O globo, n.31393, 20/07/2019. País, p. 06

 

Toffoli pretende antecipar julgamento sobre Coaf 

Jailton de Carvalho 

20/07/2019

 

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, pretende levar ao plenário da Corte antes do previsto o julgamento da ação relativa ao compartilhamento de dados entre órgãos de controle e de investigação. Pelo cronograma já divulgado, a questão seria apreciada em novembro, mas, como o tema tem suscitado polêmica, Toffoli vai conversar depois do recesso de julho com ministros da Corte sobre a possível antecipação. Ainda não está definido se o caso entraria em pauta já em agosto. O presidente do STF entende que existem outros temas também relevantes aguardando julgamento que devem ser decididos logo. Em entrevista ao GLOBO, o ministro disse que há uma reação exagerada à decisão de suspender investigações iniciadas a partir do compartilhamento detalhado de dados sigilosos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) e da Receita Federal, sem autorização prévia da Justiça. Para Toffoli, não é verdade que a decisão dele resultará na paralisação de todas as investigações sobre movimentações financeiras suspeitas. — As investigações que tiveram início com relatório global podem continuar. As outras (iniciadas com relatórios detalhados) estão suspensas até a decisão na repercussão geral —disse. Em 2016, o STF decidiu, por nove votos a dois, autorizar bancos a repassar dados de clientes à Receita Federal sem autorização judicial prévia. O julgamento reforçou um entendimento de que órgãos de controle também poderiam compartilhar com polícia e Ministério Público dados globais sobre pessoas com movimentação financeira fora do padrão. Mas só poderiam ser repassadas informações gerais, ou seja, nomes e valores globais sob suspeita. Os relatórios não poderiam conter detalhes como origem e destinatário dos recursos. Depois dessa primeira decisão do STF, órgãos de controle teriam passado a emitir relatórios de forma sistemática e, em alguns casos, com informações detalhadas sobre possíveis alvos. Para Toffoli, estaria havendo aí a quebra de sigilo sem autorização judicial. Ou seja, seria uma quebra de sigilo à revelia da Justiça de pessoas não formalmente investigadas. — Fazer investigação sem supervisão judicial é desrespeitar o Estado Democrático de Direito, é desrespeitar a Constituição. É fascista, no sentido de autoritário, o Estado que não garante ao cidadão o direito à privacidade, à intimidade —afirma. Um outro ministro do STF ouvido pelo GLOBO sobre o assunto bate na mesma tecla do presidente do Tribunal. Para ele, o compartilhamento de relatórios globais, em vez de dados detalhados, não resultará em prejuízo para qualquer investigação. O argumento é que, com base nos dados globais, investigadores podem pedir à Justiça autorizar para quebra dos sigilos.

DEFESAS JÁ PEDEM REVISÃO

Ontem, advogados de ao menos três réus da operação Lava-Jato no Rio acionaram a Justiça Federal para pedir, com base na decisão de Toffoli, a revisão dos casos de seus clientes, de acordo com o G1. Entre eles está Leonardo Mendonça Andrade, assessor parlamentar acusado de ser operador financeiro do deputado estadual Marcos Abrahão (PTdoB-RJ). Em outro caso, ao menos um dos 56 presos durante as operações Oceano Branco e Contentor da PF também pediu à Justiça a paralisação das investigações a partir da decisão de Toffoli. As operações desbarataram, em 2017, um esquema de tráfico internacional, após apreender dez toneladas de cocaína no Brasil e na Europa. Anteontem, a PF suspendeu todas as investigações baseadas em informações de órgão de controle, sem prévia autorização de um juiz, para evitar nulidades. Outros casos de grande repercussão podem ser impactados. No MP do Rio, para além da investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro por suspeita de desvio de dinheiro público de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, a decisão pode impactar 38 apurações abertas em 2019 e casos antigos. Entre eles, o que da mulher do traficante Nem da Rocinha, Danúbia de Souza Rangel. Informações compiladas pelo Coaf também foram usadas na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. (Colaboraram Bruno Abbud e Vinicius Sassine).

