Valor econômico, v.19, n.4684, 06/02/2019. Política, p. A7

 

Minuta prevê ajuste mais pesado para o funcionalismo 

Ribamar Oliveira 

06/02/2019

 

 

A minuta de uma proposta de reforma da Previdência Social elaborada pelo governo, e que vazou anteontem para a imprensa, é mais leve para os trabalhadores da iniciativa privada e mais dura para os servidores públicos do que a proposta original apresentada pelo ex-presidente Michel Temer, em dezembro de 2016.

Temer propôs idade mínima para requer aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres, com a regra valendo para todos, incluindo trabalhadores rurais e professores. A minuta manteve os 65 anos para homens e mulheres, mas propõe a idade mínima de 60 anos para professores e trabalhadores rurais.

Além disso, a proposta de Temer previa um mínimo de 25 anos de contribuição para se ter direito ao benefício de aposentadoria, enquanto a minuta estabelece 20 anos para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e 25 anos somente para os servidores. Para obter 100% do valor do benefício da aposentadoria, o trabalhador do RGPS teria que contribuir durante 49 anos, segundo a proposta de 2016, e por 40 anos, de acordo com a minuta.

A regra que torna a minuta muito dura em relação aos servidores civis, ativos, inativos e pensionistas, incluindo os militares, é o dispositivo que determina a criação de contribuições extraordinárias, além da contribuição previdenciária normal, destinadas a equacionar o déficit atuarial do RPPS e dos militares.

Se a minuta fosse aprovada pelo Congresso, os servidores civis e militares teriam que arcar com os déficits de seus regimes. A cobertura do déficit não seria mais feita pelo Tesouro, como ocorre hoje. Em outras palavras, o custo do ajuste não poderia ser repassado a toda sociedade.

A minuta não esclarece qual o montante do déficit atuarial que teria de ser coberto com as contribuições extraordinárias. Para se ter uma ideia, apenas o déficit atuarial do RPPS dos servidores civis da União superava R$ 1 trilhão, enquanto que o dos RPPS estaduais superava R$ 2 trilhões, de acordo com estudo de 2016, elaborado pelo economista Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A proposta de Temer desvinculava os benefícios de prestação continuada (BPC) do salário mínimo, o que foi mantido pela minuta. Assim, em ambas as propostas, os benefícios destinados aos idosos e aos deficientes físicos poderiam ser inferiores ao piso salarial. Os valores seriam definidos em lei posterior. A minuta estabelece, no entanto, que até que a lei seja aprovada, o benefício seria de R$ 1 mil para o deficiente físico, R$ 500 para o idoso com 55 anos ou mais e de R$ 750 para idoso com 65 anos ou mais.

No caso do idoso, a proposta original de Temer previa que a idade para acesso ao benefício passaria de 65 anos para 70 anos. A mudança seria feita de forma gradual, com o aumento de um ano de idade após o transcurso de dois anos. A minuta mantém a idade de 65 anos para o pagamento do benefício ao idoso.

A proposta de Temer e a minuta preveem mudança na pensão por morte, com o valor do benefício não sendo mais o mesmo da aposentadoria. O benefício seria de 50% da aposentadoria, acrescido de 10% para cada dependente, até o limite de 100%.

Uma diferença significativa entre as duas é que a proposta de Temer proibia o acúmulo de aposentadoria com pensão, enquanto que a minuta vazada permite o acúmulo dentro de certos limites. A minuta prevê que o abono salarial será pago apenas para os trabalhadores que ganham até um salário mínimo, o que não consta da proposta de 2016.

A proposta original de Temer foi sendo desidratada durante as discussões na Câmara dos Deputados. Muitas regras foram amenizadas, com a idade mínima passando para 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Para viabilizar a aprovação da reforma, o governo do ex-presidente aceitou retirar da proposta mudanças nas regras dos trabalhadores rurais e do BPC.

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Maia fala em aprovar reforma em maio 

Fábio Pupo 

Marcelo Ribeiro 

06/02/2019

 

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que ele e governo terão como "desafio" garantir a aprovação da reforma da Previdência na casa em um prazo de dois meses. Ele estima que, a partir daí, a proposta seja encaminhada ao Senado e votada pelos colegas até julho. Apesar disso, Maia ressaltou que a principal preocupação não é o tempo, mas sim a obtenção de votos necessários para aprovar a emenda constitucional, que poderia gerar uma economia calculada em R$ 1 trilhão aos cofres públicos, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em suas declarações após se reunir com Guedes, Maia colocou-se ao lado do governo ao afirmar que vai "ajudar o ministro" na discussão sobre a Previdência e ao defender a reforma como "fundamental". "Nosso problema é garantir em dois meses que a reforma da Previdência tenha 320 ou 330 deputados a favor. Esse é nosso desafio. Esperamos que, com apoio de prefeitos e governadores e dialogando com todos os partidos, consigamos construir um texto que atenda a todos os poderes da federação", disse Maia.

