O globo, n.31391, 18/07/2019. Sociedade, p. 24

 

Em busca de financiamento 

André de Souza 

Paula Ferreira 

18/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Mec quer mais verba privada para universidades

Em meio a um cenário de retração do orçamento das universidades federais disponível para investimentos, o Ministério da Educação (MEC) apresentou ontem seu programa para estimular o financiamento privado a essas instituições. Nomeado Future-se, ele prevê R$ 102,6 bilhões em incentivos para captação de recursos tanto privados quanto públicos, num prazo não definido, além de medidas de melhoria de gestão, incentivo ao empreendedorismo e à pesquisa.

A meta, segundo o MEC, é fortalecer “a autonomia financeira das universidades e institutos federais, por meio do fomento à captação de recursos próprios”, tornando mais eficientes práticas que já existem.

Hoje, as instituições contam com R$ 50 bilhões em repasses anuais do governo federal mas também com receitas próprias — em 2018, cerca de R$ 1 bilhão foi arrecadado por universidades, institutos e hospitais universitários. Esses recursos, no entanto, vão para a Conta Única do Tesouro e não apresentam retorno direto para as instituições. A proposta do MEC visa incrementar essa arrecadação e desburocratizar seu uso.

O ministro Abraham Weintraub resumiu em quatro frentes as formas de obtenção de recursos previstos no Future-se: patrocínio, patrocinador, aluguel (de terreno e espaço) e parcerias.

Dos R$ 102,6 bilhões, R$ 50 bilhões são de um fundo imobiliário que vai administrar imóveis da União e para o qual será escolhida uma instituição gestora, que poderá ser, por exemplo, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica. O restante virá de outras fontes de financiamento, como fundos constitucionais, leis de incentivos fiscais, parcerias com a iniciativa privada e até mesmo a Lei Rouanet, de fomento à cultura.

A adesão das universidades e institutos federais ao Future-se será voluntária. O programará passará por uma consulta pública de cinco semanas. Depois disso, o plano será enviado para aprovação do Congresso.

O temor de alguns reitores é que, embora o MEC garanta a permanência do financiamento público anual, o orçamento seja futuramente desidratado em razão dos novos aportes. O ministro, no entanto, negou que haja perspectiva de diminuição dos repasses.

GRATUIDADE GARANTIDA

Segundo o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, para instituir o Future-se será necessário alterar leis como a dos fundos constitucionais, a de incentivos fiscais e o marco legal da ciência

e tecnologia. As mudanças serão propostas por meio de um único projeto de lei.

Weintraub disse que não será necessário mexer na Constituição. Como ela estabelece a gratuidade do ensino público, continuará não havendo cobrança de mensalidades na graduação, mestrado e doutorado.

Na gestão de imóveis, a ideia é que propriedades da União — e não apenas as já pertencentes às universidades — sejam usadas no plano. De acordo com o ministro, os imóveis da União totalizam mais de R$ 1 trilhão.

Ao comentar os ganhos que podem ser obtidos a partir de imóveis, o ministro citou o caso específico da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, a instituição poderá resolver seus problemas caso adira ao plano:

— A UnB é muito rica em termos de imóveis. Tirando isso, acho que várias empresas gostariam de ter a placa, patrocínio, benemerência envolvida com o nome da UnB. Além disso, tem espaço para fazer pesquisas, porque é muito bem localizada. É uma universidade que, aderindo voluntariamente, poderia resolver rapidamente a questão orçamentária dela —afirmou.

REDUÇÃO DE PESSOAL

Inspirado na Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece um limite de 60% de gastos com o funcionalismo público, o MEC quer diminuir o índice atual das instituições federais de ensino superior, hoje em 85%, mas não deu detalhes de como isso será feito.

O plano também prevê estabelecer requisitos de transparência, auditoria externa e compliance. Para aderir ao programa, serão cobrados resultados das universidades.

—Acabou a fase de dinheiro público a fundo perdido. Tem que mostrar como está sendo usado, prestar contas —disse Weintraub, que citou como exemplo de critério de avaliação o índice de evasão.

O ministério prevê ainda a atuação de Organizações Sociais (OS) em parcerias público privadas que viabilizem recursos adicionais às universidades. A medida, segundo especialistas, é uma tentativa de driblar o contingenciamento imposto pelo teto de gastos.

— A gente não vai trabalhar apenas com uma organização social, mas com várias. Na parte da despesa, gestão imobiliária, limpeza, vigilância. A gente pode trabalhar com organizações como, por exemplo, o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. E várias outras — afirmou Lima Júnior.

O secretário refutou as críticas de que o Future-se seria o começo de um processo privatização da educação superior, classificando-o como “uma complementação ao orçamento”.

Weintraub afirmou que a equipe do ministério pinçou experiências ao redor do mundo e as adaptou.

— O objetivo é colocar o Brasil no patamar de outros países disse o ministro. __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Proposta não resolve problemas imediatos, dizem reitores 

18/07/2019

 

 

 

O conjunto de propostas apresentado ontem pelo MEC para captar recursos para o financiamento de universidades públicas pode render resultados positivos de médio a longo prazo, mas, segundo especialistas, não terá desdobramentos

imediatos para aliviar a crise que atinge as instituições federais do país.

— Atualmente, não há incentivos para que as instituições federais busquem amplificar receita externa. Se o governo avançar nisso será muito bom —analisa Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. — O perigo é que demore a dar certo. Não consigovisualizaraindamecanismos que propiciem alívio financeiro imediato.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) criticou a falta de diálogo do ministério na elaboração das propostas.

— Não houve consulta aos gestores e membros da comunidade universitária — afirmou o presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte. Segundo ele, os reitores foram apresentados ao Future-se um dia antes do anúncio oficial, e muitos pontos ainda estão obscuros.

— Nós não sabemos como será a partição desses recursos. Será só por projeto? Cada um vai fazer um projeto, apresentar ao fundo, e o fundo vai analisar e decidir? —, questiona Centoducatte.

Professor da Universidade de Brasília (UNB), Remi Castioni afirma que o plano do MEC deveria prever quais serão os procedimentos para que as universidades passem a adotar as iniciativas.

— O modelo de transição não está bem desenhado, algumas coisas impactam em mudanças no marco legal e não são simples de serem feitas.

Outra preocupação é que o foco na captação de recursos faça as universidades relegarem suas funções fins.

— A adesão parece voluntária, mas, na prática, será obrigatória,porque o modelo atual será sucateado. As universidades deixarão de cumprir suas funções de ensino, pesquisa e extensão para se dedicar à captação de recursos —diz Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.