CASOS QUE PODEM SER IMPACTADOS

- Lava-Jato no Rio

Ao menos três réus da operação, entre eles um assessor acusado de ser operador financeiro do deputado estadual Marcos Abrahão (PTdoB-RJ), pediram revisão de seus casos à Justiça.

- Oceano Branco e Contentor

Ao menos um dos 56 presos nas operações da PF, que, em outubro de 2017, desbarataram um esquema de tráfico internacional, já pediu à Justiça a paralisação das investigações em curso.

- Assassinato de Marielle Franco

Informações compiladas pelo Coaf levaram, em março, à apreensão de bens do sargento reformado da PM Ronie Lessa, apontado pelo MP como autor do assassinato da vereadora do PSOL.

- Mulher de Nem da Rocinha

A investigação que levou à denúncia contra Danúbia de Souza Rangel, mulher do traficante partiu de relatórios do Coaf que apontaram movimentações atípicas nas contas dos envolvidos.

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Delegado ligado a ruralista assume comando da Funai 

Vinicius Sassine 

20/07/2019

 

 

O governo do presidente Jair Bolsonaro nomeou ontem o delegado da Polícia Federal (PF) Marcelo Augusto Xavier da Silva como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). O delegado é ligado aos ruralistas, a favor da exploração de mineração em terras indígenas e já atuou contra grupos de indígenas quando foi ouvidor da Funai. Xavier exerceu o cargo de assessor especial de Carlos Marun, um dos principais ministros do governo Michel Temer, e já passou pelo governo Bolsonaro, como assessor do secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz

Nabhan Garcia, presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR). O cargo estava vago desde a demissão do general da reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, em junho, por pressão da bancada ruralista. A nomeação de Xavier ocorreu mesmo com a forte oposição na Funai, por parte do corpo técnico. O ato foi assinado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e publicado ontem no Diário Oficial da União. A Funai voltou para a aba do Ministério da Justiça, por decisão do Congresso. O órgão segue responsável por processos de demarcação de terras indígenas, por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Uma reportagem publicada pelo GLOBO no último dia 10 revelou que o novo presidente da Funai detém relatórios com quebras de sigilo bancário de organizações não governamentais (ONGs) que atuam em defesa de populações indígenas. Essas ONGs são tratadas como inimigas por Bolsonaro. Em pelo menos um caso de uma dessas organizações, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Xavier tem em seu poder informações de perícia da PF com detalhamento sobre movimentação financeira mês a mês na ONG. Os relatórios incluem repasses de recursos públicos federais, valores sacados das contas bancárias e recebimentos de recursos do exterior. A perícia da PF foi feita a partir de quebra de sigilo bancário determinada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, que investigou em 2017 a atuação do órgão e também do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A CPI foi uma iniciativa da bancada ruralista. O delegado Xavier atuou na assessoria a parlamentares ruralistas. O relatório final da CPI pediu o indiciamento de 67 pessoas, entre lideranças comunitárias, representantes de ONGs, antropólogos e servidores. O mesmo documento propôs a revisão de demarcações de terras indígenas — bandeira do governo. Os documentos em poder do delegado mostram, por exemplo, a existência de 330 operações de transferência de recursos do exterior para as contas bancárias do CTI, de 39 remetentes diferentes, no período correspondente à quebra de sigilo — 2004 a 2016. Os créditos identificados somam R$ 36,7 milhões — R$ 58,2 milhões em valores corrigidos. A perícia não detalha irregularidades nas contas da ONG, a não ser uma “omissão de informações à Receita Federal”.

O novo presidente da Funai já ocupou o cargo de ouvidor do órgão em 2008. Foi demitido após solicitar que policiais investigassem “invasões” de indígenas em áreas que reivindicam em Mato Grosso do Sul.