Estado de São Paulo, n. 45917, 06/07/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro diz que povo vai decidir sobre Moro

Teo Cury

André Italo Rocha

Fernanda Guimarães

Francisco Carlos de Assis

06/07/2019

 

 

Governo. Presidente reforça associação com ministro e afirma que quer levá-lo ao gramado do Maracanã na final da Copa América e que população definirá se eles estão ‘certos ou não’

Solenidade. Bolsonaro durante evento no Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília

O presidente Jair Bolsonaro reforçou ontem a associação com o ministro Sérgio Moro e a Lava Jato ao ser questionado sobre novas mensagens atribuídas ao ex-juiz e ao procurador Deltan Dallagnol sobre procedimentos da operação. Bolsonaro afirmou que pretende assistir amanhã à final da Copa América, entre Brasil e Peru, no Maracanã, ao lado do titular da Justiça e Segurança Pública. E disse que caberá ao “povo” dizer se eles estão “certos ou não”.

Após a divulgação do caso pelo site The Intercept Brasil, Moro, com aval do Palácio Planalto, traçou uma estratégia para transformar o vazamento da troca de mensagens atribuídas a ele em uma espécie de plebiscito dos que são contra e a favor da Lava Jato. Ontem, Moro voltou a enfatizar o trabalho da operação ao responder a perguntas sobre uma eventual candidatura à Presidência da República.

“Embora existam cegueiras ideológicas que às vezes turvam o nosso juízo, a grande maioria dos brasileiros, se não a totalidade, avalia o trabalho da Lava Jato positivamente, e percebe que queremos fazer a coisa certa dentro do governo, que queremos avançar”, disse o ministro, que não descartou a possibilidade de concorrer ao Planalto, mas ressaltou que “o candidato do governo será o presidente”.

Conforme supostos diálogos divulgados pela revista Veja, em parceria com The Intercept Brasil, Moro teria orientado procuradores da Lava Jato a anexar provas para fortalecer a parte acusatória em um dos processos da operação. O ministro afirma que não reconhece a autenticidade das mensagens atribuídas a ele, “obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente (mais informações nesta página)”.

Questionado sobre a publicação, Bolsonaro fez referência ao apoio popular. “Pretendo domingo não só ir assistir à final do Brasil com Peru, bem como, se for possível, se a segurança me permitir, irei com o Sérgio Moro junto ao gramado. E o povo vai dizer se nós estamos certos ou não”, afirmou o presidente após evento no Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília.

Quando o caso Moro veio à tona, no início do mês passado, Bolsonaro demorou para quebrar o silêncio e sair em defesa do seu ministro da Justiça. O gesto explícito de apoio foi feito justamente num estádio de futebol – o presidente levou Moro à arena Mané Garrincha, na capital federal, para assistir ao jogo entre Flamengo e CSA, pelo Campeonato Brasileiro.

Os dois vestiram camisas do time rubro-negro e foram saudados pela torcida.

Ruas. No domingo passado, atos convocados em defesa de Moro e da Lava Jato em dezenas de cidades brasileiras foram apoiados pelo presidente. “A população brasileira mostrou novamente que tem legitimidade, consciência e responsabilidade para estar incluída cada vez mais nas decisões políticas do nosso Brasil”, escreveu Bolsonaro no Twitter. Moro também usou a rede social para agradecer as manifestações nas ruas.

Ontem, em São Paulo, o ministro foi muito aplaudido ao participar de evento da XP Investimentos, cuja plateia era formada essencialmente por agentes do mercado financeiro. Entrevistado no palco, Moro respondeu com exaltação à Lava Jato a perguntas sobre uma eventual candidatura ao Planalto. O ex-juiz disse que a operação “foi um trabalho muito difícil”. “Até porque tem esses efeitos colaterais, com incremento progressivo da lista de inimigos”, afirmou, ressaltando que, em geral, a população vê o resultado como positivo.

