O Estado de São Paulo, n. 45922, 11/07/2019. Economia, p. B5

 

Policiais devem conseguir regras mais brandas

Mariana Haubert

Camila Turtelli

11/07/2019

 

 

NOVA APOSENTADORIA / Segundo ministro da Casa Civil, há acordo entre os parlamentares para mudar os parâmetros para os policiais e para as mulheres

Metros. Segundo Psol, folhas estendidas tinham ‘milhões’ de assinaturas contra a reforma

Para concluir a votação da reforma da Previdência na Câmara, deputados ainda vão analisar, em sessão marcada para esta quinta-feira, os chamados destaques, que são propostas para alterar o texto principal, aprovado ontem por 379 votos a favor e 131 contrários.

De acordo com o ministrochefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, havia acordo para que os deputados aceitassem a alteração em apenas dois pontos da proposta: suavizar regras para os policiais e modificar a norma para o cálculo de aposentadoria de mulheres. Caso sejam aprovados, a economia deve ser reduzida em quase R$ 30 bilhões em dez anos.

Depois do empenho pessoal do presidente Jair Bolsonaro para abrandar as regras dos policiais, o governo construiu um acordo com integrantes da bancada da bala, parlamentares que se elegeram com a bandeira da segurança pública, para mudar as regras dos policiais federais, rodoviários federais e legislativos em relação ao que foi proposto no texto principal.

Da forma como foi aprovado no plenário (sem a modificação do destaque), os policiais têm de trabalhar até os 55 anos (homens e mulheres) para ter direito à aposentadoria, com 30 anos de contribuição, sendo 25 no exercício efetivo da carreira.

O acordo prevê que a idade caia para 53 anos para homens e 52 para mulheres. Mas foi incluído um pedágio de 100%, que se refere ao tempo que o policial terá de trabalhar a mais do que falta para se aposentar para obter as chamadas integralidade (se aposentar com o último salário da ativa) e paridade (que é ter os mesmos reajustes dos servidores da ativa).

O PSL, partido do presidente apresentou dois destaques para viabilizar o acordo. Segundo Lorenzoni, a mudança para os policiais retira cerca de R$ 1 bilhão da economia prevista em dez anos.

Mulheres. Há também o destaque apresentado em um acordo com integrantes da bancada feminina, para mudar o cálculo da aposentadoria para as mulheres. A mudança é para ajustar o cálculo da aposentadoria das mulheres para permitir que elas possam ter direito a 60% do valor do benefício a partir de 15 anos de contribuição. A partir daí, elas poderão receber 2 pontos porcentuais a cada ano a mais na ativa.

Da forma como está no texto-base, elas teriam direito a 60% do benefício a partir dos 15 anos de contribuição. No entanto, só receberiam os 2 pontos porcentuais a mais por ano após os 20 anos de contribuição. Ou seja, o valor do benefício seria igual dos 15 anos aos 20 anos de contribuição.

De acordo o ministro-chefe da Casa Civil, essa mudança vai retirar R$ 26 bilhões da economia esperada em dez anos.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que os próximos dias serão ainda de negociações para que haja compensações no texto diante das alterações já acordadas.

De acordo com Marinho, a ideia é que, ao final, o impacto seja nulo “ou próximo a nulo”. “Todas as tratativas que antecederam o desfecho no primeiro turno sempre levaram em consideração a necessidade de compensações. Estamos preocupados com o impacto fiscal porque sabemos da responsabilidade que temos para com o País. Essa responsabilidade foi compartilhada com todos os parlamentares que conversaram conosco”, disse Marinho.

O secretário afirmou que o impacto dos destaques e as devidas compensações só serão anunciados após a votação do texto em segundo turno.

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A reforma possível

José Roberto Ferreira Savoia

11/07/2019

 

 

Após muitas negociações entre governo e base aliada e de várias medidas protelatórias por parte da oposição, finalmente foi votado o relatório principal da reforma da Previdência. Foram 379 votos a favor do projeto do relator e 131 contrários, resultado expressivo em relação aos 308 votos necessários à aprovação.

O resultado sinaliza economia da ordem de R$900 bilhões em dez anos e a caminhada em direção ao equilíbrio das contas públicas. A expectativa da aprovação impulsionou a Bolsa de Valores e valorizou o real ao longo do dia, restabelecendo otimismo entre empresários e investidores. O Brasil voltou ao jogo.

Além dos números, a aprovação marca mudanças fundamentais na percepção do Congresso, em boa parte renovado nas últimas eleições. Promoveu-se a desarticulação de privilégios históricos de categorias de trabalhadores e foram instituídas as bases para a redução das desigualdades entre o setor público e privado. Na fala do

presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi reiterada a urgência da reforma do Estado, a despeito das diferentes visões dos grupos ali representados.

No entanto, a mais profunda alteração é o amadurecimento da sociedade brasileira, que compreendeu a necessidade de ajustar o bem-estar de aposentados e pensionistas ao aumento da expectativa de vida e às condições econômicas, conforme mostraram pesquisas de apoio à reforma em todo o País.

Agora teremos uma segunda rodada de votação na Câmara e, posteriormente, o encaminhamento ao Senado, onde o clima é até mais favorável ao governo. Bom seria estender aos funcionários públicos de Estados e municípios as regras hoje aprovadas aos servidores da União. Os auspícios são favoráveis e não se pode reclamar do resultado. A melhor reforma é aquela possível. Assim, poderemos avançar aos demais temas de interesse nacional. O País andou!