Para aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC), o governo precisa obter 308 votos em plenário. Antes disso, no entanto, o texto precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) - onde pode ficar de três semanas a 45 dias, nos cálculos de Maia. "São cinco sessões para apresentar emenda na CCJ e mais duas sessões de vista. Em três semanas, se for bem organizado, você tira da comissão. E em no máximo 45 dias você pode tirar", disse. Além disso, o texto precisa passar por uma comissão especial.

O início do ano legislativo pode acabar acelerando o processo da reforma. A interpretação de Maia é que, como há mais parlamentares estreantes, o número de sessões com quórum tende a aumentar. "Como tem muito deputado novo chegando, vamos voltar a ter quórum na segunda e na sexta, o que eu não tínhamos nos últimos dois anos", disse.

Maia chegou a mencionar como possível uma aprovação na Câmara até maio, mas evitou se comprometer com um prazo afirmando que a aprovação dependerá dos votos. "Nosso problema não está no regimento, mas em não ter votos. O que tínhamos de problema no governo do presidente Michel Temer é que em determinado momento não tínhamos maioria para a Previdência", disse. "Não estou entendendo porque essa preocupação nossa com o tempo. O tempo é da [obtenção da] maioria. Nosso problema não é de prazo", disse.

Guedes também fez comentários sobre a reforma. Segundo ele, o governo busca uma economia de R$ 1 trilhão aos cofres públicos em dez anos. Segundo ele, no entanto, há "duas ou três" versões alternativas da proposta e essa economia pode ser alcançada em prazos maiores dependendo do texto final - em 15 ou 20 anos, dependendo da simulação.

De qualquer forma, Guedes disse que a palavra final será do presidente Jair Bolsonaro - que deve vetar idades mínimas iguais para homens e mulheres "A posição de Bolsonaro é que mulheres tenham idade menor. E a palavra final é do presidente. Saindo da cirurgia, ele olha [e diz] 'isso aqui sim, isso aqui não'. Ele tem o cálculo político dele. Estamos calibrando", disse.

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Governo mandará nova PEC para Previdência 

Raphael Di Cunto 

Fabio Graner 

Edna Simão 

Marcelo Ribeiro 

06/02/2019

 

 

O governo decidiu que enviará uma nova proposta de emenda constitucional (PEC) para a reforma da Previdência e não usará mais o projeto do ex-presidente Michel Temer, segundo fontes. A mudança deve atrasar a tramitação do texto-cuja versão final será definida após o retorno do presidente Jair Bolsonaro- em alguns meses em relação à expectativa inicial da equipe econômica.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avisou que não aceitará apensar a nova PEC à proposta de Temer, aprovada na comissão especial e que ficou paralisada no plenário. Essa manobra, que contraria o regimento da Câmara, poderia judicializar a discussão. Para usar a PEC de Temer, seria preciso fazer adequações ao texto com as emendas já protocoladas e não poderia ser criado texto novo - o que o atual governo pretende fazer, com mudanças no abono e a criação do regime de capitalização.

Com a decisão de encaminhar uma nova PEC, a reforma terá que passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por uma comissão especial. A proposta de Temer, um governo reconhecidamente hábil com o Congresso, levou quatro meses para superar essas fases,e mais um mês de negociações antes da primeira tentativa de votar no plenário.

Além da busca por uma tramitação rápida, há preocupação na área econômica de que seja aprovado um texto visto como relevante tanto pelo mercado financeiro e pelo empresariado, de modo a garantir um ciclo de investimento. Um interlocutor do ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o piso para negociações é o texto aprovado por Temer na comissão especial. A visão é que, se for menos que isso, a reação do mercado será ruim e comprometerá a recuperação da economia.

Para a equipe econômica, a tramitação em duas comissões fará o processo durar mais de três meses na Câmara, apesar das declarações de Maia de que, se houver votos, poderia se aprovar em dois meses. Segundo uma fonte, a Casa Civil organiza a estratégia para conseguir apoio para a reforma, com um esforço de convencimento dos governos estaduais e municipais e apoio dos líderes partidários, com uma liberação mais eficiente das emendas parlamentares.

Nos bastidores, há um reconhecimento que, se Rodrigo Maia não atuar para no mínimo apressar o rito de tramitação da nova PEC, há risco de a aprovação da reforma na Câmara se alongar e o texto final ficar para o segundo semestre. Depois, o texto ainda terá de ir ao Senado, onde deve ser examinada em menos tempo.

Segundo relato de pessoas próximas, o relator da PEC do governo Temer, deputado Arthur Maia (DEM-BA), não conseguiu esconder ontem o desapontamento, durante reunião com o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, ao saber que eram pequenas as chances de sua proposta ser aproveitada. Arthur Maia teria afirmado ser um "erro" o governo não aproveitar parte de sua proposta para ganhar tempo na tramitação do projeto e que optar por esse caminho seria "condenar" a sociedade a esperar pela reforma por pelo menos mais um ano.

