Título: O efeito da Ficha Limpa
Autor: Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2012, Política, p. 2

Na primeira eleição com as regras da Lei da Ficha Limpa em vigor, mil candidatos a prefeito e a vereador espalhados pelo país perderam o direito de disputar os votos dos eleitores nas urnas neste domingo. O número é do Movimento de Combate de Corrupção Eleitoral (MCCE), entidade responsável pela iniciativa popular que contou com a assinatura de mais de 1,3 milhão de eleitores. Se a lei não estivesse em vigor, os fichas-sujas estariam disputando os votos dos eleitores em centenas de cidades em todas as regiões do país. Esse número, porém, deve aumentar, já que pouco mais de 2,1 mil recursos contra registros de candidaturas que chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ligados à Ficha Limpa ainda serão julgados.

Um dos atingidos pela Ficha Limpa é Severino Cavalcanti (PP), ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual prefeito de João Alfredo (PE). Ele tentaria a reeleição, mas decidiu suspender a candidatura para "não criar dificuldades ao eleitorado". De acordo com o TSE, os ministros ainda vão julgar outros 3,7 mil recursos relativos a pedidos de impugnação. A meta é concluir os trabalhos até 19 de dezembro, último dia para a diplomação dos eleitos. Os 2,1 mil candidatos que aguardam julgamento do TSE quanto à Ficha Limpa podem ser eleitos e só depois barrados. Isso ocorre porque eles concorrem sub judice, o que causa uma sensação de insegurança nos eleitores, afirmam especialistas.

"As pessoas nos procuram e perguntam se a Lei da Ficha Limpa não está valendo no seu município, porque elas contam que veem os corruptos da região se candidatando. Isso é ruim. Se esses partidos que aceitaram essas pessoas tivessem agido com mais seriedade, poderiam ter evitado essa situação, até porque depõe contra o próprio partido, que investiu muito na campanha e poderia ter aproveitado melhor os votos", afirma a diretora do MCCE Jovita Rosa.

Na avaliação de Jovita, porém, a implementação da Lei da Ficha Limpa tornou a eleição deste ano mais limpa, transparente, debatida e politizada. "Há maior interesse da sociedade para que as coisas mudem. As pessoas debateram mais o verdadeiro sentido da política, a vida pública de maneira geral. Essa eleição tem outro sabor, com uma participação popular mais qualitativa", diz.

Segundo colocado

Se o candidato eleito tiver o registro cassado, o TSE dará a vitória ao segundo mais votado no pleito. No caso dos vereadores, o procedimento é empossar os candidatos que obtiveram o maior número de votos nas urnas, a partir de novo cálculo do quociente eleitoral. Não há hipótese de se realizar nova eleição. Muitos candidatos enquadrados pela Ficha Limpa perderam o prazo de três dias corridos dado pela Justiça Eleitoral para recorrer. Isso explica porque muitos deles ficaram sem o registro ainda nas primeiras instâncias judiciais. Para o ex-ministro do TSE Walter Porto, o eleitor deveria ter cuidado ao votar em algum candidato que responde a processo judicial. Assim, segundo ele, não seria preciso criar uma lei para barrar candidatos sob suspeita. "É preciso uma lei para que eu não vote em indesejáveis? O eleitor brasileiro é descuidado e não tem educação cívica", afirma. Segundo ele, a quantidade de candidatos que concorrem sub judice se explica pelo amplo espaço de defesa dado aos que respondem. "Não se deve permitir que o candidato tenha o seu direito de defesa cerceado. É melhor que o eleitor tenha a dúvida sobre se o prefeito eleito do seu município vai de fato assumir o cargo do que se estreitar as possibilidades de recurso. Eventualmente, o candidato pode estar sendo injustiçado", acredita Porto.

» Iniciativa da população

A campanha pela Ficha Limpa nas eleições começou em abril de 2008, sem o nome de batismo atual, com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos a cargos eletivos do país. A iniciativa foi organizada por entidades da sociedade civil, lideradas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). O grupo elaborou um projeto de lei sobre a vida pregressa dos candidatos que pretendia tornar mais rígidos os critérios de inelegibilidades.

Durante um ano e cinco meses, o MCCE recolheu mais de 1,3 milhão de assinaturas — número que representava 1 % do eleitorado brasileiro, e entregou a proposta ao Congresso em 29 de setembro de 2009. Pelo texto original, o projeto de lei visava barrar o registro de candidatos condenados por crimes graves ou contra a administração pública já em pri­meira instância. Os parlamentares alteraram a versão origi­nal, determinando que apenas as pessoas condenadas por um órgão colegiado é que poderiam ter o registro negado pe­la Justiça Eleitoral.

Até a tramitação no Senado foram entregues mais 500 mil assinaturas recolhidas por meio da campanha virtual e mais 300 mil assinaturas por escrito. O objetivo era pressionar os parlamentares a apreciar a matéria, já que havia rumor de que deputados e senadores poderiam engavetá-la.

Apesar de o projeto ter sido sancionado pelo então presi­dente Luiz Inácio Lula da Silva em 4 de junho de 2010, qua­tro meses antes das eleições de outubro, a lei não valeu para o pleito daquele ano. Isso gerou apreensão entre os eleitores, pois o primeiro julgamento feito pelo Supremo Tribunal Fe­deral (STF) para decidir sobre a aplicação ou não da lei em 2010 ocorreu justamente em outubro, e terminou com placar empatado: cinco votos contrários e cinco votos a favor.

Somente em março de 2011, o Supremo definiu a questão com o voto dado pelo ministro Luiz Fux, recém-empossado na Corte, contra a aplicação da norma para o pleito de 2010. O entendimento é de que a lei desrespeitou a Constituição — qualquer alteração na lei eleitoral deve entrar em vigor um ano antes da disputa eleitoral. Por fim, em fevereiro deste ano, o STF declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa.