O Estado de São Paulo, n. 45970, 28/08/2019. Política, p.A8

 

STF anula sentença de Moro na Lava-Jato

 

 

 

 

Rafael Moraes Moura

28/08/2019

 

 

Segunda Turma da Corte vê cerceamento de defesa e derruba condenação de Bendine

 

Por 3 a 1, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal derrubou ontem decisão do ex-juiz Sérgio Moro que condenou o ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine a 11 anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Bendine foi sentenciado por Moro em março de 2018. Foi a primeira condenação determinada pelo então juiz anulada pelo STF desde o início da Lava Jato, em 2014. A maioria dos ministros da Segunda Turma acolheu a argumentação da defesa de Bendine, de que ele foi obrigado por Moro a entregar sua defesa ao mesmo tempo em que delatores da Odebrecht apresentaram suas acusações finais. Para os advogados, isso representou cerceamento de defesa, por impedir que o executivo rebatesse as acusações de delatores no fim do processo.

O julgamento abre brecha para que outros condenados na Lava Jato acionem o STF para rever condenações com base no mesmo argumento: o direito de entregar manifestações de defesa após o envio dos memoriais dos delatores. No entanto, o entendimento da Segunda Turma no caso de Bendine não deve ser replicado automaticamente em outros processos, que terão de ser analisados caso a caso pelos ministros da Corte.

“O direito de a defesa falar por último decorre do direito normativo. Réus delatores não podem se manifestar por último em razão da carga acusatória que permeia suas acusações. Ferem garantias de defesa instrumentos que impeçam o acusado de dar a palavra por último”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, que abriu a corrente favorável a Bendine.

 

Primeira instância. Em junho, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região manteve a condenação de Bendine, mas diminuiu a pena para 7 anos, 9 meses e 10 dias. Com a decisão agora da Segunda Turma, o processo do executivo retornará à primeira instância em Curitiba. Bendine está em liberdade desde abril deste ano, mas estava perto de voltar à prisão para cumprir a sua pena – estava pendente de análise um recurso no TRF-4.

O ministro Gilmar Mendes atacou a atuação de Moro. “A ‘República de Curitiba’ nada tem de republicana, era uma ditadura completa. Assumiram papel de imperadores absolutos”, disse Gilmar.

O julgamento marcou a primeira vez em que Cármen Lúcia divergiu do relator da Lava Jato, Edson Fachin – o único a votar pela manutenção da prisão –, considerando os principais casos analisados pela atual composição da Segunda Turma mapeados pelo Estadão/Broadcast.

Para o advogado Alberto Zacharias Toron, defensor de Bendine, a importância da decisão estaria em “resgatar, de um lado, o valor do habeas corpus para resguardar a legalidade da ação penal e, de outro lado, a amplitude do direito de defesa”. Procurada, a assessoria de Moro informou que o ministro da Justiça não se manifestaria.

 

‘Preocupação’. Em nota, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba falou em “imensa preocupação” com a decisão da Segunda Turma do Supremo. “Os ministros estabeleceram uma nova interpretação que, se for aplicada como nova regra, vai alterar entendimentos pacíficos sobre princípios como o da ampla defesa”, afirmou. “Se o entendimento for aplicado nos demais casos da Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de crimes e libertação de réus presos.” / COLABORARAM LUIZ VASSALLO e RICARDO BRANDT