Título: Decreto para alterar o Código Florestal
Autor: Braga, Juliana ; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 16/10/2012, Política, p. 6

Na véspera do prazo para Dilma vetar ou sancionar a MP que modifica o marco ambiental, governo estuda alternativas jurídicas para alinhar o projeto aos interesses do Planalto

Encerra amanhã o prazo para a presidente Dilma Rousseff sancionar ou vetar o projeto de conversão do Código Florestal. O texto foi encaminhado ao Congresso por medida provisória para preencher as lacunas deixadas pelo veto à primeira versão enviada ao Palácio do Planalto. Como os parlamentares modificaram pontos sensíveis, sinalizados desde o princípio como "intocáveis" pelo Executivo, Dilma deve usar a caneta presidencial mais uma vez para novos vetos. As discussões agora giram em torno de qual instrumento jurídico será utilizado nessa nova etapa.

Uma das possibilidades analisadas pelos ministros da área é editar outra medida provisória. O regimento do Congresso, entretanto, proíbe a apresentação de duas MPs sobre o mesmo assunto no mesmo ano legislativo. Nesse caso, o texto seria encaminhado em 22 de dezembro, quando acaba o ano parlamentar, e deixaria um vácuo jurídico de aproximadamente dois meses, prazo considerado contornável. O problema seria a medida ser analisada novamente por deputados e senadores — pela terceira vez — sem a garantia de que eles não modificariam mais uma vez o novo texto.

Outra alternativa, considerada mais viável, seria regulamentar as lacunas por meio de decreto. Dessa forma, a presidente se livraria do risco de uma nova tramitação no Congresso. No entanto, a bancada ruralista já começa a se movimentar e ameaça entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade caso o caminho adotado seja esse.

Os ministros da área se reuniram ontem na Casa Civil. Desde o princípio, Dilma deixou claro que a posição do governo era a de manutenção integral da medida provisória e, por isso, os pontos modificados pelos deputados e senadores devem ser barrados. A questão principal é a da escadinha, apelido dado ao escalonamento criado para a recuperação das matas das margens dos rios. Os parlamentares reduziram de 20 para 15 metros a faixa mínima de reflorestamento para médios proprietários, e de 30 para 20 metros para os grandes.

Apesar de a decisão estar nas mãos da presidente, representantes do governo ainda mantêm conversas com parlamentares. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, por exemplo, marcou para hoje reunião com alguns integrantes da comissão que fechou o texto aprovado no Congresso, como o senador Jorge Viana (PT-AC).

Quando a MP foi aprovada no Congresso com modificações, em setembro, um grupo de parlamentares se organizou para tentar convencer o Planalto a não fazer vetos em pontos muito sensíveis do texto. O contato, no entanto, não passou da cozinha do Palácio. "Ninguém conseguiu falar diretamente com a Dilma, só com as ministras Ideli, Gleisi e Izabela", comenta o deputado e ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes (PSD-PR).

Vespeiro Segundo Stephanes, os parlamentares demonstraram ao governo que vetar os itens que tratam da faixa mínima de mata a ser recuperada não traria tantos problemas quanto retirar o ponto que deixa aos estados o poder de determinar os valores de reflorestamento de grandes propriedades por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA). "O que a presidente mexer a mais sempre vai sofrer emendas e derrotas, porque é um assunto consolidado no Congresso", afirma. "Quanto mais se mexer nesse vespeiro, as posições ficam mais radicais."

Parte da bancada ruralista, porém, ainda espera o pior. A assessora jurídica da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) Cristana Ribeiro comenta que a insistência do governo em vetar as versões do Congresso ao Código Florestal pode desaguar em uma briga sem fim. "O que ela vetar ou ficará em branco, deixando que os estados estabeleçam as próprias regras ou poderá ser preenchido por um projeto de lei, que vai ter desacordos da mesma forma", explica. A situação pode piorar se o governo optar por uma decisão unilateral. "Decreto é feito para regulamentar uma norma, não criá-la. E apenas uma lei pode tratar da limitação do direito a propriedade", explica.

Redação Confira os pontos polêmicos modificados na MP do Código Florestal pelo Congresso que podem ser vetados pela presidente Dilma:

"Escadinha": redução de 20 para 15 metros da faixa mínima a ser recuperada nas margens de rios em médias propriedades. Para as grandes, a área de recuperação mínima caiu de 30 para 20 metros.

Inclusão da possibilidade de usar árvores frutíferas na recomposição de áreas de preservação permanente (APPs). Na reserva legal, além dessas, foi autorizado o uso de árvores exóticas na recomposição, intercalada com as nativas.

O texto determina que deve ser recomposta, em propriedades de mais de 15 módulos fiscais, área entre 20 e 100 metros. Ficou a cargo do governo estaduais, entretanto, estipular o tamanho exato.

Parlamentares excluíram do texto a definição de área abandonada. Também retiraram o limite de 25% do terreno dedicado para o repouso da terra, chamado de pousio.

Memória

Da gaveta ao bilhete O projeto do novo Código Florestal brasileiro tramitou no Congresso por 13 anos até ser aprovado em abril passado. A proposta que passou pela Câmara dos Deputados na época havia sido encampada pela bancada ruralista, com itens que desagradavam ao governo. No Senado, o texto sofreu alterações, mas, como a palavra final era dos deputados, os pontos polêmicos voltaram com o aval dos ruralistas, que têm maioria na Casa. Descontente com o projeto final, a presidente Dilma Rousseff vetou 12 artigos e enviou uma medida provisória para preencher as lacunas, resgatando a versão dos senadores.

A MP estava sob análise de uma comissão especial mista desde junho. No mês seguinte, o grupo aprovou o texto-base do relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Após o recesso, a comissão voltou a se reunir, reduzindo os mais de 500 destaques para 38, aprovando quatro deles. O governo, no entanto, discordou dos principais itens e pressionou os parlamentares a votarem novamente o texto original. Para isso, seria necessário o aval de todos os integrantes do grupo. O acordo foi fechado com certa dificuldade, originando uma versão que se aproximava do que ambientalistas e ruralistas exigiam.

Ao saber que houve acordo sem seu aval, a presidente Dilma Rousseff questionou as ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) por meio de um bilhete, que acabou se tornando público. A pressão do governo, porém, não prosperou no Congresso, que aprovou o texto saído da comissão especial sem mudanças, mesmo sob o risco de veto do Planalto. (AC)