O Estado de São Paulo, n. 45972, 30/08/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro e Moro fazem gesto de trégua no Planalto

Julia Lindner

Mateus Vargas

Tãnia Monteiro

30/08/2019

 

 

Governo. Após desgastes causados por nomeações e ameaça de demissão de chefe da Polícia Federal, presidente se refere ao ministro da Justiça como 'patrimônio público'

Numa espécie de ato público de desagravo após desentendimentos recentes, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, participaram ontem, lado a lado, de evento no Palácio do Planalto para lançar uma série de medidas na área de segurança. Em seu discurso, o presidente se referiu ao auxiliar – que chegou a ter o status de “superministro” – como “patrimônio nacional”.

O primeiro sinal de reaproximação ocorreu logo no começo do evento. Anunciado pelo cerimonialista, Moro atrasou sua descida pela rampa do Planalto que leva ao salão do evento para acompanhar Bolsonaro. Na rampa, os dois se abraçaram e foram aplaudidos. Depois, sentaram um ao lado do outro. Os demais ministros desceram até o local separadamente.

“Obrigado, Sérgio Moro. Vossa Senhoria abriu mão de 22 anos de magistratura não para entrar em uma aventura, mas para entrar na certeza de que todos nós juntos podemos, sim, fazer melhor pela nossa pátria”, disse Bolsonaro no discurso. O presidente afirmou, mais de uma vez, que os ministros têm “liberdade”. “Eles devem satisfação a vocês, povo brasileiro. Eles têm uma coisa importante: iniciativa. Têm essa liberdade de buscar soluções ao nosso Brasil.”

Moro também fez acenos ao presidente. Afirmou que o programa lançado ontem foi desenvolvido com orientações de Bolsonaro. “É certo que não devemos ignorar esforços que governadores e prefeitos estão fazendo, mas é inegável o mérito do governo federal e do presidente Jair Bolsonaro”, disse ele.

Desgaste. O gesto público de trégua destoa do tom adotado por Bolsonaro nos últimos dias em relação a Moro. O desgaste entre os dois começou após o presidente anunciar, no dia 15, a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio por “questão de produtividade”. A declaração surpreendeu a cúpula da PF que, horas depois, em nota, contradisse o presidente ao afirmar que a substituição já estava planejada e não tinha “qualquer relação com desempenho”.

Nos dias seguintes, Bolsonaro subiu o tom. Declarou que “quem manda é ele” e que, se quisesse, trocaria o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, nome de confiança de Moro. Internamente, as “ameaças” do presidente foram vistas como tentativa de interferência no órgão responsável por investigações.

O evento de ontem estava previsto na agenda de Valeixo, mas o diretor da PF não foi ao Planalto.

Ainda na semana passada, o presidente chegou a responder irritado a um comentário de internauta de que ele não poderia abandonar Moro. A mensagem dizia: “Jair Bolsonaro, cuide bem do ministro Moro. Você sabe que votamos em um governo composto por você, ele e o Paulo Guedes (ministro da Economia)”. Em resposta, escreveu: “Todo respeito a ele (Moro), mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia”.

Numa tentativa de contornar a situação, Bolsonaro e Moro se reuniram na terça-feira, fora das agendas. Conforme revelou o Estado, no encontro falou-se em uma “rede de intrigas” que teria como objetivo desgastar a relação entre os dois. Horas depois, o ministro abriu evento da PF no qual reiterou compromisso do governo com o combate à corrupção e elogiou Valeixo, ameaçado de demissão por Bolsonaro. Mais tarde, trocaram elogios pelas redes sociais. Moro reafirmou que Bolsonaro está comprometido com o fim da corrupção. O presidente respondeu: “Vamos, Moro!”.

Fontes próximas a Bolsonaro disseram que, antes da reaproximação, ele havia se incomodado com a resistência de Moro a atender sugestões para a troca de postos-chave na PF. Os dois lados sempre negaram, contudo, que a relação estivesse estremecida. Presidente e ministro afirmaram ainda a pessoas próximas que a saída do titular da Justiça seria ruim para o governo e o próprio Moro. Apesar da trégua, o Estado apurou que Bolsonaro não desistiu de mexer em cargos da PF.