Em relação a uma candidatura, o ministro declarou que não é sua pretensão e que “dificilmente” conseguirá “chegar com fôlego para esse tipo de situação”. “Acho absolutamente prematuro falar nesse assunto, mas, como já houve referência nesse sentido do próprio presidente, o candidato do governo será o presidente.”

A final da Copa América no Rio será a quinta vez que Bolsonaro irá a um estádio como presidente. Questionado sobre vaias durante o último jogo da equipe brasileira, no Mineirão, o presidente disse que o alvo era a seleção da Argentina. “Houve vaia quando a seleção da Argentina entrou. E aí jogaram a câmera para cima de mim. Queriam o quê?”

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Ex-juiz orientou procurador sobre prova, afirma revista

Breno Pires

Francisco Carlos de Assis

06/07/2019

 

 

Novos diálogos sugerem que o ex-juiz Sérgio Moro orientou procuradores da Operação Lava Jato a anexar provas com objetivo de fortalecer a parte acusatória em um processo. As supostas mensagens foram publicadas pela revista Veja, em parceria com o site The Intercept Brasil.

Em conversa pelo Telegram em abril de 2016, o procurador Deltan Dallagnol relatou à procuradora Laura Tessler que Moro o teria avisado da falta de uma informação na acusação contra Zwi Skornicki, representante de um estaleiro e apontado como operador do esquema na Petrobrás. No dia seguinte, segundo a revista, o Ministério Público incluiu comprovante de depósito de US$ 80 mil feito por Skornicki. Logo depois, Moro aceitou a denúncia e citou na decisão o documento pedido. Em outra mensagem, de junho de 2017, Moro teria questionado Dallagnol sobre possível delação do deputado cassado Eduardo Cunha (MDBRJ). Segundo a revista, o então juiz se disse contra a delação e que gostaria de ser informado.

Ontem, Moro negou irregularidades. “Eu mesmo absolvi essa pessoa, então, não é questão de parcialidade, mas, sim, de esquizofrenia”, disse. Em nota, afirmou que “não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos”.

A OAB pediu ao Coaf informações sobre eventual investigação das movimentações financeiras do jornalista Glenn Greenwald, editor do The Intercept Brasil. A entidade manifestou preocupação com o risco de violação dos direitos à liberdade de expressão e de imprensa.

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Presidente não compreende que o tempo dos césares passou

Carlos Melo

06/07/2019

 

 

A maior e a mais aparente aflição dos brasileiros se dá em torno da retomada do desenvolvimento econômico. Sem ele, continuam elevados os índices de desemprego e a crise social. Mas, desenvolvimento econômico depende da solidez de instituições que evitem incertezas; capazes de estabelecer pactos entre os mais distintos setores de uma sociedade naturalmente diversificada.

Instituições são impessoais, perenes, estáveis e estabelecem procedimentos gerais. São avessas ao personalismo, ao apelo populista, à tentação do diálogo direto que políticos pretensamente carismáticos busquem estabelecer com as massas – como na Venezuela, por exemplo. A sociedade moderna é democrática e não pode prescindir de instituições.

Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro parece não compreender isso. Não se “dobra” à realidade de instituições democráticas – baseadas na Constituição que, por sinal, eleito, prometeu defender. Insiste no voluntarismo de recorrer diretamente ao que entende como “o povo”, desqualificando instituições. Seu achado da vez consiste em submeter a si e ao seu ministro da Justiça ao julgamento das multidões nos estádios de futebol – como se ali estivesse toda a sociedade.

O tempo dos césares passou. De lá para cá, a humanidade viveu avanços: aperfeiçoou o convívio do poder com os cidadãos, estabeleceu regras e métodos por meio da “democracia representativa”, estabilizou relações. É isso que traz segurança, investimento, bem-estar. Fora disso, não há democracia; apenas a deturpação de seu conceito e o aprofundamento da crise.