Correio braziliense, n. 20477, 14/06/2019. Política, p. 4

 

Uma queda anunciada

Rodolfo Costa

14/06/2019

 

 

Poder » Alvo de ala ideológica do governo, ministro Santos Cruz é demitido. Ele dará lugar ao general da ativa Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira

O ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Santos Cruz, não resistiu à fritura interna do governo, rachado entre as alas ideológica e militar, e se tornou, ontem, o terceiro ministro de Estado demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. Sem dar quaisquer esclarecimentos, por nota ou na tradicional transmissão ao vivo de quinta-feira, nas redes sociais, o chefe do Executivo federal definiu o general Luiz Eduardo Ramos como o sucessor na pasta, que estará sob o terceiro comando em menos de seis meses de mandato.

A primeira baixa do governo foi Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral. Ele se tornou o centro de uma das primeiras crises do governo, após denúncias de um esquema de candidaturas laranjas do partido. A segunda mudança foi no Ministério da Educação, com a saída de Ricardo Vélez Rodríguez. Na primeira situação, Bolsonaro justificou a saída à falta de confiança. Na segunda, atribuiu a reclamações feitas ao educador. Em relação a Santos Cruz, não deu explicações.

O general Santos Cruz não caiu por falta de confiança de Bolsonaro ou por acumular reclamações, sobretudo no Congresso. Pelo contrário. O agora ex-titular da pasta era um conselheiro e o ministro palaciano mais respeitado no parlamento. A queda dele é associada, por pessoas do governo e de dentro do próprio Planalto, à disputa entre militares e seguidores do guru Olavo de Carvalho, nos quais se incluem os filhos do presidente, em especial o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além de, perifericamente, o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten.

A saída de Santos Cruz foi discutida, ontem, pessoalmente com Bolsonaro. O general não pediu para sair. Foi uma decisão do próprio presidente. A partir dali, a informação começou a ser transmitida a assessores mais próximos. Interlocutores admitem que as desavenças com Olavo de Carvalho e com os filhos de Bolsonaro tiveram influência, mas as disputas internas com Wajngarten geraram peso maior.

O motivo da queda está ligado ao maior controle que Santos Cruz vinha exercendo sobre áreas vitais do governo criticadas em outras administrações, como a gestão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), além de contratos da Secretaria de Comunicação, chefiada por Wajngarten. Pessoas próximas de Santos Cruz dizem que o secretário não quis se subordinar às diretrizes e normas estabelecidas pelo general, de ter maior controle sobre as atividades e ações.

Disputa

A sugestão de patrocinar blogs da direita, ligados aos filhos de Bolsonaro e aliados mais próximos, foi um dos principais motivos do clima de guerra em que viveram no Planalto nos poucos mais de dois meses de convivência direta, uma vez que a Secom está vinculada à Secretaria de Governo. Wajngarten sugeriu que os blogs fizessem a divulgação da reforma da Previdência em contratos estimados em cerca de R$ 80 milhões, disse um interlocutor ao Correio. O agora ex-ministro aceitaria pagar apenas a metade disso. Dali, começou o confronto entre os dois.

Na despedida, Santos Cruz divulgou uma carta agradecendo a todos os servidores da Secretaria de Governo “pela dedicação, capacidade e amizade com que trabalharam”. Sobraram elogios também aos parlamentares, com destaques para os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Também agradeceu aos governadores, prefeitos, à imprensa, às autoridades do Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União (TCU), às diversas instituições e organizações civis, e, por fim, a Bolsonaro e “familiares”, aos quais desejou “saúde, felicidade e sucesso”.

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Recorde negativo para o Executivo

14/06/2019

 

 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro quebrou um recorde (negativo) com a demissão do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Santos Cruz. A dispensa de três ministros em menos de seis meses completos de mandato não era levada a cabo por nenhum presidente desde a redemocratização. O que chegou mais próximo dessa marca foi Fernando Collor de Mello, que, no mesmo período, mandou embora dois ministros, ambos da Agricultura: Joaquim Roriz e José Bernardo Cabral (interino, mas que exerceu o posto cumulativamente).

O levantamento, que pode ser feito na Biblioteca Digital da Presidência da República, não é bem-avaliado no governo — por civis e, sobretudo, militares — nem no Congresso. O baque foi maior, principalmente, entre os oficiais das Forças Armadas que estão no governo. Foi difícil para eles digerirem a notícia da saída de Santos Cruz, classificado por um militar ouvido pelo Correio como uma pessoa íntegra, dedicada e um “espartano”. “Cumpriu sua missão com muita correção e seriedade”, ponderou.

