Valor econômico, v.19, n.4681, 01/02/2019. Política, p. A5

 

Renan vence disputa no MDB e tenta reeleição contra oito adversários 

Vandson Lima 

Fabio Murakawa 

01/02/2019

 

 

Renan Calheiros (AL) será o candidato do MDB à presidência do Senado. Após quatro horas de uma tensa reunião, a bancada da sigla decidiu indicar o alagoano, que participará hoje da disputa mais imprevisível pelo comando da Casa nos últimos anos. Além de Renan, nada menos que oito senadores, de partidos diversos, afirmavam até a noite de ontem que poderiam participar do pleito. Tão logo a reunião do MDB foi encerrada, o presidente Jair Bolsonaro telefonou para Renan para parabenizá-lo e pedir uma reunião na próxima semana.

As regras para a escolha também não estão definidas, o que aumenta a imprevisibilidade da eleição. Os postulantes 'anti-Renan' fecharam acordo para defender conjuntamente que a eleição seja feita com voto aberto e em dois turnos. O regimento do Senado estabelece voto secreto e não está clara a regra para um segundo turno, que nunca ocorreu na Casa. Além disso, o grupo apresentará logo ao início dos trabalhos questão de ordem para que todas as decisões sejam nominais e sem a necessidade de cumprir interstício (intervalo).

A confusão é tamanha - e inédita, já que o Senado tradicionalmente define seu presidente por acordo, que senadores avaliam ser bem possível que a eleição, marcada para as 18h de hoje, se estenda pela madrugada de sábado ou até, seja em algum momento interrompida, retomada durante o fim de semana ou mesmo na segunda-feira.

No MDB, Renan venceu a disputa com Simone Tebet (MS) por sete votos a cinco. O senador eleito Jarbas Vasconcelos (PE), que a senadora esperava ser um voto favorável a ela, não compareceu. Fernando Bezerra Coelho (PE), outro apoio com o qual Simone contava, justificou a ela ter mudado o voto em favor de Renan. Também apoiaram o alagoano no embate interno Jader Barbalho (PA), José Maranhão (PB), Marcelo Castro (PI), Eduardo Gomes (TO) e Eduardo Braga (AM) - este último, escolhido líder da bancada.

Abordado por jornalistas após deixar a sua reunião do MDB, Renan comentou sobre a disputa. "Política é tão complexa que a experiência só não basta", resumiu.

Renan Calheiros tenta seu quinto mandato como presidente do Senado. Nesta reta final, ele fez acenos ao governo do presidente Jair Bolsonaro, dizendo que chegará ao Congresso nesta sexta-feira "um novo Renan: liberal e a favor das reformas", conforme mostrou o Valor.

Derrotada internamente, Simone disse ser improvável a hipótese de concorrer no plenário mesmo após a decisão do MDB - contudo, não descartou a possibilidade, caso receba maciço apoio de outras siglas. A senadora chegou inclusive a ser sondada por Alvaro Dias e pelo Podemos para trocar de partido, mas descartou. "se eu for sair do MDB, não será agora para concorrer, nem daqui a um mês ou seis meses. Será por discordar dos caminhos do partido, no qual passei a vida toda", declarou.

Após duas reuniões ontem, o grupo de candidatos contrários a Renan decidiu manter todas as candidaturas. Segundo o senador Antônio Reguffe (sem partido-DF), a disposição é de estarem unidos em torno daquele que passar para o segundo turno, possivelmente enfrentando o emedebista.

Pela manhã, a bolsa de apostas do MDB já dava como certa a escolha de Renan. O apoio a Simone Tebet perdeu força, entre outros fatores, pela percepção de que a candidatura de Davi Alcolumbre (DEM-AL) ao comando da Casa passou a crescer.

Como o DEM já tem três ministérios e Rodrigo Maia (DEM-RJ) deve se reeleger na presidência da Câmara, os emedebistas creem que o Senado não dará mais este espaço à sigla.

Pragmático, o MDB ponderou então que Renan tinha muito mais chance de vencer Alcolumbre, apoiado pelo ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, do que Simone, que dividiria com o candidato do DEM basicamente o mesmo eleitorado. "E no MDB, o que importa é quem tem chance de ganhar", explicou a fonte.