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Entrevista - Felipe Salto: 'Em 5 ou 10 anos teremos de fazer nova reforma'

Renée Pereira

11/07/2019

 

 

Salto diz que aprovação é positiva e trará benefícios para o País, mas critica retirada de revisão da idade mínima por sobrevida

‘Em 5 ou 10 anos teremos de fazer nova reforma’

Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI)

Apesar das mudanças significativas na proposta original, que reduziram o efeito fiscal previsto inicialmente, o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, Felipe Salto, entende que a aprovação da reforma foi um passo importante. De acordo com a última nota técnica do IFI, a economia que o País terá com a reforma será de R$ 744 bilhões – bem distante daquela prevista inicialmente pelo governo de R$ 1,2 trilhão. Por esses fatores, Salto afirma que, sozinha, a reforma não resolverá os problemas das contas públicas. “Em paralelo a Previdência, é preciso abrir uma avenida de ajustes que podem ser feitos na questão fiscal”, diz ele, que publicou nos últimos meses 15 trabalhos sobre o assunto pelo IFI.

Qual será o efeito fiscal da reforma?

Pelos nossos cálculos, o efeito das mudanças vai provocar uma desidratação de R$ 281 bilhões, totalizando uma economia de R$ 744 bilhões. No caso das aposentadorias por idade, houve queda de R$ 143,4 bilhões para R$ 91,7 bilhões; nas aposentadorias por tempo de contribuição, de R$ 352,2 bilhões para R$ 300,4 bilhões. Esses dois efeitos ocorreram porque o governo criou uma nova regra de transição para o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), que são os servidores, e essa regra foi estendida para o regime geral. No RPPS, o cálculo inicial era de economia de R$ 152,7 bilhões e caiu para R$ 84,6 bilhões. Teve ainda a retirada da aposentadoria rural, cuja economia seria de R$ 50 bilhões e agora é zero.

Qual sua principal crítica em relação ao texto aprovado?

Uma preocupação que tenho é a correção da idade mínima ao longo do tempo. Na PEC (proposta de emenda constitucional) original, havia uma previsão de que a idade mínima ia ser corrigida pela chamada sobrevida. No Brasil, essa sobrevida cresceu e vai continuar aumentando por que há uma série de fatores que tem permitindo que as pessoas vivam mais. O ideal seria que a regra de idade mínima tivesse dentro dela embutida uma correção por essa sobrevida. Com o substitutivo, isso caiu. Isso vai gerar a necessidade de uma nova reforma daqui a no mínimo 5 e no máximo dez anos. A questão central é que a não correção da idade mínima pode impor um custo muito cedo do ponto de vista político. Outro equívoco foi a retirada de Estados e municípios da reforma. Deixouse de aproveitar uma oportunidade para resolver ou ajudar a resolver a questão fiscal no âmbito regional.

Qual o reflexo dessa reforma?

Apesar de entender que os números do governo estejam um pouco superestimados, há uma boa calibragem. A tendência é que a reforma ajude as contas públicas a ficarem mais sustentáveis, mas ela sozinha não é suficiente. De qualquer forma, foi positiva e pode ajudar a endereçar a questão fiscal. Até porque a Previdência tem efeitos secundários. A aprovação vai ajudar a reduzir o custo médio de financiamento da dívida pública e vai destravar uma série de fluxos de investimentos. Vai haver espaço para que a taxa de juros, que já está baixa, possa cair mais ou começar a aparecer na economia. Porque aí as pessoas vão reagir em termos de consumo e investimentos.

Mas o sr. disse que a reforma sozinha não é suficiente.

Sim. Em paralelo à Previdência é preciso abrir uma avenida de ajustes que podem ser feitos na questão fiscal, inclusive a discussão da questão de pessoal no serviço público. O que é o problema previdenciário? Antes de tudo é um problema salarial. Se você paga benefícios altos e tem regras de cálculo de benefícios que são muito vantajosos você vai ter uma despesa previdenciária que vai crescer. É preciso ter equilíbrio entre duas coisas: a necessidade de ter uma burocracia qualificada e bem paga e o equilíbrio fiscal. Demos pouca atenção a esse segundo ponto nos últimos anos. Somos pródigo em criar regras fiscais, mas não tão pródigos em cumprir as regras fiscais.

Como a reforma vai destravar o fluxo de investimentos?

Em economia, as coisas funcionam a base de expectativas. Um exemplo: por que a forte redução da taxa de juros de outubro de 2016 até hoje ainda não gerou reação da demanda? Provavelmente as expectativas explicam parte disso. Há um certo nevoeiro, um cenário turvo, que só vai se dissipar quando houver sinalização de ações claras na direção do ajuste fiscal. O ajuste não é condição necessária, mas é uma precondição para que o País possa discutir o crescimento econômico. A nossa taxa de crescimento é muito baixa. Então o desafio é crescer, mas para crescer é preciso organizar as contas do governo. Organizando as contas do governo, ele vai ser visto como bom pagador e os juros diminuem. Aí a dívida pode ter condições de sustentabilidade muito melhores. Dívida é uma coisa boa desde que você seja um bom pagador.