Correio braziliense, n. 20477, 14/06/2019. Opinião, p. 13

 

Gestão de talentos: o sapo que fala

Orlando Thomé Cordeiro

14/06/2019

 

 

Quando se fala de gestão, é comum que seja dado destaque aos aspectos organizacionais propriamente ditos. Porém, há uma parte absolutamente vital que, apesar de alguns avanços nas últimas décadas, ainda não é tratada com a necessária atenção. Trata-se da gestão de pessoas. As pessoas, como todo ser vivo, são sistemas orgânicos. Elas respiram, se alimentam, se emocionam, enfim, vivem. Tudo isso de forma integrada e sincronizada. Da mesma forma, as organizações. Sejam elas empresas privadas, órgãos públicos ou instituições do terceiro setor, sua existência é marcada pela construção de expectativas e planos, por experiências de vitórias e derrotas, por casos de sucesso e também frustrações.

Uma boa e sólida relação entre as pessoas e as organizações nas quais trabalham tem papel fundamental para uma gestão eficaz. Não à toa, nas últimas duas décadas, proliferaram programas focados em saúde e em qualidade de vida no ambiente de trabalho. Ter profissionais satisfeitos e felizes é muito bom. Porém não é suficiente.

Muita gente deve conhecer a historinha que conto a seguir. Uma jovem caminhava sozinha quando ouve um chamado: “Psiu ,ei, ei, ei!“. Ela procura e percebe que é um sapo quem a está chamando. Ao se aproximar, o batráquio explica que havia sido vítima de um feitiço, mas que bastava ela lhe dar um beijo para que voltasse a ser uma pessoa normal. Ato contínuo a jovem pegou o sapo e o enfiou na bolsa. Debatendo-se, ele pergunta “Por quê?,” e a jovem explica: “O mundo está cheio de gente normal, mas sapo que fala...”.

Esse é o desafio mais relevante que gestores e gestoras têm pela frente. Encontrar “sapos que falam”, ou, em outras palavras, identificar pessoas talentosas para integrarem suas equipes. O problema é que nem sempre elas estão visíveis a olho nu.

Como fazer então para identificá-las e montar equipes relevantes? O primeiro passo é compreender e valorizar a diversidade e a pluralidade. As melhores equipes são formadas por pessoas com diferentes características e, principalmente, complementares. Não estamos falando de preferências individuais, mas da compreensão sobre o que é melhor para colocar em prática a estratégia da organização.

Com certeza, bons times não são uma cópia fiel do perfil de seu gestor. O segundo passo é saber escalar seu time. Muitas vezes a pessoa está destacada para realizar um conjunto de tarefas nas quais seu talento fica reprimido. Estimular pequenas mudanças de função entre integrantes de uma equipe, dando oportunidade para que a pessoa exerça outras tarefas, permite descobrir competências ocultas ao alcance de nossos olhos. Nesse sentido, é indispensável exercitar o olhar e o diálogo, de forma permanente.

O terceiro passo é manter a equipe alinhada com os objetivos estratégicos da organização e sintonizada com as informações no mundo exterior. Para isso, gestores e gestoras precisam ser mais líderes e menos chefes. Aliás, esse é um problema recorrente. Elaboram-se belíssimos projetos de planejamento estratégico, mas na hora de colocá-los em prática fica uma distância entre o que está escrito e o que acontece no dia a dia, justamente porque falta o exercício de liderança para garantir o necessário alinhamento. Em outras palavras, o talento em si é importante, mas se torna imprescindível quando está a serviço da organização.

Nenhum talento aparece e se desenvolve em organizações que não construam ambientes propícios. O sucesso nessa empreitada está associado a algumas premissas importantes: estímulo ao compartilhamento de conhecimento nas equipes e entre elas; estruturas menos engessadas; incentivo à criatividade a serviço da inovação.

Para tanto, ocupantes de posições estratégicas nas organizações têm a obrigação de exercer a liderança pelo exemplo. Cabe a essas pessoas a responsabilidade por ousar e, a partir da geração de bons resultados, demostrar outra forma de gestão que contamine positivamente as demais áreas e setores, em um movimento de criação e multiplicação de nichos de experiências positivas.

Por fim, quem está no topo da cadeia alimentar — CEO nas empresas privadas, governantes com mandato eletivo no poder público, dirigentes executivos em instituições do terceiro setor — precisam estar comprometidos com essa visão de modo a permitir e estimular o comportamento de seus subordinados. (...)

» Orlando Thomé Cordeiro

Consultor em estratégia