisa, mas, ao mesmo tempo, com importante papel na oferta de vagas, algo que ocorre também com as federais de grande porte no Brasil. Em Harvard, por exemplo, o número de estudantes de graduação é de apenas 10 mil (na pós, são 21 mil).

O investimento em pesquisa de qualidade é essencial para o desenvolvimento do país, mas custa caro. E, mesmo em países ricos, é o governo, e não a iniciativa privada, o principal financiador. A participação estatal chega a 60% nos EUA e a 77% na Europa, segundo dados divulgados pelo Jornal da USP.

Mesmo universidades privadas de elite recebem substanciais recursos públicos. Um relatório divulga doem 2017 pela organização Open The Books, dedicada a aumentara transparência dos gastos públicos nos EUA, revelou que as oito universidades privadas de elite que compõem a chamada Ivy League (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale) receberam entre 2010 e 2015 um total de US$ 42 bilhões do governo federal, na forma de investimento em pesquisas ou renúncias fiscais.

Convertendo o dólar para o real pelo câmbio simples, foram R$ 157 bilhões, ou R$ 26 bilhões por ano, que o governo americano destinou a apenas oito instituições privadas. Para efeito de comparação, o orçamento inteiro do MEC para todas as universidades federais é de R$ 35,5 bilhões neste ano.

Na semana passada, o governo federal apresentou uma proposta para modernizar a gestão das federais e estimular parcerias com o setor privado. Como esperado, parte dos especialistas criticou o projeto por enxergar nele um caminho para a privatização da Educação pública, enquanto outros viram aspectos positivos na tentativa de melhorar a eficiência da gestão e ampliar a captação de recursos fora do setor público.

São visões de mundo distintas, o que faz parte da democracia. Ampliar as fontes de financiamento de universidades públicas facilitando o investimento privado não é, em si, um problema. O risco é achar que isso será capaz de substituir o necessário investimento público no setor, num país em que mais de 90% da pesquisa acadêmica é feita em instituições do Estado.