Título: Chegou a hora de trabalhar
Autor: Fonseca, Marcelo da
Fonte: Correio Braziliense, 13/10/2012, Política, p. 6

Passadas as eleições municipais e a menos de 80 dias para o fim do ano, parlamentares têm pela frente temas espinhosos para votar. São projetos que se arrastam há anos e envolvem religião, direitos civis, educação e as riquezas do pré-salMarcelo da Fonseca

Depois de três meses dedicados a palanques, caminhadas e carreatas na busca de votos para seus apadrinhados políticos nos municípios, deputados e senadores retornaram esta semana à rotina dos debates no Congresso Nacional com uma agenda cheia de temas controversos. Na lista de projetos que devem ir ao plenário até dezembro estão alguns que se arrastam há anos, como o que prevê o fim do fator previdenciário e o que institui o Plano Nacional da Educação (PNE). Também deverão entrar na pauta propostas que dividem opiniões dos parlamentares e que já renderam grandes embates entre as bancadas, como a mudança nas regras de divisão dos royalties do petróleo e o novo Código Penal. O Correio elencou os quatro temas considerados prioritários pelas lideranças partidárias para ser votados neste último trimestre e consultou a opinião de políticos e especialistas que acompanham de perto a tramitação dessas propostas.

Na fila de votação ROYALTIES DO PETRÓLEO A pressão das empresas do setor energético para que o governo federal reabra as licitações para a exploração de campos de petróleo fez com que o Palácio do Planalto voltasse as atenções para o tema, que ficou praticamente paralisado desde o início do ano, no Congresso. No mês passado, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou que uma nova rodada de licitações ocorrerá em maio de 2013, com 174 blocos em disputa. Já os blocos do pré-sal devem ser licitados apenas em novembro do ano que vem. No entanto, o processo de exploração só poderá ser negociado com as empresas petrolíferas depois de uma definição do Congresso sobre as regras que serão aplicadas aos novos campos. A última licitação de blocos de petróleo ocorreu em 2008. Desde então, o governo vem adiando a retomada dos leilões para não criar insegurança jurídica que afugente as empresas interessadas. O projeto aprovado no Senado em outubro do ano passado recebeu muitas críticas das bancadas do Rio de Janeiro e do Espirito Santo — estados que concentram a maior parte da produção nacional —, que apontaram a perda de receitas e a quebra de contratos já firmados com empresas exploradoras como alguns dos maiores problemas do projeto. Segundo o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), independentemente de consenso, a nova distribuição dos royalties vai à votação na semana que vem.

Riqueza concentrada "Esperamos que o presidente da Casa cumpra sua palavra e coloque o projeto em votação. Como temos segundo turno em poucas cidades, o ritmo dos trabalhos na Câmara está voltando ao normal, as bancadas já estão completas e teremos quórum para votar esse projeto. É um tema que vem sendo colocado de lado há, pelo menos, dois anos, e isso representa uma grande perda para todos os municípios e estados brasileiros, com exceção dos fluminenses e capixabas. Não dá aceitar que um recurso importante como o pré-sal, que foi descoberto graças a pesados investimentos da Petrobras, empresa financiada por todo o povo brasileiro, vai gerar riquezas para uma parte mínima do país. Acredito que vamos resolver essa pendência nas próxima semanas". Deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), coordenador da Frente Parlamentar da Distribuição dos Royalties do Pré-Sal

CÓDIGO PENAL O anteprojeto do novo código penal foi elaborado por uma comissão especial de juristas e entregue ao Senado em junho. O texto, que vai modernizar a legislação em vigor há mais de 70 anos, criada ainda no governo de Getúlio Vargas, foi organizado em mais de 500 artigos e incorporou aproximadamente 130 leis que abordam temas penais de forma autônoma. O projeto, que começa a ser discutido no Senado ainda este ano e, depois, será entregue à Câmara, promete motivar intensas discussões. Com proposições polêmicas, como a ampliação das regras que permitem o aborto, a criminalização da homofobia e a descriminalização do plantio, compra e porte de drogas para uso pessoal, o projeto incomoda, principalmente, integrantes da bancada religiosa, que vão fazer muito barulho para impedir que essas medidas sejam incorporadas à legislação brasileira. As discussões sobre o novo código penal na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foram adiadas para o fim do ano, para evitar que temas polêmicos se tornassem bandeiras de campanha nas eleições municipais. No início do mês passado, antes de adiar as reuniões seguintes, o relator do anteprojeto, senador Pedro Taques (PDT-MT), apontou a importância de discutir cada tema com tempo limitado, para que o projeto seja votado ainda este ano. Mas ele foi criticado de bate-pronto pelo senador Magno Malta (PR-ES), um dos representantes da bancada evangélica, que questionou o curto prazo para os debates.

