Título: Cada vez mais tenso
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 12/10/2012, Mundo, p. 16

Turquia revela que avião interceptado transportava munição russa para Damasco, que denuncia "pirataria". Moscou cobra explicações

A interceptação de um Airbus A-320, da companhia Syrian Air, pelas autoridades turcas envolveu Moscou na grave crise diplomática entre Damasco e Ancara e ameaça espalhar o conflito pela região. O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, assegurou que o avião comercial sírio — com 37 passageiros, incluindo 17 russos — transportava um carregamento de munições. "Está claro o remetente do material e está claro quem o recebe. Foi enviado por uma instituição russa, uma empresa que exporta armas e munição", afirmou o premiê, em pronunciamento transmitido pela emissora de tevê turca NTV. "O receptor do material é o Ministério da Defesa (sírio); vocês podem adivinhar que tipo de material é", acrescentou. "Aviões de passageiros não podem carregar munições e equipamentos de defesa. Infelizmente, havia tal material a bordo", concluiu o chefe de governo. Ele se negou a fornecer detalhes e assegurou que a carga confiscada está sendo estudada "meticulosamente" pelo governo.

Na noite de quarta-feira, dois caças turcos F-16 forçaram o A-320 a aterrissar no Aeroporto de Esenboga, em Ancara. As autoridades haviam recebido informações de inteligência a respeito do envio de armas e de munições para a Síria. As relações entre os governos de Bashar Al-Assad e de Erdogan sofreram um grave revés depois que morteiros sírios mataram cinco civis na cidade turca de Akçakale, no último dia 3. Não está claro se a encomenda apreendida no avião de passageiros tinha como remetente o Kremlin.

Damasco garantiu que a carga era legal, classificou a intervenção de Ancara de "ato de pirataria aérea" e chamou Erdogan de mentiroso. "O primeiro-ministro turco continua com uma série de declarações mentirosas, com o objetivo de justificar o comportamento hostil de seu governo em relação à Síria", afirmou a chancelaria síria, por meio de um comunicado, no qual reiterou que não havia armas no voo. Por sua vez, os russos cobraram explicações dos turcos, sob a alegação de que a vida dos passageiros teria sido colocada em risco. O governo norte-americano expressou sua solidariedade para com a Turquia. "Apoiamos energicamente a decisão do governo turco de inspecionar a aeronave. (...) A transferência de qualquer equipamento militar ao regime sírio neste momento é muito preocupante", declarou Victoria Nuland, porta-voz do Departamento de Estado.

Guerra étnica

O turco de etnia curda Janroj Keles, especialista em Turquia e professor da Universidade Metropolitana de Londres, adverte que o conflito sírio já ganhou contornos regionais. "Ele causará uma longa e amarga guerra étnica (árabes, curdos e turcos) e religiosa (sunitas e xiitas) na Síria, mas também no Líbano, na Jordânia, na Turquia e no Iraque. A situação não será resolvida a curto prazo", afirmou ao Correio, por e-mail. O analista Keles considera que a interceptação do Airbus A-320 pela Turquia demonstra que o país tomou a crucial decisão de se envolver no conflito. "Por conhecer a tradicional política externa turca, eu acredito que Ancara obteve ajuda dos Estados Unidos e de outros países ocidentais a auxiliaram nessa resolução. Parece que o governo turco se sente numa posição poderosa para fazer fortes suposições de que o espaço aéreo sírio não é mais seguro", explica. Ele alerta que tal decisão vai desestabilizar as relações entre a Turquia, o Irã e o Iraque, além de forçar sua política em relação a Ancara.

Morador de Aleppo, o cristão Edward (nome fictício) conversou com o Correio e disse duvidar da presença de armas no A-320. "Se os russos quisessem enviar munições para Damasco, usariam embarcações militares, através do porto de Tartus. Isso é uma jogada publicitária da Turquia para justificar o aumento da tensão com a Síria. Não me parece uma estratégia clara", criticou.