Título: Qual o peso da religião na reeleição de Obama?
Autor: Soares, Gláucio
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2012, Opinião, p. 23

Já entre brancos evangélicos, Romney domina. É um dos poucos grupos em que cresceu, de 69 para 74%.

Os primeiros dados a respeito do papel da religião nas eleições presidenciais americanas de 2012 orientaram muitos a olhar em direções que terminaram sendo menos relevantes do que pareciam. Pesquisa realizada em 2010 nos mostra que 18% da população americana pensavam que Obama era muçulmano; talvez mais importante, 43% não sabiam qual era a religião de Obama. Dada a hostilidade dos americanos aos muçulmanos %u2014 que explodiu com os ataques de 11 de setembro de 2001 %u2014, esses dados faziam prever uma grande dificuldade para Obama se reeleger. Porém, os caminhos pelos quais a religião está afetando os candidatos e seus vices são diferentes. Além disso, interagem com outras características. Este artigo verifica algumas dessas interações. O apoio à candidatura de Obama tem crescido entre os eleitores católicos nos Estados Unidos. Há surveys que acompanham o apoio aos diferentes candidatos, em diferentes níveis. Em 17 de junho houve um desses surveys e o resultado era, praticamente, um empate (49 a 47 para Obama, dentro da margem de erro). Mas, em três meses, Romney deu muitas mancadas e a diferença agora é bem maior, 54% a 39%, 15 pontos percentuais. Como os católicos pobres favorecem Obama, mas votam menos do que católicos ricos, a abstenção pode pesar muito. Quanto maior, pior para Obama. Como anda esse processo? Entre os americanos registrados para votar, a diferença é um pouco menor: Obama está nove pontos na frente, 51% a 42%. Quem levou a pesquisa a cabo foi o Pew Forum on Religion and Political Life, que está acima de qualquer suspeita de sectarismo. Entre os católicos brancos, há um empate; entre os católicos de minorias, a cor da pele e a etnia pesam e Obama ganha com certa facilidade. A hierarquia católica não apoia Obama. Os bispos se reuniram há dois meses para protestar contra uma decisão do presidente de exigir que até as instituições religiosas, como hospitais e universidades, dessem camisinhas e outros contraceptivos aos empregados se eles ou elas o pedissem. Não obstante, as questões religiosas não são, até o momento, as que decidem o voto: as econômicas pesam mais. Romney elegeu um católico muito conservador, Ryan, para a Vice-Presidência, mas parece ter exagerado a mão. Atraiu alguns extremistas, mas arrepiou a maioria dos católicos. É preciso não esquecer que o vice de Obama, Joe Biden, também é católico. E a esquerda católica, como respondeu às propostas dos candidatos e aos nomes dos vice-presidentes? Ela sabe que Ryan é de direita e não gosta do plano republicano de reduzir os impostos sobre os ricos ao mesmo tempo em que reduz ou elimina programas que beneficiam os setores mais pobres da população. É um obstáculo difícil de superar. A religiosidade afeta a intenção de voto em interação com a raça. Entre negros protestantes, Obama recebe 95% das intenções.

A raça e as questões socioeconômicas pesaram mais do que algumas questões morais, como o fato de Obama não se opor a casamentos homossexuais. Não obstante, a pressão ficou menor porque a população americana mudou de opinião sobre esse quesito. Há oito anos, 60% se opunham aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo; atualmente são apenas 44%. Entre os independentes, a oposição caiu de 53% a 40%. Claro, os que mais se opõem são os republicanos, mas mesmo assim mudaram nos últimos oito anos: de 78% a 70% contra. Esse é um tema eleitoral no qual a tendência a longo prazo da opinião pública é clara: em 1996, os opostos aos casamentos gays eram 65% e os favoráveis eram apenas 27%; na última pesquisa deste ano, os favoráveis passaram a ser pequena maioria: 48% versus 44%. O alicerce para essa mudança talvez seja o crescente número dos que acreditam que a preferência sexual não pode ser alterada. É interessante, também, que há consideráveis diferenças entre as cortes etárias: os mais jovens aceitam com mais facilidade os casamentos homossexuais: quanto mais velha a pessoa, maior a probabilidade de rejeição. Não obstante, em todos os grupos etários baixa a rejeição a esse tipo de casamento. A questão do aborto tem sido central nas eleições americanas. Dados dos últimos anos revelam que embora as posições tenham mudado um pouco, o tema perdeu importância. As mudanças constatadas, ente 2007 e 2009, foram no sentido de colocar mais restrições ao aborto. Esse declínio das posições chamadas de pro-choice não foi grande, mas mascara uma tendência importante: o aborto perdeu centralidade na política americana. Ainda é um tema eleitoral importante, mas já não é central, já não é aquela linha que determinava quem votaria em quem. Entre republicanos, o movimento foi no sentido contrário: houve uma perda de sete pontos dos que apoiavam a legalização do aborto %u2014 Obama para um lado, republicanos para o outro. O grupo, claro, no qual a religião influencia menos o voto é o dos que não têm religião declarada. Parte deles não vive os preceitos de uma religião. Por menor a relevância das questões religiosas, nesse grupo os demais temas eleitorais dominam. Nesse grupo, Obama dispara: 65% a 27%. O oposto também é verdade: para os americanos que são muito religiosos e vão à igreja pelo menos uma vez por semana %u2014 neles, Romney supera Obama por uma margem moderada, 51% a 42%. Qual o efeito conjunto dessas variáveis e de tantas outras? Não sabemos com certeza, mas até agora Obama tem vantagem, que vem ampliando lentamente.