Correio braziliense, n. 20478, 15/06/2019. Política, p. 3

 

Presidente critica o STF

Jorge Vasconcellos

15/06/2019

 

 

Bolsonaro classifica como "completamente equivocada" a decisão do Supremo de criminalizar a homofobia e diz que a Corte entrou na seara do Legislativo. Especialistas rebatem declarações do chefe do Executivo

O presidente Jair Bolsonaro criticou, ontem, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir, por oito votos a três, a aplicação da Lei do Racismo para punir criminalmente os atos de homofobia e transfobia — a medida não restringe nem limita a liberdade religiosa. O julgamento ocorreu na quinta-feira, na análise de duas ações que apontavam a omissão do Congresso em aprovar uma lei específica sobre o tema. Bolsonaro disse que a decisão é “completamente equivocada”.

“Prejudica o próprio homossexual essa decisão. Os homossexuais, agora, alguém vai dar um emprego? (o empregador) Vai pensar duas vezes antes: ‘Se der um problema aqui dentro, ele me acusa disso ou daquilo, o que vai acontecer, como fica a minha empresa?’”, afirmou o presidente.

Bolsonaro, ao utilizar uma situação hipotética, citou um homossexual interessado em alugar um quarto de hotel que, após ser informado de que o local está lotado, descobre que havia uma vaga. “Aí, o dono vai preso?”, questionou no presidente.

Ele também disse que, com a decisão, “o STF entrou na seara do Legislativo”. “Acho que o que mede a ineficiência de um Estado é a quantidade de leis. Quanto mais leis, pior é aquele Estado. E está se transformando em insuportável a nossa convivência no Brasil dadas essas decisões, com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal”, destacou. “Essa questão de tipificar a homofobia como se racismo fosse... inclusive o Supremo, no meu entender, entrou na seara penal, estão legislando. Eu acho que a bola está com o Legislativo, eu acho que o Legislativo vai tomar uma posição contra essa decisão do Supremo.”

De acordo com a determinação da Corte, estarão sujeitos à pena de um a três anos de prisão e multa os condenados por atos de homofobia e transfobia. Se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a sentença pode ser de dois a cinco anos de detenção, além de multa. A deliberação do STF valerá até que o Congresso aprove uma lei específica sobre o tema.

Além das críticas, Bolsonaro voltou a defender a presença de um evangélico na mais alta Corte do país, para, segundo ele, barrar a tramitação de ações como as duas julgadas na quinta-feira. “Acho completamente equivocado o que o Supremo fez ontem (quinta), aqui, por isso que falo do evangélico. O que é natural, poderia acontecer lá? O cara pede vista do processo e senta em cima dele”, declarou.

Interpretação

O advogado Gustavo Baiana — assessor jurídico da Associação Brasileiras de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), uma das autoras das ações julgadas pelo STF — afirmou que o presidente demonstra falta de conhecimento sobre a questão. “Primeiramente, porque o Supremo não legislou, e sim, deu interpretação constitucional a uma legislação já existente, seguindo os precedentes da própria Corte, de alargar o conceito de racismo no sentido do racismo social, inclusive indicando que a lei antirracismo é uma legislação aplicável até que o Congresso Nacional elabore uma legislação própria”, disse. Apesar da declaração de Gustavo Baiana, três ministros da Corte, embora considerem homofobia um crime, votaram contra as ações por entenderem que o tribunal não pode legislar.

“Soa estarrecedor que um chefe de Estado, em seu total desconhecimento da notória e mundialmente reconhecida diversidade social do nosso país e da gravidade de sermos um dos países que mais matam LGBTI’s, externalize tal declaração explicitamente discriminatória”, disse o deputado federal Túlio Gadelha (PDT-PE), 2º vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. “Soa ainda mais estranho que um chefe de Estado atente contra a regra de ouro da República, que garante a secularização do poder, separando o Estado da religião, e a independência e harmonia entre os Poderes.”

Projeto

Um projeto de lei de criminalização da homofobia foi aprovado, em maio, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, quando a análise do Supremo sobre duas ações sobre o tema já estava bem avançada.

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Demissão "política"

Vera Batista

15/06/2019

 

 

 

 

No café da manhã, ontem, com jornalistas, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que vai demitir o presidente dos Correios, general Juarez Cunha. “Ele foi à Câmara e se comportou como sindicalista, tirando até fotos com deputados do PT e do PSol”, justificou, numa referência à visita de Cunha ao Congresso, quando fez críticas ao processo de privatização da empresa. A decisão do chefe do Planalto foi encarada por analistas como um ato meramente político, que não resolverá os problemas da empresa.

Para o economista Cesar Bergo, sócio-consultor da Corretora OpenInvest, embora a privatização seja um caminho natural para os Correios, é preciso cautela e muito estudo. “A demissão do general foi somente pelo não alinhamento à política de governo, mas a privatização tem de ser detalhadamente discutida. Os Correios chegam a áreas estratégicas, onde nenhum outro órgão do Estado está”, afirmou. Ele avaliou que a empresa precisa de gestão eficiente, para que cresça, se capitalize e enfrente a concorrência internacional, porém, diante da crise fiscal do país, não há recursos para resgatar a estatal. “O dilema pode ser solucionado se o governo estiver disposto a abrir mão do que acarreta custo e manter o que não interessa à iniciativa privada.

O especialista em finanças públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, concordou que “a solução tem que ser muito bem pensada”. Os Correios, lembrou, têm apenas 8% das agências superavitárias. Segundo ele, até 2016, a empresa deu prejuízo da ordem de R$ 2 bilhões anuais, e teve problemas com o plano de saúde dos funcionários e com o Postalis (plano de previdência da categoria), que está quebrado e com vários gestores acusados de corrupção. “Na mudança de gestão, o general e o astronauta Marcos Pontes (ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) apoiaram publicamente a ideia dos funcionários de não privatizar, mas só Juarez Cunha foi dispensado, porque o governo se ofendeu com uma foto. Isso não é bom nem para o país nem para a empresa”, disse Castello Branco.

Por meio de nota, a assessoria dos Correios informou que não vai se pronunciar sobre a demissão do presidente, “pois não foi comunicada oficialmente”. Ressaltou, ainda, que a empresa tem 105 mil funcionários e que está dando lucro. “Há dois anos, tem balanço econômico-financeiro positivo. Em 2017, o lucro foi de R$ 667 milhões, e em 2018, de R$ 161 milhões”, destacou.