Uma disputa Alcolumbre x Renan seria inclusive o cenário desejado pelo senador alagoano. Neste desenho, Renan relatou aos pares estar seguro de obter pelo menos 47 dos 81 votos em jogo.

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'Cabo de guerra' marca eleição no Senado 

Malu Delgado 

01/02/2019

 

 

O jogo político no Senado sempre foi mais intrincado que o da Câmara e a Casa também é considerada uma espécie de "filtro" institucional do Legislativo, capaz de compor com governos, quando é imperativo, mas também de segurar alguns abusos em nome do bom senso. O Senado que hoje escolhe o seu novo presidente deixou toda a aura de maturidade política no passado. O cabo-de-guerra pelo poder, que se instalou nos bastidores, com uma fragmentação inédita que já chegou a dez candidaturas, é reflexo de dois fatores: a dissonância entre as alas civil e militar do governo Bolsonaro e a irrelevância dos partidos políticos e da figura do líder partidário.

A candidatura de Davi Alcolumbre (DEM-AP) tomou corpo graças ao empenho do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, seu colega de partido. "Ele visitou senador até na praia, de jatinho, e com ajuda do ministro", brinca um político. O PSL, legenda do presidente Jair Bolsonaro, desconhece as orientações da Casa Civil e lançou Major Olímpio na disputa. E, na reta final, surgiu ainda a candidatura do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), que na noite de quarta-feira, quando muitos costuravam uma aliança que pudesse rivalizar o poder soberano de Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou-se em gabinetes como o nome apoiado pelos "generais" do governo.

De acordo com relato de senadores, Collor assegura ter a simpatia do vice-presidente Hamilton Mourão, por exemplo. Já a bancada do PSL, da qual Flávio Bolsonaro faz parte, rejeita a figura de Renan Calheiros, que fala sem nenhum constrangimento de seu empenho para livrar o filho do presidente de qualquer amolação no Conselho de Ética.

As demais candidaturas são reflexo da absoluta fragilidade e desorganização dos partidos, de um lado, e da crise de credibilidade das instituições, do outro. Nem mesmo o MDB conseguiu um consenso. Renan Calheiros venceu a disputa interna com a colega Simone Tebet por sete votos a cinco. E o senador Jarbas Vasconcelos, simpático a Tebet, não participou da reunião. Ou seja, por apenas um voto, em tese, Renan conseguiu se manter candidato, o que revela claramente que, a despeito de ainda ser um habilidosíssimo articulador político e de guardar muitos segredos dos colegas a sete chaves, o alagoano não tem poder supremo nem na própria bancada.

A candidatura de Simone passou a ser uma realidade quando lideranças do próprio MDB constataram que esta disputa pela presidência no Senado é a última trincheira do partido. O MDB, que já reinou absoluto com uma bancada de 25 senadores, tem agora 13 integrantes. O atual presidente do partido, Romero Jucá (RR), que hoje deixa de ser senador porque não conseguiu se reeleger, reconheceu, em conversas reservadas com muitos colegas do Parlamento, que Renan poderia perder e que seria prudente Simone se colocar na disputa. Ela representaria, na prática, a tentativa do MDB mostrar que trabalha por alguma renovação.

"O PT já foi a bola da vez, o Lula, o Aécio. Bolsonaro virou presidente. Quem é a próxima bola da vez? O MDB, não tenha dúvida. E o Jucá entendeu esse processo e as urnas", confidenciou um parlamentar da legenda.

Há quem tenha dúvidas, nos bastidores, se o presidente do velho MDB entendeu mesmo a necessidade de transição da política para novos tempos, ou se acabou se rendendo ao poder de Renan. "Quantos senadores aqui estão com problema na Justiça?", questionou um parlamentar, na tentativa de explicar a razão da sobrevivência de Renan Calheiros, mesmo em meio a tanta insatisfação.

A disputa hoje no Senado será um retrato do que virou a política, das negociatas no varejo, em que a palavra de líder de partido não vale um tostão. É também o espírito de corpo dos que querem se proteger do que pode vir por aí no Judiciário. No entanto, a briga promete no plenário. Haverá inúmeros questionamentos, especialmente dos novos parlamentares que chegam. Muitos podem ser novos no Senado, mas são bons de briga na política.