Fé e filosofia "Vamos ter muitas polêmicas pela frente. Como o projeto envolve questões religiosas e até filosóficas, como o caso do aborto e o porte de drogas para uso próprio, teremos discussões de propostas extremamente controvertidas no nosso país. Acredito que, encerradas as eleições, esses debates deverão se iniciar no Senado, onde a tramitação deve ser bem menos complexa do que na Câmara. No Senado haverá críticas, acordos, artigos retirados e outros acrescentados, mas acho que na Câmara é que acontecerão os maiores embates. Entendo que os temas devem ser discutidos com muita calma, já que tratam da segunda lei mais importante do país, ficando atrás somente da Constituição Federal". Luiz Flávio Gomes, jurista e ex-promotor de Justiça que integrou a Comissão Especial de Juristas que elaborou o anteprojeto

FIM DO FATOR PREVIDENCIÁRIO Acompanhado de perto por milhões de aposentados e trabalhadores que estão próximos de "pendurar as chuteiras", o projeto que acaba com o fator previdenciário — cálculo que serve de base para definir as aposentadorias e leva em consideração o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de vida — ficou para ser votado depois do segundo turno das eleições municipais, em novembro. Segundo o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), na próxima semana começam as negociaçõies com a Receita Federal e o Ministério da Previdência no sentido de buscar um acordo que compense as perdas, para o Tesouro, decorrentes do fim do fator. O projeto foi aprovado no Senado em 2008, mas as negociações entre Planalto, centrais sindicais e partidos políticos não avançaram. Em abril, a Câmara aprovou o pedido de urgência para o projeto e, assim, a proposta seguiu direto para a votação em plenário. Ela prevê a substituição do fator pela chamada "regra do 85/95", que condiciona a aposentadoria à soma do tempo de contribuição e à idade do beneficiado. No caso dos homens, seria preciso somar 35 anos de contribuição e 60 de idade para que o trabalhador se aposente pelo teto do benefício do INSS. As mulheres teriam direito ao benefício integral quando essa soma atingir 85. O governo já deu indicações de que concorda com o fim do fator, desde que seja fixada uma idade mínima para requerer aposentadoria e é contra a retroatividade.

Promessa de urgência "(O fator) confisca pela metade o salário do trabalhador e já prejudicou muita gente nos últimos 13 anos. Durante o período de campanha, em todos os momentos, ouvi pedidos para que eu voltasse à tribuna para pedir o fim do fator previdenciário. Tivemos uma conversa com o presidente da Câmara e ficou acertado que o projeto seria votado logo depois da eleição. Então, a expectativa voltou a crescer com a possibilidade de acabar com essa injustiça. Vamos acompanhar de perto as negociações, mas sei que, no plenário, a matéria tem grande apoio dos parlamentares, independentemente de partido ou estado". Senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto que prevê o fim do fator previdenciário

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO O objetivo inicial do Plano Nacional de Educação (PNE) era definir 20 metas que o país deveria atingir na área da educação entre 2011 e 2020. No entanto, como o plano sequer saiu do papel, o prazo para o cumprimento das metas foi estendido para 2023. Entre as medidas que, a partir da sanção presidencial, serão postas em práticas estão a ampliação de vagas em creches, equiparação dos salários dos professores com os de outros profissionais com formação superior, oferta de ensino em tempo integral em pelo menos 50% das escolhas públicas e aumento gradual dos investimentos para a educação até atingir 10% do Orçamento da União em 10 anos. A proposta já foi aprovada por uma comissão especial. No entanto, como o projeto não estabelece as fontes desses recursos, alguns parlamentares questionaram o texto. Em junho, o ministro da Educação, Aloísio Mercadante, também demonstrou preocupação com a proposta, ressaltando que uma das mudanças equivale a dobrar, em termos reais, os recursos para a educação nos orçamentos das prefeituras, dos estados e da União. O governo federal, por exemplo, precisaria tirar R$ 85 bilhões de outros ministérios. Nesta semana, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, disse que o governo federal quer tratar o PNE e a divisão dos royalties de forma casada. "Apesar de estarem separados, nós gostaríamos que esses dois assuntos tivessem essa ligação para garantia dos recursos."

Metas para todos "Depois de tanto debate, o PNE chega à votação com muitos avanços para a educação. Talvez o excesso de demandas para grupos específicos seja um aspecto a se avaliar. Queremos metas e ações iguais para todos. Um ponto que foi pouco discutido até agora diz respeito às mudanças tecnológicas que nossa sociedade observa e que são vividas diariamente nas escolas. O importante é que, se esse plano for cumprido, teremos uma mudança significativa no nosso panorama. Também temos que entender que não devemos esperar que o aumento de recursos para a educação, sozinho, vá transformar nossas escolas de uma hora para outra. Será preciso também investir melhor e acompanhar como essas políticas públicas vão funcionar na prática". Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação