O globo, n.31390, 17/07/2019. País, p. 06

 

Para procurador, investigações estão em xeque 

Leandro Prazeres

Sérgio Roxo 

Juliana Dal Piva 

17/07/2019

 

 

Lava-Jato. Para Eduardo El Hage, decisão de ministro do STF é “retrocesso“

O procurador da República Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro, afirmou ontem que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, atingirá praticamente todas as apurações de lavagem de dinheiro do país. Segundo El Hage, a exigência de autorização judicial ignora a forma de atuar dos criminosos, inclusive em relação ao terrorismo.

— A decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil. O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro. Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível —afirmou o procurador.

Já para o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) David Teixeira de Azevedo, a decisão de Toffoli segue o que prevê a Constituição.

— A decisão é corretíssima sob o plano jurídico constitucional. Sigilos de dados fiscais, de dados bancários, compõem o mosaico da personalidade humana. A privacidade de todos esses dados é uma garantia do cidadão contra a interferência indevida do estado —defendeu.

NORMA DE 2001

O Ministério Público do Rio foi surpreendido com a decisão do presidente de Toffoli. Os investigadores do caso que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não quiseram se manifestar e o mais provável é que a primeira argumentação ocorra só depois que o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, da 3ª Câmara Criminal, oficie o MP nos próximos dias para a retomada do julgamento do habeas corpus do senador sobre a quebra de seu sigilo fiscal e bancário e de mais 94 pessoas ou empresas. O recurso seria julgado ontem, mas foi retirado de pauta em função da decisão do STF.

Integrantes do MP de diferentes áreas disseram ao GLOBO que ainda não sabem como irão prosseguir nas investigações em andamento e nas futuras. Existem diversas investigações em andamento com base em relatórios do Coaf, casos que sequer envolvem políticos.

O centro das dúvidas é o fato de que a decisão de Toffoli foi emitida em um recurso do MPF que tinha como mérito, ou seja, questão central, uma lei que não diz respeito à atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Foi justamente um relatório do Coaf que originou a investigação sobre Flávio e outros 21 deputados.

O processo que tramita no STF para discutir o compartilhamento de dados financeiros de órgãos de controle com o MP trata especificamente de um questionamento na Lei Complementar 105 de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras.

Por essa norma jurídica, integrantes da Receita podem acessar dados do sigilo bancário de qualquer pessoa sem autorização judicial para fins de checagem de dados do imposto de renda ou de quem caiu na malha fina, por exemplo. Esse questionamento já foi levado ao Supremo e a Corte decidiu que a Receita pode acessar os dados sem que antes os auditores tenham que solicitar autorização judicial.

“EVENTOS ÚNICOS”

No entanto, em algumas investigações, como é o caso do processo discutido no STF, essas informações foram cedidas a órgãos de investigação como o MPF. Promotores e procuradores argumentam que, em geral, isso ocorre em investigações de lavagem de dinheiro envolvendo tráfico de drogas e até terrorismo. Não são quebras de sigilo integral, como as feitas em ações criminais com autorização judicial.

A investigação de lavagem de dinheiro de Flávio Bolsonaro, no entanto, não foi motivada por informações obtidas por meio da Lei Complementar 105 de 2001. O procedimento foi instaurado partir de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) feito pelo Coaf. O órgão foi criado por meio da Lei 9.613/ 1998 e dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens e valores. Essa lei, a 9.613/1998, não é alvo de qualquer questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Promotores sustentam que a diferença essencial é que os dados registrados nos relatórios do Coaf são comunicações obrigatórias por lei feitas dos bancos ao Coaf, mas não são os dados que integram o sigilo bancário, como os extratos, por exemplo. Eles chamam de “eventos únicos”, movimentações que diferem da rotina da conta bancária. O sigilo bancário é um conjunto de dados maior e mais detalhado.

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Conselho do MP vai apurar palestras de Dallagnol e Pozzobon 

Jailton de Carvalho 

Leandro Prazeres 

17/07/2019

 

 

Defesa. O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato: corregedoria ficou prazo de dez dias para que ele dê explicações sobre palestras

A Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu ontem uma investigação para apurar supostas irregularidades em palestras e na tentativa de criação de uma empresa em nome de terceiros pelos procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, investigadores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. O corregedor Orlando Rochadel Moreira fixou o prazo de dez dias para que Deltan e demais investigados apresentem explicações formais contra as suspeitas que pesam contra eles.

Rochadel também pediu que a Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal informe em dez dias “os antecedentes disciplinares” dos investigados. O corregedor do CNMP decidiu instaurar uma reclamação disciplinar a partir de uma representação do PT contra Dallagnol e Pozzobon. Os dois serão investigados por suposta violação de dever funcional.

Os dois foram acusados, em recentes reportagens da “Folha de S. Paulo” e do site The Intercept Brasil, de tentar criar uma empresa em nome das respectivas mulheres para promover cursos, palestras e ganhar dinheiro a partir da fama obtida por eles na Lava-Jato. As denúncias estão amparadas em troca de mensagens por meio do aplicativo Telegram atribuídas aos dois.

PRODUÇÃO DE VÍDEO

As mensagens revelariam que os citados “teriam se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos. Tais palestras teriam se dado em parceria com empresas privadas, com quem dividiram os valores”, diz Rochadel.

Segundo a “Folha”, Dallagnol manifestou interesse em criar uma empresa para faturar com a fama numa conversa com a mulher em dezembro do ano passado. Depois disso, ele e Pozzobon criaram um grupo específico de conversa no Telegram apenas para falar sobre o assunto. O grupo contava com a participação das mulheres.

“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, afirma Dallagnol. “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”, responde Pozzobon. Após os acertos iniciais, Dallagnol sugeriu que a empresa fosse aberta em nome das mulheres deles. Procurados, Dallagnol e Pozzobon não retornaram.

Em outras mensagens divulgadas recentemente pelo The Intercept e pela rádio BandNews, Dallagnol e o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, acertam a organização de uma reunião com a Polícia Federal para discutirem prioridades da LavaJato. Em outro diálogo, Dallagnol conversa com Moro a respeito da produção de um vídeo sobre as “Dez medidas de combate à corrupção”, bandeira da Lava-Jato. Dallagnol sugere que a Justiça Federal ajude com os custos.

MORO REAGE

Também ontem, Moro interrompeu uma viagem em família para criticar a divulgação de mensagens que mostrariam um conluio entre ele e procuradores em ações da Lava-Jato em Curitiba. Moro, que não reconhece a autenticidade do material publicado pelo Intercept e outros veículos de imprensa, escreveu no Twitter que os jornalistas deveriam refletir.

“Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo. Continuem, mas convém um pouco de reflexão para não se desmoralizarem”.

No fim da tarde, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prometeu manter o apoio institucional e administrativo à Lava-Jato. O compromisso foi feito, em Brasília, a oito membros da força-tarefa da Lava-Jato.

Participaram da reunião, entre outros, Dallagnol e Pozzobon. Em nota, Dodge afirmou que “o apoio institucional, financeiro e de pessoal ao combate à corrupção e ao crime organizado feito pela força-tarefa da Lava-Jato continuará, para que o patrimônio público seja preservado e a honestidade dos administradores prevaleça, pois o contraditório e a ampla defesa têm sido usados nas ações judiciais para assegurar que o trabalho feito com qualidade e eficiência, e que passou pelo crivo de várias instâncias judiciais e do MP, esteja apto a produzir efeitos legais válidos.”