Correio braziliense, n. 20476, 13/06/2019. Política, p. 4

 

Freio na liberação de armas

Luiz Calcagno

13/06/2019

 

 

Poder » Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprova a suspensão do decreto do presidente Jair Bolsonaro que facilita o acesso da população a armas de fogo. Mas a medida ainda tem que passar pelo plenário da Casa e pela Câmara dos Deputados

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou ontem a suspensão do decreto do presidente Jair Bolsonaro que facilita o acesso a armas pela população. A derrota sofrida pelo governo, porém, foi apenas a primeira batalha. O Projeto de Decreto Legislativo (PLD) nº 233/2019, que derruba a medida assinada por Bolsonaro, ainda terá que passar por votação no plenário, o que só ocorrerá na próxima terça-feira, em regime de urgência. Se aprovado, será encaminhado para análise da Câmara dos Deputados.

Enquanto o PLD não superar todas as etapas, a decisão de Bolsonaro continuará valendo. O decreto presidencial é visto por muitos parlamentares como inconstitucional e, por possibilitar o aumento do número de armas nas ruas, perigoso. Do ponto de vista legal, argumentam, ele tira do Congresso a prerrogativa do debate sobre o tema, exorbitando as funções específicas dos poderes.

Se houve consenso para manter a urgência do projeto, e adiar a votação no plenário para terça-feira, os parlamentares se exaltaram ontem na CCJ. A presidente da comissão, Simone Tebet (MDB-MS) chegou a interromper um discurso para chamar a atenção dos presentes e dizer que não toleraria as manifestações.

Os senadores favoráveis ao PDL apoiaram seus argumentos, em parte, no Atlas da Violência, divulgado na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento mostrou que, em 2017, 65,6 mil pessoas morreram assassinadas no país, sendo que 47,5 mil, mais de 72%, foram vítimas de armas de fogo.

Autor do PDL, o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), apontou para a inconsistência do decreto presidencial. “Quem está falando da inconstitucionalidade e da exorbitância do decreto é a consultoria técnica da casa. Ela aponta inconstitucionalidade e, por nove vezes, diz que o decreto extrapolou o poder regulamentar. O presidente quis animar sua base social”, atacou. “O presidente não pode resolver isso por decreto. Ele que nos mande um projeto de lei. Está na Constituição: segurança pública é direito de todos, e dever do Estado.”

Ataques ao Supremo

O Senador Fabiano Contrato (Rede-ES) argumentou que o decreto fere a Constituição e o Estatuto do Desarmamento, que é uma lei federal. “Um decreto presidencial não pode violar uma lei federal. Trata-se de uma ação populista, imediatista, que transfere a responsabilidade do Poder Executivo de pacificação, armando a população”, criticou. A fala que causou maior alvoroço foi a do líder do PSL, senador Major Olímpio (SP), que afirmou que “Deus é contra as armas, mas está do lado de quem atira melhor”. Em seguida, afirmou que criminosos festejariam o resultado da CCJ.

“O que estamos discutindo, primeiro, é a invasão de competência, está mais que demonstrado que não há. Soberania? O STF defeca na nossa cabeça todos os dias. Hoje, vai cair o decreto e vai ser festa na quebrada, nas facções. Só vai piorar para o cidadão. Parabéns, quem está ganhando com isso é o mundo do crime”, completou Major Olímpio.

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), por sua vez, foi irônico. “Parece que estamos em um paraíso de segurança pública. Os governos desrespeitaram as urnas do referendo e impediram cidadãos de ter acesso a arma de fogo”, afirmou, fazendo referência ao referendo de 2005, no qual 63% dos brasileiros votaram a favor do comércio de armas de fogo.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), contra-argumentou. “O Estatuto do Desarmamento reduziu o número de homicídios. No país, em 30% dos latrocínios, as vítimas são profissionais de segurança que tentaram reagir. Nos Estados Unidos, de 100 que matam, 60 vão pra cadeia. No Brasil, são cinco. Não temos como comparar. A arma é indicativo forte para termos mais violência.  O Brasil mata mais que a Síria. Mais armas nas mãos de brasileiros será mecanismo fácil para mais armas nas mãos de bandidos”, disse.

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Governo sofre derrota no STF

 

 

 

 

 

Renato Souza

Augusto Fernades

13/06/2019

 

 

 

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, ontem, pela inconstitucionalidade de parte do decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro que extingue conselhos e colegiados de todo o país. Os magistrados devem avaliar, na sessão de hoje, qual será a amplitude da decisão. Os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Alexandre de Moraes votaram para que apenas conselhos que tenham sido criados por lei sejam mantidos fora do decreto. No entanto, outros quatro ministros — Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso — entendem que o Executivo não pode abolir, por decreto, nenhum tipo de conselho.

Essa é a primeira vez que a Corte analisa um ato do governo Bolsonaro. A derrota do Executivo já está evidenciada, embora ainde faltem os votos de Dias Toffoli e de Gilmar Mendes. O decreto foi publicado por Bolsonaro quando comemorou 100 dias de governo, em abril. Ele estabeleleceu que, a partir de 28 de junho, seriam extintos quaisquer conselhos, comitês, comissões, salas, fóruns e outras denominações dadas a colegiados.

O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli . O tema foi levado ao Supremo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), por meio de ação direta de inconstitucionalidade. O PT sustenta que a criação e extinção de órgãos da administração pública é matéria exclusiva de lei, de iniciativa do Congresso Nacional, e que a incerteza a respeito dos colegiados representa violação ao princípio da segurança jurídica. Além disso, o partido alega ofensa aos princípios republicano, democrático e da participação popular.

O primeiro ministro a votar foi Marco Aurélio Melo, relator da ação. Segundo ele, ao assinar o decreto, Bolsonaro quis “escantear o Legislativo de tal processo”. “Os fins não justificam os meios. A louvável preocupação com a racionalização do funcionamento da máquina pública e a economia dos recursos públicos não legitima atropelos, atalhos à margem do figurino legal”, declarou.

Marco Aurélio afirmou que é necessário garantir a participação popular nas políticas de Estado. “Ante o cenário descrito, a conclusão constitucionalmente mais adequada em sede precária e efêmera consiste em suspender, até o exame definitivo da controvérsia, a extinção por ato unilateral editado pelo chefe do Executivo de órgão colegiado que, contando com assento legal em lei, viabilize a participação popular na condução das políticas públicas, mesmo quando ausente na lei, expressa indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”, argumentou.

O ministro Luís Roberto Barroso criticou a extinção irrestrita dos conselhos, sem avaliar a importância de cada um para a participação popular na criação de políticas públicas. “Acho que o presidente não só pode como deve extinguir conselhos desnecessários, onerosos, inoperantes, ineficazes, mas extinguir todos, inclusive os que têm papel fundamental para atingir os desnecessários é uma medida excessiva e que vulnera esta dimensão, a meu ver, do mandamento da proporcionalidade”, disse.