A trajetória de Santos Cruz fala por si, frisaram militares. O reconhecimento mundial pelo que fez nas Nações Unidas o credencia a uma vaga para ser consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) “quando quiser”, avaliaram. O golpe na cúpula militar foi duro, e ninguém nega. Por mais que o sucessor, general Ramos — comandante militar do Sudeste e amigo de Bolsonaro desde 1973 — seja alguém da mesma escola que Santos Cruz, ficou entre os militares o clima da falta de reconhecimento ao agora ex-ministro.

Ao tirar Santos Cruz e manter o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, Bolsonaro mostra, no entendimento de militares, uma parcialidade para o lado ideológico. Oficiais afirmaram que muita gente ludibria o presidente, que não tem condições de acompanhar tudo de muito perto. “Algumas pessoas se aproveitam disso, em especial quando têm a proximidade dos filhos ou fazem parte de grupos religiosos ou ideológicos”, criticou outro militar.

No Congresso, o sentimento não é muito diferente, em especial entre deputados de centro-direita, que encontravam em Santos Cruz uma interlocução melhor do que com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Era melhor ter transferido o Santos Cruz para a Casa Civil e colocado o Ramos na Secretaria de Governo”, criticou um deputado do Centrão. A última agenda do general com um congressista foi em reunião individual, ontem, com o deputado Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China. Ambos discutiram novas fontes de arrecadação para o país. O deputado, no entanto, evitou polemizar a troca. “Temos que aguardar. O general Santos Cruz era um grande ministro, focado e competente, mas o general Ramos é da mesma escola, foi assessor parlamentar, e ambos defendem o bom diálogo entre os Poderes constituídos”, destacou. (RC)

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General Heleno: "Continua amor"

14/06/2019

 

 

 

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, disse que a demissão de Santos Cruz foi resultado de “um conjunto de coisas que acontecem”. De acordo com ele, não houve desentendimento entre o presidente e o general. “Não teve briga, não teve nada. Continua amor, são amigos de 40 anos, continuam a ser amigos”, afirmou.

“O presidente, ele próprio, está usando uma metáfora bastante apropriada para a situação: é um casamento, de muito longa duração, mas chegaram à conclusão de que não era a hora de ele continuar. Porque o casamento precisava ser interrompido”, ressaltou. O ministro negou que as polêmicas com Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e com o escritor Olavo de Carvalho tenham derrubado seu colega. “É tudo especulação, não tem nada a ver. Isso aí não é nada que tenha sido determinante para isso aí.”

Para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com o afastamento do general, pode haver piora na relação entre governo e Congresso. “O Santos Cruz é muito bom, dedicado, estava ajudando muito, mas quem tem o poder de nomear tem o poder de exonerar. É assim que funciona.”

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou a aliados preocupação com o fortalecimento da ala conhecida como “ideológica” da administração Bolsonaro, classificada por ele como mais radical e mais reativa ao Legislativo.

O líder do bloco que reúne PL, DEM e PSC no Senado, Wellington Fagundes (PL-MT), avaliou a saída de Santos Cruz como mais um complicador na articulação política. “É uma pessoa de estabilidade. Vemos um governo que tem colocado à frente sempre a questão ideológica, e isso é sempre um ‘dificultador’ nas relações”, declarou.

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Bolsonaro perde um dos melhores

 

 

Leonardo Cavalcanti

14/06/2019

 

 

 

Para se ter uma rápida ideia da capacidade operacional de Carlos Alberto dos Santos Cruz, o principal relatório sobre missões de paz das Nações Unidas (ONU) leva o nome do general. O documento faz uma série de recomendações e é seguido à risca pelos boinas-azuis, como são conhecidos os integrantes da organização que atua em regiões conflagradas pela violência de grupos terroristas.

Um dos principais integrantes do governo de transição, Santos Cruz foi confirmado ministro da Secretaria de Governo ainda em novembro do ano passado. Em dezembro, em entrevista exclusiva ao Correio, o general disse que existiam gangues no serviço público, citando os escândalos do Rio e da Petrobras. Ali, parecia confortável e disposto a enfrentar os desafios no horizonte. “A porta de entrada é aqui (na secretaria). Os grupos têm de se sentir com liberdade: MST, ONGs, gays, Fiesp, OAB, índios, todos”.

Santos Cruz iniciou a carreira militar ainda em 1968, chegando a comandar as forças da ONU no Haiti e no Congo. Antes de se tornar ministro, foi secretário nacional de Segurança Pública no governo Michel Temer. Na gestão Bolsonaro, acabou envolvido em crises diretas com os filhos do capitão reformado e, algo inimaginável para ele e os próprios militares, com o guru Olavo de Carvalho. Mesmo tendo permanecido no cargo, nos últimos dias, mostrava desconforto com os inimigos que teve de enfrentar no Planalto.

Santos Cruz, possivelmente o melhor dos quadros militares do governo Bolsonaro, deixa o governo depois de uma batalha inglória, em que a capacidade operacional do combatente nunca esteve em jogo.