Correio braziliense, n. 20479, 16/06/2019. Política, p. 3

 

Moro questiona veracidade   

 

 

 

 

 

16/06/2019

 

 

 

Vazamento » Ministério da Justiça, em nota, diz que "não reconhece a autenticidade" das mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil e ressalta a necessidade de o "suposto material, obtido de maneira criminosa", ser entregue para certificação

O Ministério da Justiça afirmou ontem que não confirma a veracidade das mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, que sexta-feira divulgou novos trechos de diálogos atribuídos ao ministro da pasta, Sérgio Moro, e procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato.

Por meio de nota, a pasta declarou que “não reconhece a autenticidade e não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas”. O ministério reitera “a necessidade de que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada.”

De acordo com as últimas mensagens divulgadas, o ex-juiz federal pediu aos procuradores em Curitiba que divulgassem uma nota à imprensa para responder ao que chamou de “showzinho” da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e apontar “contradições” do petista, após o depoimento prestado por ele no caso do triplex do Guarujá (SP).

O pedido, de acordo com o site, foi feito por Moro ao então procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima na noite de 10 de maio de 2017 — mesmo dia do depoimento prestado por Lula. O vídeo da audiência foi divulgado por decisão do próprio Moro, então magistrado da 13ª Vara da Justiça Federal no Paraná.

Os supostos diálogos, que envolvem também mensagens do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba, mostram que os procuradores acataram a sugestão do atual ministro para tirar o foco de Moro e protegê-lo. Segundo o site, as conversas ocorreram por meio do aplicativo Telegram e foram enviadas por fonte anônima.

Na sexta-feira, em nota publicada em rede social, o procurador Carlos Fernando Santos Lima afirmou desconhecer “completamente as mensagens citadas” pelo site. “(...) Acreditando singular que o ‘órgão jornalístico’ volte-se agora contra mim, aparentemente incomodado pelas críticas que tenho feito ao péssimo exemplo de ‘jornalismo’ que produz”, escreveu ele.

Invasão

Tanto Moro quanto alguns procuradores do MPF, entre eles Dallagnol, relataram à Polícia Federal que seus aparelhos celulares foram invadidos por hackers. O caso está sob investigação da PF. Para os advogados de defesa de Lula, as primeiras mensagens divulgadas pelo site sobre as supostas conversas entre Moro e Dallagnol, no último domingo, mostram “completo rompimento da imparcialidade objetiva e subjetiva” no julgamento do ex-presidente pelo então juiz federal.

Em entrevista publicada pelo jornal Estado de São Paulo, Moro afirmou que o país está diante de “um crime em andamento” promovido por uma organização criminosa profissional e que ele não vai se afastar do cargo. Segundo o ministro, não há riscos de anulação do processo do triplex do Guarujá, que levou à condenação e prisão do ex-presidente Lula.

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Confiança 100% só nos pais

16/06/2019

 

 

 

Um dia após novos vazamentos de conversas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, reveladas pelo The Intercept Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que o ex-juiz foi responsável por “por buscar uma inflexão na questão da corrupção”. “O Moro foi responsável, não por botar um ponto final, mas por buscar uma inflexão na questão da corrupção, e mais importante: livrou o Brasil de mergulhar em uma situação semelhante à da Venezuela”, afirmou o presidente nesta sexta-feira.

Questionado se confia no ministro, ele disse que sim, mas que confiar 100%, “só em pai e mãe”. “Eu não sei das particularidades da vida do Moro. Eu não frequento a casa dele. Ele não frequenta a minha casa por questão até de local onde moram nossas famílias. Mas, mesmo assim, meu pai dizia para mim: confie 100% só em mim e na mãe”, disse.

Sobre a permanência do ministro no cargo, o presidente disse que “ninguém é inabalável” e se lembrou da demissão do general Santos Cruz, que deixou a Secretaria de Governo nesta semana. Bolsonaro afirmou que muita gente se surpreendeu com a demissão do general. “Isso pode acontecer. Muitas vezes, você se surpreende com a separação de um casal: ‘Mas viviam tão bem!’. Mas a gente nunca sabe qual a razão daquilo. E é bom não saber. Que cada um seja feliz da sua maneira”, afirmou.

Frase

“Eu não sei das particularidades da vida do Moro. Eu não frequento a casa dele. Ele não frequenta a minha casa. Mas, mesmo assim, meu pai dizia para mim: confie 100% só em mim e na mãe”

Jair Bolsonaro, presidente

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Sinal amarelo para celulares

16/06/2019

 

 

 

“Telefone só serve para marcar reunião em lugar errado.” A frase citada pelo deputado João Roma (PRB-BA), vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, funciona como “mantra” para alertar que não se deve usar o telefone para passar informações “quentes”, mas para despistar possíveis tentativas de grampo. “Sigo esse ensinamento do ex-presidente Tancredo Neves quando tenho de tratar de algo pessoal ou delicado.”

O deputado não está sozinho. O vazamento de diálogos envolvendo autoridades acendeu uma luz amarela na Praça dos Três Poderes. No Congresso, a ação básica agora é a ativação da “confirmação em duas etapas” nos aplicativos de mensagens, o que confere maior segurança às conversas. Dentro do Planalto, o Gabinete de Segurança Institucional baixou ordem para que se usem aparelhos criptografados oferecidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Já no Supremo Tribunal Federal, um integrante da Corte ouvido reservadamente pela reportagem disse que não dá mais para encarar o WhatsApp como um aplicativo privado, mas, sim, como um “alto-falante” que espalha conteúdo abertamente. Em Brasília, muitos têm migrado para o aplicativo de mensagens privadas Signal, considerado, por ora, o mais seguro da categoria.