O vazamento de uma minuta de reforma ampla na segunda-feira não só precipitou a decisão de enviar uma nova PEC, mas também mostrou que há muita gordura a ser queimada nas negociações com os parlamentares. O problema para o ministro Paulo Guedes é que parte desse lastro já deverá ser jogado fora internamente no governo, como a idade mínima igual de 65 anos para homens e mulheres, que constava da minuta e que já foi atacada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que disse também que o presidente Jair Bolsonaro não aceita a ideia.

Segundo uma fonte, o texto mais duro seria para "queimar" uma gordura com o próprio Bolsonaro, que já defendeu idade mínima menor que os 65 anos.

Outro ponto que pode ser alterado antes de o texto ir ao Congresso é a ideia de dar benefícios desvinculados do salário mínimo para pessoas de menor renda ou com deficiência física. É alvo de controvérsia dentro do próprio governo. Há dúvidas na área jurídica do governo sobre se isso não seria judicializado, dada previsão de recebimento de valores inferiores ao mínimo. E, se for adiante no governo, o tema ainda terá que ser encarado pelos parlamentares e é tratado como um dos "bodes" a serem retirados da sala durante a tramitação do texto.

A área econômica atribui o vazamento de uma das versões da reforma a reações corporativas ao texto. Há fontes que apontam inclusive para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), onde estariam alguns insatisfeitos com regras que seria propostas - o texto que circulou, por exemplo, obriga que os servidores públicos que entraram antes de 2003 e quiserem aposentadoria igual ao salário da ativa teriam que cumprir a idade mínima de aposentadoria, sem regra de transição.

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Porta-voz diz que Bolsonaro e ministros estão em 'sinergia'

Silvia Amorim

Carla Araújo

Andrea Jubé 

06/02/2019

 

 

Um dia depois de vir a público uma minuta da reforma da Previdência Social que expôs divergências entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros afirmou que o presidente está analisando o texto final da proposta em absoluta "sinergia" com seus ministros. Rêgo Barros acrescentou que Bolsonaro está se empenhando em apresentar o projeto "no menor prazo possível". Ontem o vice-presidente Hamilton Mourão disse que a palavra final de Bolsonaro sobre o texto definitivo da reforma pode sair na segunda semana de fevereiro.

"O presidente está avaliando os pontos da Previdência que serão elencados para análise do Congresso em sinergia com os ministros envolvidos no tema", disse o porta-voz, após visitar Bolsonaro no Hospital Albert Einstein.

"O processo decisório de um tema tão relevante exige muita análise e ponderação, ele [o presidente] compreende a importância do 'timing' dessa apresentação e está trabalhando para que isso possa ser feito no prazo menor possível", assegurou.

Ontem Hamilton Mourão reiterou que Bolsonaro não é favorável a igualar a idade mínima na reforma da Previdência para homens e mulheres. Ele destacou que a ideia do presidente é distinta daquela defendida por Paulo Guedes, e salientou que vai prevalecer a voz do "presidente eleito".

"Na visão dele [Guedes], é todo mundo igual. Não é isso que se busca hoje, a igualdade?", questionou, em tom de ironia. E depois reforçou: "O presidente não concorda". Mourão, que coordenou ontem pela segunda vez a reunião ministerial no Palácio do Planalto, reiterou que a minuta da reforma da previdência que foi divulgada pela imprensa ainda não é a final.

Questionado se vislumbrava algum tipo de conflito por conta da diferença de pensamento entre o ministro, que foi chamado por Bolsonaro de "posto Ipiranga", e o presidente, Mourão negou. "O decisor [sic] é ele: o presidente, ele que foi eleito, nós aqui somos atores coadjuvantes".

O vice-presidente disse ainda que o texto final da reforma só será fechado com o retorno de Bolsonaro, que pode se dar na semana que vem. "Acredito que ele vai dar a decisão na segunda semana de fevereiro e ai deve ser enviada ao Congresso", completou.

A minuta que veio a público na segunda-feira, com uma versão da reforma da Previdência, fixa em 65 anos a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres. A proposta também acaba com a vinculação dos benefícios assistenciais ao valor do salário mínimo, endurece as regras para recebimento do abono salarial e reduz o valor das pensões por morte. Desde quando a reforma do ex-presidente Michel Temer foi enviada, Bolsonaro defendia no plenário da Câmara que a idade mínima de aposentadoria das mulheres deveria ser inferior à dos homens.

A saúde de Bolsonaro evolui favoravelmente. Ontem, o presdiente começou a ingerir líquidos. Mas, por recomendação médica, foi orientado a manter-se em repouso e sem a visita de ministros no hospital. Ontem estava prevista a visita do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que adiou a viagem diante da recomendação dos médicos. (* O Globo)