Ontem à noite a bancada do PSDB organizou um jantar em que fez cobranças explícitas para que o veterano Tasso Jereissati se apresente como candidato e assuma compromissos que vão de encontro à "nova política". O fundamental, dizem, é a transparência. Por isso, um dos embates será pelo voto aberto. O outro é sobre o placar: ganha quem tem maioria absoluta dos votos (pelo menos 41 dos 81 senadores), ou quem tem maioria simples? Se for maioria simples, neste mar de candidatos, Renan nada de braçada. Neste cenário, o que se desenha é a retirada de várias candidaturas no plenário, afunilando-se para um único nome competitivo. Davi Alcolumbre seria a vitória de Onyx Lorenzoni e do DEM. O DEM já deve levar a presidência da Câmara, com Rodrigo Maia. Onyx não é visto com simpatia no Congresso. O Legislativo não gosta de ser visto como subserviente ao Executivo. Tudo isso pode pesar, e o nome que se viabiliza, assim, é o de Tasso Jereissati.

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'Não há gravação que me incrimine', diz senador

Fabio Murakawa

Vandson Lima 

01/02/2019

 

 

O jornal "Folha de S. Paulo", revelou ontem em sua página na internet áudios de conversas entre o senador Renan Calheiros (MDB-AL), o empresário Joesley Batista, dono da JBS, e Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da empresa, em 2014. Renan era, à época, presidente do Senado. O emedebista, candidato a retornar ao comando da cassa, disse na tarde de ontem que "não há nenhuma gravação em nenhum lugar" que mostre que ele cometeu crimes.

Nos áudios, entre outras coisas, Renan e Joesley articulam a indicação do então ministro do Turismo, Vinícius Lage, para ser secretário-executivo do Ministério da Agricultura no segundo mandato de Dilma Rousseff. Lage havia sido chefe de gabinete de Renan e acabaria permanecendo na pasta em que estava lotado. Dilma já havia escolhido Kátia Abreu, hoje senadora pelo PDT de Tocantins, para comandar a Agricultura, o que desagradava a JBS.

O vazamento dos áudios surge na véspera da eleição para presidente do Senado, prevista para hoje. A notícia foi publicada no momento em que a bancada do MDB se reunia para decidir quem seria seu candidato. Renan foi escolhido na disputa interna contra Simone Tebet (MS).

"Não há nenhuma gravação minha em nenhum lugar que me incrimine ou seja desfavorável ao interesse do Brasil. As pessoas tensionam porque não me conhecem", disse Renan ao chegar para a reunião da bancada de seu partido. "Eu nunca cometi malfeito. Eu sempre tive uma participação na formatação do nosso país do ponto de vista institucional. Por isso que eu não me coloco como candidato. Porque quem vai decidir é a maioria da bancada."

Momentos depois, Renan usou sua conta no Twitter para criticar o Ministério Público. "Vejam porque nunca cogitei e não postulei ser presidente do Senado. O Ministério Público Federal jamais iria me apoiar", afirmou.

Renan foi alvo de delação da JBS, acusado de receber dinheiro para caixa 2 de campanha na eleição de 2014. Segundo a "Folha de S. Paulo", o alvo da interceptação era Saud, que também teve conversas gravadas com Renan ou se referindo a ele em outras gravações.

Saud tinha como função fazer a interlocução entre a empresa e o Congresso. Ele se tornou delator em 2017, juntamente com outros seis executivos da JBS, entre eles Joesley Batista.

Os delatores afirmaram ter feito, a pedido do PT, pagamentos da ordem de R$ 40 milhões para senadores do MDB a pedido do PT. Desse total, R$ 9,9 milhões seriam destinados a Renan.

Em um dos áudios, Renan pede a Saud "um papo com o Joesley [...] para a gente conversar um pouco sobre essa questão aí da Agricultura". Em outra ligação, minutos depois, ele afirma: "Tem um cenário que estou construindo, de levar o Vinicius [Lages], que é ministro do Turismo, para ser o secretário-executivo [do Ministério da Agricultura]. Então, acho que era importante a gente conversar um pouco sobre algumas estratégias".

Em outra gravação, Renan e Joesley comemoram a vitória de Dilma Rousseff no segundo turno da eleição contra o tucano Aécio Neves. No telefonema, Renan dá os "parabéns" a Joesley pela vitória da petista. "Como dizem, foi sofrido mas valeu", diz o senador. O empresário, então, responde: "Foi sofrido, mas ganhamos, hein, presidente?".