O programa lançado ontem prevê a união das forças de segurança municipal, estadual e federal para combater a violência urbana. O projeto-piloto será feito em cinco cidades: Ananindeua (PA), Paulista (PE), Cariacica (ES), São José dos Pinhais (PR) e Goiânia (GO).

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Amizade por conveniência

Marco Aurélio Nogueira

30/08/2019

 

 

No momento em que é mais forte o cerco à Lava Jato, com ações cruzadas provenientes do Congresso, do STF e do próprio presidente da República, chama atenção a troca de gentilezas entre Sérgio Moro e Jair Bolsonaro. Não será novidade se a temperatura baixar. Bolsonaro necessita do prestígio e da popularidade de Moro para tentar reduzir o efeito das pesquisas que mostram uma piora na avaliação do governo, e Moro não terá como respirar sem o apoio presidencial, importante para reduzir o impacto das decisões do STF sobre a Lava Jato e do Congresso sobre o pacote anticrime ou a Lei de Abuso.

O abraço entre eles, porém, está sustentado por conveniências. Nada garante que o fogo não voltará a arder mais à frente. Bolsonaro já demonstrou que fará tudo para proteger os filhos e seus negócios. Sua postura de combate à corrupção virou mera promessa de campanha. Moro não poderá largar a bagagem acumulada durante seus anos de juiz. Ele somente se tornou campeão de popularidade por causa da Lava Jato. Sem ela, ficará sem rumo. Se o bolsonarismo enquadrar o governo, arquivando a agenda anticorrupção, Moro será um peão a ser sacrificado.

Amizades por conveniência são usuais em política. Bolsonaro pode já ter sugado todo o sangue de Moro. Um ministro da Justiça exangue e extenuado talvez agrade aos projetos políticos do presidente, mas com certeza não trará qualquer benefício a seu governo.

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Presidente afirma que Doria 'mamou' em governos do PT

Mateus Vargas

30/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, ao se referir à compra de aviões com financiamento do BNDES, que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), “estava mamando” no governo do PT. A afirmação foi feita durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais.

“João Doria comprou também? Explica isso aí. Só peixe, amigão do Lula e da Dilma. Vejo Doria falando ‘minha bandeira jamais será vermelha’. É brincadeira. Quando estava mamando, a bandeira lá, a bandeira era vermelha, com foiçasso (sic) e um martelo, sem problema nenhum, né?”, afirmou.

O presidente também ironizou o empresário e apresentador Luciano Huck. “Já apareceu aquela galerinha da compra do avião com 3%, 3,5% (de juros) ao ano. Luciano Huck, que teta hein? Sou o último capítulo do caos? Não foi ilegal a compra (de Huck), reconheço, mas só pra peixe”, disse Bolsonaro.

Em 19 de agosto, cinco dias depois de Huck ter dito que “estamos vivendo o último capítulo do que não deu certo”, o BNDES divulgou lista de 134 empresas que contrataram financiamento do banco entre 2009 a 2014 para compra de jatos da Embraer. Entre elas está a Brisair, do apresentador, que obteve empréstimo de R$ 17 milhões em 2010. Aparecem na lista também empresas ligadas a Doria – que, via Doria Administração de Bens, financiou R$ 44 milhões em 2010. Bolsonaro disse que os dados são da “caixapreta do BNDES”.

O governo paulista afirmou que não houve irregularidades no financiamento. “A Embraer vendeu dezenas de jatos para empresas brasileiras e estrangeiras com financiamento do BNDES, gerando empregos e impostos para o Brasil. Nada errado nisto”, diz a nota. Huck declarou que o empréstimo foi “transparente, pago até o fim, sem atraso”. “Foi feito por meio de um contrato absolutamente legal, sem vício, vantagem ou privilégio.”