O globo, n.31391, 18/07/2019. País, p. 06

 

Decisão pode resultar em punição internacional 

Vinicius Sassine 

Juliana Dal Piva 

18/07/2019

 

 

Controle. Reunião plenária do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo

O Brasil pode ser punido internacionalmente em razão da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender processos judiciais que utilizam dados bancários compartilhados sem autorização prévia da Justiça. É essa a interpretação de integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que vêm acompanhando de perto os efeitos da decisão de Toffoli, proferida em resposta a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). A possibilidade de punição, inclusive, é discutida no gabinete da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e pode ser mencionada em eventual contestação da procuradora-geral à decisão do presidente do STF.

O efeito negativo na economia é um dos principais riscos. O pesquisador Guilherme France, do Centro de Justiça e Sociedade do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas Direito, no Rio de Janeiro explica que o compartilhamento dos dados sem prévia autorização judicial é uma norma editada pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), que reúne 35 países.

— O Gafi tem uma lista de países que não cumprem as normas. A inclusão nessa lista gera impactos graves para a economia desse país. Mas, antes mesmo, o Gafi faz pronunciamentos públicos dizendo que o país não está cumprindo e o mercado financeiro interpreta como uma nação que está com vulnerabilidade no sistema financeiro — analisa o pesquisador.

A participação brasileira ocorre principalmente por meio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), um órgão que existe há duas décadas exatamente para atuar no controle de lavagem de dinheiro. O Coaf foi diretamente impactado pela decisão de Toffoli.France acrescenta que as agências de classificação de risco como Standard & Poor’s (S&P), Fitch e Moody’s usam o cumprimento das normas editadas pelo Gafi para emitir as notas dos países.

—Se o Gafi o fizer uma declaração pública criticando essa decisão (do ministro Toffoli), isso pode ser levado em consideração pelas agências de rating e prejudicar a retomada do crescimento brasileiro. Acredito que o ministério da Economia pode se preocupar com o impacto dessa decisão — afirmou France.

O Gafi foi criado em 1989 e é uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro. No início, o foco principal era sufocar as organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Depois do atentado de 11 de setembro nos EUA, o grupo também voltou esforços contra o terrorismo internacional.

Em fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, esteve em uma reunião do grupo em Paris, onde fica a sede do Gafi junto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE).

PREOCUPAÇÃO ANTIGA

O pesquisador Guilherme France explica ainda que a lei antiterrorismo no Brasil foi editada em 2015 também a partir de uma pressão de instituições econômicas quando a situação financeira do país já dava sinais de problemas. Segundo ele, na ocasião, o então ministro da economia, Joaquim Levy, apoiou a medida que enfrentava resistência de setores do PT, tentando se antecipar à perda da nota de grau de investimento que, à época, o Brasil tinha. Em setembro daquele ano, porém, a S&P foi primeira a tirar o selo de bom pagador do Brasil. Em seguida, a Fitch e Moody’s, fizeram o mesmo.