Título: Linha-dura do TSE destaca divergências da Ficha Limpa
Autor: Abreu, Diego; Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2012, Política, p. 10
Responsável por denunciar irregularidades, como a compra de votos, e por fiscalizar a aplicação da Lei da Ficha Limpa, a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, tem trabalhado dobrado desde julho para dar conta do excessivo número de processos que surgem no período de campanha. Cabe a ela também enviar parecer sobre todos os recursos que chegam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em entrevista ao Correio, a gaúcha Sandra Cureau afirmou que a Justiça Eleitoral tem encontrado dificuldade para fazer valer a Ficha Limpa nesta primeira eleição na qual a norma está em pleno vigor. Segundo ela, os tribunais regionais eleitorais vêm interpretando a regra de forma divergente.
Conhecida pelo perfil linha-dura, a procuradora ressalta o aspecto pedagógico do julgamento do processo do mensalão, que, segundo ela, tem como efeito a redução do uso da máquina pública. Sandra admite que a Câmara tem a palavra final sobre a cassação dos deputados condenados pelo Supremo Tribunal Federal e considera “lamentável” a interferência das igrejas no processo eleitoral. Ela frisa que as eleições municipais são mais trabalhosas para o Ministério Público, uma vez que a disputa pelos votos é mais acirrada e os abusos, como a compra de votos, maiores.
“O Brasil está vendo o STF condenar políticos que gozavam de grande prestígio até pouco tempo e isso se reflete sobre aqueles que sempre apostaram na impunidade”
Como estão sendo as primeiras eleições com a aplicação efetiva da Lei da Ficha Limpa? Um pouco complicadas, porque o TSE está tendo, pela primeira vez — e os Tribunais Regionais também —, que interpretar e aplicar os dispositivos da nova lei. Em especial, os TREs estão dando interpretações divergentes em muitos casos e cabe ao TSE fixar qual a interpretação correta.
Mais de 7 mil candidatos disputam o pleito deste ano ainda com a candidatura sub judice. Até que ponto isso pode ser considerado como efeito da Lei da Ficha Limpa? Não acredito que isso seja exclusivamente efeito da Lei da Ficha Limpa. É verdade que muitos candidatos que foram impugnados com base na nova lei não o teriam sido com base na redação anterior da Lei das Inelegibilidades. Ou seja, aumentou o número de impugnações a registros de candidaturas. Mas é preciso não esquecer que os servidores da Justiça Eleitoral estiveram em greve durante boa parte do período eleitoral e considerar, também, que três dos ministros do TSE estão se dividindo entre eleições e o efervescente julgamento da Ação Penal 470, pelo STF.
Qual o motivo de as campanhas estarem arrecadando menos que em eleições anteriores? O grande número de candidatos sub judice cria uma dificuldade em relação às doações, porque ninguém sabe se o candidato vai ser diplomado ou não. Também há maior controle exercido sobre as doações irregulares, que podem acarretar a inelegibilidade dos responsáveis pelas empresas doadoras. E, por fim, o fato de que se trata de eleições municipais, com grande número de candidatos. Um número significativo desses municípios é pobre e tem pouca expressividade no cenário político nacional.
O julgamento do mensalão, em meio às eleições, tem inibido as doações irregulares e o uso da máquina pública? O julgamento do mensalão pode estar produzindo esse efeito sobre as doações irregulares e o uso indevido da máquina pública. O Brasil está vendo o STF condenar políticos que gozavam de grande prestígio até pouco tempo e isso se reflete sobre aqueles que sempre apostaram na impunidade.
A senhora avalia que o julgamento do mensalão possa influenciar no resultado das eleições em algumas cidades? De alguma forma, já influenciou. Tivemos pelo menos um candidato a prefeito que renunciou à candidatura em função de sua condenação pelo Supremo.
O mandato de deputados condenados pelo STF deve ser cassado automaticamente pela Câmara? O artigo 55 da Constituição dispõe que o parlamentar que sofrer condenação criminal através de decisão transitada em julgado perderá o mandato. É uma decorrência da própria condenação. Entretanto, o parágrafo 2º do mesmo artigo diz que a perda do mandato será decidida por voto secreto e pela maioria absoluta dos membros da Casa, assegurada a ampla defesa.
Isso quer dizer que a Câmara tem o poder de dar a palavra final para a cassação do parlamentar? Não é possível que a Casa respectiva casse o mandato do parlamentar sem lhe assegurar o direito de defesa. Como a Constituição não pode ter contradições, é preciso conjugar esses dois dispositivos.
Como está sendo o trabalho do Ministério Público Eleitoral nestas eleições? As eleições municipais costumam dar mais trabalho ao Ministério Público do que as eleições gerais, porque a disputa pelos votos é muito mais acirrada e os abusos, maiores. A compra de votos é mais comum nas eleições municipais. E, é claro, a Lei da Ficha Limpa aumentou o número de impugnações a registros de candidaturas. Só no mês de setembro, a vice-Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou em mais de 4.200 processos.
De forma geral, candidatos de oposição às prefeituras estão se saindo melhor do que aqueles apoiados pelos atuais prefeitos. É um sinal de menor uso da máquina pública? Pode ser que sim, afinal a Lei da Ficha Limpa está sendo aplicada e o uso da máquina pública gera, atualmente, inelegibilidade por oito anos. Pode ser também um sinal de que os eleitores estão querendo mudanças ou que estão descrentes dos políticos que estão ocupando o poder.
A eleição de São Paulo está marcada por um retorno da “guerra” entre igrejas nos palanques, como foi em 2010. Como a senhora vê a importância que esses debates têm conquistado nas eleições? A Constituição garante a liberdade de consciência e de crença. É lamentável que as igrejas subam aos palanques e exijam dos candidatos posicionamentos sobre questões que nada têm a ver com propostas de governo, as quais acabam ficando em segundo plano. Talvez precisemos amadurecer mais politicamente, para que os eleitores não sejam levados a votar neste ou naquele candidato por motivos religiosos — que nada têm a ver com uma boa administração ou um bom governo — e sim por acreditarem que se trata de alguém que saberá exercer o seu cargo com probidade e honestidade, em benefício da comunidade que o elegeu.