O clima é de vigilância constante. Deputados e senadores que não se atentavam para questões de segurança digital passaram a buscar medidas para garantir privacidade no mundo virtual. Na semana passada, termos como “reforma da Previdência” e “crédito suplementar” deram lugar a “confirmação em duas etapas” e “criptografia”.

O fato de ainda não haver registro de ataques a aparelhos funcionais do Legislativo não evitou que aumentasse a busca de parlamentares pelo setor de tecnologia da Casa, atrás de auxílio técnico e pedidos de varreduras, para verificar se seus aparelhos estão grampeados. Para Roma, “essas arapongagens e fake news” são coisas antigas na política. “Mudam apenas os meios tecnológicos.”

Há quem se prepare contra invasões há tempos, como o deputado e líder do MBL Kim Kataguiri (DEM-SP). Para ele, a adoção de duas senhas não é suficiente para evitar a ação de hackers. “Criptografo todos os dados do celular, pago antispyware”, disse, citando programa que detecta “espiões”.

No Planalto, os aparelhos celulares criptografados fornecidos pelo GSI não conquistaram usuários ilustres. A ideia era que ministros e o presidente Jair Bolsonaro tivessem uma comunicação mais segura, mas os telefones só falam entre si e não têm muitas funcionalidades. Por isso, não ganhou muitos adeptos.

No Supremo e na Procuradoria-Geral da República, a atenção foi redobrada. “Imaginem, Vossas Excelências, se algum de nós perde o celular”, disse o ministro do STF Ricardo Lewandowski. É prática dentro do STF não fazer ligações por linhas telefônicas, mas chamadas de áudio via WhatsApp, consideradas mais seguras.

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Lava-jato recuperou R$ 6 bilhões

 

 

Renato Souza

Jorge Vasconcellos

16/06/2019

 

 

 

A Operação Lava-Jato, há cinco anos desmontando esquemas de corrupção perpetuados na cúpula dos poderes Executivo e Legislativo, se tornou uma ação de Estado, mais que de governos. Após 429 denúncias e 159 condenações judiciais, os resultados da operação são robustos e dão a dimensão da investigação, que ganhou o nome por ter começado em um lava-jato localizado no Posto da Torre, em Brasília. Até o momento, com 61 fases, já foram recuperados R$ 6 bilhões aos cofres públicos. No entanto, levando em consideração acordos de cooperação, contratos de leniência e multas judiciais aplicadas a empresas e pessoas envolvidas, em alguns anos, esse valor pode chegar a R$ 14 bilhões.

A principal empresa beneficiada pelas diligências é a Petrobras, que foi sangrada por executivos que usaram a estrutura da companhia para beneficiar partidos, obter benefícios pessoais e perpetuar um esquema bilionário de desvios, lavagem de dinheiro e pagamento de propina. Além disso, a Lava-Jato desvendou esquemas complexos em outras empresas e empreendimentos públicos.

A corrupção que afetou as obras da usina de Angra 3, no Rio de Janeiro, por exemplo, impressionou os agentes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP), assim como a organização comandada pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB), alvo do trabalho conjunto da PF, da Receita Federal e do MP. Em Brasília, está nas mãos da Justiça Federal um esquema de corrupção revelado pela operação Zelotes, desdobramento da Lava-Jato que investiga tráfico de influência, durante os governos petistas, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão de cúpula do Ministério da Fazenda, além do pagamento de propinas na licitação para a compra de 36 caças de combate.

Mudanças jurídicas

A Lava-Jato também inspirou profundas mudanças no sistema jurídico. Novos mecanismos foram acrescentados à lei, como a delação premiada. A lei que instituiu essa ferramenta, na qual um criminoso entrega seus comparsas, ou os chefes do esquema, em troca de benefícios, como a redução de pena, é vista como fundamental para levar aos resultados que são conhecidos hoje.

O advogado Fernando Castelo Branco, professor de direito penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca que a operação trouxe melhorias para o sistema judiciário. “Ela trouxe a Justiça negocial, que até então não existia no nosso direito, e mecanismos como a colaboração premiada. O mensalão, que antecedeu a Lava-Jato, diante desses resultados, parece um juizado de pequenas causas. A Lava-Jato trouxe um novo paradigma, uma mudança que veio para ficar”, disse.

Castelo Branco destaca que os benefícios não ocorreram somente em termos de acusação, mas também para garantir a defesa dos réus. “A delação é um mecanismo legal, não só de produção de prova, mas também como meio efetivo de defesa. Hoje, para o advogado, no leque de opções que ele tem, a delação é um elemento preponderante”, completou.

A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas, destaca a quebra de paradigma que levou para a cadeia pessoas poderosas, como o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha; deputados, senadores e ex-presidentes. “A Lava-Jato é um marco para o direito brasileiro. Existe um Brasil antes e outro depois da operação, tanto em termos jurídicos quanto de combate à corrupção. Antes, pessoas com prestígio político e econômico não eram julgadas. Havia aquele ditado de que tudo acabava em pizza. Hoje, poderosos são denunciados, julgados e condenados”, disse.