Título: Alento na crise
Autor: Luna, Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 13/10/2012, Mundo, p. 16

Castigada pelo panorama econômico sombrio, a União Europeia é premiada como exemplo de reconciliação e democracia

Em meio à grave crise econômica que atinge a Zona do Euro, e contrariando todas as expectativas dos observadores, a União Europeia (UE) foi agraciada ontem com o Prêmio Nobel da Paz. A condecoração ao bloco econômico e político se deve a sua contribuição, nas últimas seis décadas, para o avanço da paz, da democracia e dos direitos humanos na Europa. "No período entreguerras, o comitê norueguês entregou uma série de prêmios a pessoas que buscavam a reconciliação entre Alemanha e França. Desde 1945 (com o fim da Segunda Guerra Mundial), a reconciliação tornou-se uma realidade", recordou o presidente do Comitê do Nobel, Thorbjoern Jagland. "Durante um período de 70 anos, Alemanha e França lutaram três guerras. Hoje, uma guerra entre Alemanha e França é impensável. Isso mostra como, por meio de esforços e da construção de confiança mútua, inimigos históricos podem tornar-se parceiros próximos", completou a instituição. O anúncio foi recebido com alegria pelos dirigentes europeus, mas o sentimento não foi unânime. O presidente da República Tcheca, Vaclav Klaus, considerou a escolha uma "brincadeira de mau gosto".

No momento em que a aclamada solidariedade do grupo é posta à prova — já que países como Grécia e Espanha têm problemas agudos com o endividamento público e relutam em aceitar as condições impostas para receber ajuda —, o prêmio surpreendeu os governantes. Em comunicado, a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, agradeceu o "reconhecimento do trabalho pela expansão da área de paz e estabilidade" no continente. "Tenho orgulho de contribuir para a continuação desse trabalho", ressaltou.

Claramente distinta foi a reação do presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz. Segundo o político, as desigualdades sociais desqualificariam o bloco como vencedor do Nobel da Paz. "Não podemos viver em uma união na qual as pessoas são muito ricas em um país, enquanto em outros até mesmo pessoas educadas e instruídas são obrigadas a revirar o lixo para encontrar algo para comer. É por isso que acredito que temos de progredir e dar à Europa a força necessária para obter um pouco mais de justiça", criticou.

O presidente tcheco chegou a se exaltar em seus comentários. "Eu realmente achei que era boato, uma brincadeira. Não podia imaginar nem em sonhos que alguém estivesses falando sério sobre isso. Foi um erro trágico", disparou. Na Grécia, o partido de esquerda Syriza, que encabeça a oposição ao "pacto de austeridade" imposto ao país em troca da ajuda da UE, afirmou que o prêmio foi uma "iniciativa hipócrita", no momento em que os cidadãos europeus têm seus direitos sociais cerceados. A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande, receberam o prêmio como estímulo e uma responsabilidade para que o bloco preserve sua unidade e a capacidade de pacificação. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, parabenizaram a UE.

Crise econômica

O prêmio de US$1,2 milhão tem valor apenas simbólico para um bloco das dimensões do europeu, mais ainda numa crise do porte da atual. Ainda não há informações sobre quem receberá o dinheiro pela UE, em Oslo, em 10 de dezembro, nem sobre como o montante será aplicado. O professor de política europeia John McCormick ,da Universidade de Indiana (EUA), estima que a condecoração tenha o impacto de uma reconquista de autoestima entre a população. "Isso deve lembrar as pessoas de todas as outras conquistas da integração, muitas das quais foram esquecidas em meio às preocupações com o euro. A crise é muito séria, sem dúvida, mas acredito que será resolvida e que o bloco emergirá dela com mais força", analisou. O norte-americano lembrou que os problemas financeiros não significam que a região não tenha sido eficiente em promover a paz por meio de negociações.

"Durante um período de 70 anos, Alemanha e França lutaram três guerras. Hoje, uma guerra entre Alemanha e França é impensável" Thorbjoern Jagland, presidente do Comitê do Nobel

Sanções ao Irã

No dia em que foi contemplada com o Nobel da Paz, a União Europeia decidiu reforçar as sanções impostas ao Irã em represália a seu programa nuclear — que, segundo as potências ocidentais, teria um componente secreto destinado a produzir armas. A nova rodada de medidas será anunciada amanhã, em Luxemburgo, durante reunião dos ministros das Relações Exteriores do bloco. Fontes diplomáticas adiantaram que o setor de telecomunicações iraniano, pela primeira vez, será afetado pelas medidas, especialmente as empresas suspeitas de apoiar financeiramente o setor atômico. As transações financeiras entre bancos europeus e iranianos também serão proibidas a partir de um valor "relativamente baixo".