O Estado de São Paulo, n. 45970, 28/08/2019. Metrópole, p.A17

 

Bolsonaro tira foco de queimadas e sugere exploração de terra indígena

 

 

 

 

Julia Lindner

Mariana Haubert

Mateus Vargas

28/08/2019

 

 

 

Ambiente. Em reunião com governadores da Região Amazônica, ele indagou quanto do território de cada Estado está ‘inviabilizado’ por terras protegidas e criticou políticas de outros governos: ‘Se eu demarcar, pode ter certeza de que o fogo acaba em cinco minutos

 

Convocada para discutir queimadas e transmitida pelas redes sociais, a reunião de Jair Bolsonaro com governadores da Região Amazônica serviu ontem para o presidente da República reiterar a defesa da exploração econômica de terras indígenas e de áreas de preservação, o que ele tem feito desde a campanha eleitoral de 2018.

Bolsonaro disse que o encontro mostrou ao mundo “aonde chegamos com essa política ambiental, que não foi usada de forma racional”. Ele perguntou, ao fim da fala de cada governador, quanto do território do seu Estado estava “inviabilizado” por terras protegidas. Segundo Bolsonaro, muitas das reservas “têm aspecto estratégico que alguém programou”. A reunião com o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal ainda expôs uma divisão política entre os governadores . “Índio não faz lobby e consegue ter 14% do território nacional demarcado. Uma das intenções é nos inviabilizar”, disse Bolsonaro. Os governadores de Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Tocantins concordaram com o presidente no sentido de que é preciso haver formas de estimular a produção nessas terras.

Conforme Bolsonaro, há pressão internacional nessa área. “Se eu demarcar agora, pode ter certeza de que o fogo acaba em cinco minutos”, afirmou. Ele já havia insinuado que organizações não governamentais (ONGs) poderiam ser responsáveis pelas queimadas, mas não apresentou provas.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o País tem 462 terras indígenas no Brasil, 54% delas na Região Norte. Conforme Bolsonaro, há 498 pedidos de demarcação no Ministério da Justiça. E afirmou que a ideia do governo é rejeitar, mas ouvirá os Executivos estaduais.

O discurso foi apoiado por aliados, como o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), correligionário de Bolsonaro. Ele afirmou que o Estado tem sido penalizado nos últimos 30 anos por políticas indigenistas e ambientais. Disse ainda que 95% da vegetação nativa de Roraima está preservada, mas pediu ajuda para combater ações ilegais.

O presidente afirmou que essa “indústria da demarcação de terras” ocorreu logo após o governo José Sarney (MDB), na década de 1990, e citou como principal ação da época o estabelecimento das terras dos ianomâmis pelo governo Fernando Collor. Elas ocupam hoje áreas do Amazonas e de Roraima.

O Conselho Indigenista Missionário, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reagiu, divulgando nota em que afirma que o presidente “insiste na mentira e na sorrateira tergiversação” ao tratar da questão indígena, mantendo “atitude incendiária e de repugnante agressividade aos povos originários e aos seus direitos de existência digna”. O Instituto Socioambiental (ISA) lamentou “as declarações cínicas do presidente”. Segundo o ISA, há 4.332 requerimentos para exploração do subsolo em um terço das áreas indígenas registrados na Agência Nacional de Mineração, incluindo os Parques de Tumucumaque (AP e PA), Araguaia (TO) e Aripuanã (MT).

Ainda ontem, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite exploração agropecuária e florestal em terras indígenas, a chamada PEC do Índio. O texto vai a plenário.

 

Solicitações. O presidente disse que até amanhã o governo deve apresentar medidas em resposta aos governadores. Também se estudam reuniões por Estado. Mas Bolsonaro não deixou claro se a proposta seria só para combater incêndios ou se avançará sobre mudanças na legislação, incluindo áreas de terras indígenas. / COLABORARAM BRUNO RIBEIRO e CAMILA TURTELLI

 

PARA ENTENDER

Nove Estados na Amazônia Legal

A Amazônia Legal é uma área formada por nove Estados e abrange toda a Região Norte, partes do Centro-Oeste e do Nordeste. São 5 milhões de quilômetros quadrados ou 59% de todo o País. O conceito foi criado em 1953 para que o governo planejasse o desenvolvimento econômico da área de forma integrada. Na década seguinte, foram criados órgãos como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e o Banco da Amazônia. Fazem parte Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão.