O Estado de São Paulo, n. 45968, 26/08/2019. Metrópole, p. A10

 

Países mais ricos do mundo prometem ajudar a conter queimada na Amazônia

Biarritz

Breno Pires

26/08/2019

 

 

Ambiente. G-7 diz trabalhar em ‘mecanismo de mobilização internacional’; Macron ressalta necessidade de discutir reflorestamento a longo prazo e Merkel fala sobre a importância de conversar com Bolsonaro, ‘para não dar a impressão de que estamos contra 'ele'

Os países mais ricos do mundo, reunidos na cúpula do G-7 no sul da França, concordaram em ajudar as nações afetadas pelos incêndios que assolam a Amazônia “o mais rápido possível”, conforme anunciou ontem o presidente Emmanuel Macron. As imagens da floresta em chamas provocaram comoção e impulsionaram o assunto na agenda das discussões, apesar da relutância inicial do Brasil por não estar representado em Biarritz.

Macron informou ter contatos em andamento “com todos os países da Amazônia (...) para que possamos finalizar compromissos muito concretos de recursos técnicos e financeiros”. “Estamos trabalhando em um mecanismo de mobilização internacional para ajudar esses países com mais eficiência”, disse o chefe de Estado. Há expectativa de que mais detalhes sejam divulgados hoje.

Macron, anfitrião da cúpula, desde a semana passada vem trocando acusações com a gestão Jair Bolsonaro na área ambiental. Ele relatou ainda a existência de pedidos de auxílio da Colômbia. Já a Bolívia informou ontem que aceitará a ajuda externa para conter os incêndios, oferecida por Chile, Paraguai e Espanha. Ali os incêndios já consumiram mais de 745 mil hectares de terra na região de Chiquitania, na fronteira com o Paraguai, e 100 mil hectares em Beni, na Amazônia boliviana.

Quanto à questão de longo prazo do reflorestamento na região, “várias sensibilidades foram expressas em torno da mesa”, acrescentou o líder francês, enfatizando o compromisso dos países com a manutenção da soberania nacional – uma das queixas do Brasil. “Mas o desafio da Amazônia para estes países e para a comunidade internacional é tal – em termos de biodiversidade, oxigênio, luta contra as mudanças climáticas – que nós precisamos fazer esse reflorestamento.”

Alemanha e Bolsonaro. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que o G-7 conversará com o Brasil sobre reflorestamento na Amazônia assim que os incêndios cessarem – e destacou que o País está empenhando “forças significativas” no combate ao fogo. “É claro que é território brasileiro, mas temos a questão das florestas tropicais que é realmente um problema global”, disse.

Bolsonaro, neste domingo, compartilhou em uma rede social um vídeo de Biarritz. “Já avisei que vou ligar para ele na próxima semana para não dar a impressão de que estamos contra ele”, diz Merkel nas imagens, sentada à mesa de reunião, ao lado de Macron e do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. Então Macron pergunta a quem ela estava se referindo e a alemã responde “Bolsonaro”. “Nós vamos ligar para ele”, completou o francês.

Com o vídeo compartilhado, Bolsonaro escreveu uma mensagem dizendo que “a crise só interessava aos que querem enfraquecer o Brasil” e agradeceu às “dezenas de chefes de Estado que o ouviram e ajudaram a superar essa crise”.

Ainda pelas redes sociais, um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), relatou que o País aceitou oficialmente o auxílio israelense na questão. “Em telefonema hoje entre o presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro (Benjamin) Netanyahu, o Brasil aceitou a ajuda oferecida por Israel de avião munido de equipamentos para apagar incêndios, que somará esforços na missão das Forças Armadas na Amazônia. Ato contínuo, Bolsonaro conversou com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, informando que o avião pousará em local definido pelas Forças Armadas.” Em janeiro, um grupo de 136 militares israelenses especializados em resgate desembarcou em Minas para ajudar na busca por vítimas da tragédia de Brumadinho.

Tropas. Em despachos publicados no Diário Oficial da União deste domingo, o governo federal autorizou o uso das Forças Armadas em Acre, Mato Grosso e Amazonas. Outros quatro Estados da região já tinham solicitado apoio, Roraima, Rondônia, Tocantins e Pará – via operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Com as autorizações de ontem, faltam apenas dois Estados da Amazônia Legal receberem reforço das Forças Armadas – Amapá e Maranhão –, o que só ocorrerá se houver pedido formal dos governadores. Além disso, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, autorizou, em despacho que deve ser publicado hoje, o envio da Força Nacional para ações de combate ao desmatamento em Pará e Rondônia.

Preocupação papal

Na Praça de São Pedro, no Vaticano, Francisco disse ontem que o mundo está preocupado com as queimadas e alertou que a Amazônia é “vital” para o planeta.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Administrador diz ter sorte de só perder R$ 1 MI

André Borges

Gabriela Biló

26/08/2019

 

 

Incêndio sem controle / Mesmo mobilizando bombeiros, trabalhadores e máquinas, não foi possível conter fogo em fazenda

Sem limite. Fogo na mata logo atravessou estrada e tomou plantação

A mata intocada da Amazônia, seus animais e habitantes tradicionais não são as únicas vítimas do fogo que assola a vida na maior floresta tropical do planeta. Os produtores rurais que, nas últimas décadas, passaram a avançar com suas monoculturas e rebanhos de gado sobre o arco norte do País também veem, impotentes, seus negócios virarem cinza. Ocupações legais ou clandestinas, o destino é o mesmo. O fogo não negocia.

Adriano Santos, de 33 anos, chegou tarde para tentar conter o fogo que tomava conta a plantação de eucaliptos que administra, em uma área plantada de 60 hectares na margem da BR319, a estrada precária que liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM). Eram 15 horas, quando a notícia chegou a seu celular. O administrador de fazenda foi avisado de que o fogo estava do outro lado da estrada, onde engolia a mata. As chamas estavam longe da fazenda, mas corriam com a força do vento, rumo às fileiras de eucaliptos plantadas do outro lado da estrada.

Santos mobilizou seus trabalhadores e correu para o local, chamou o Corpo de Bombeiros, fez o que pôde. Quando chegaram, as labaredas já tinham avançado sobre o asfalto e encontravam, do outro lado da via, um capinzal seco, combustível incontrolável. Em segundos, o fogo subiu pelos paliteiros. “Não tinha mais o que fazer. Quem apaga um fogo desse?”, indaga Santos. “A gente ainda colocou as máquinas escavadeiras para trabalhar, todo grupo entrou no meio, apagando, mas é muito difícil. Foi uma sorte chegarmos logo, senão tinha acontecido o pior.”

O que Adriano Santos chama de “sorte” é estimado por ele mesmo em um prejuízo de R$ 1 milhão, por causa da produção perdida. Parte do eucaliptal ficou no chão. Sua fazenda não é exceção. Entre Porto Velho e Humaitá, um trecho de pouco mais de 200 quilômetros de estrada que já foi dominado por fazendas, o fogo varreu grande parte das plantações e pastagens. O gado ficou sem a grama. As chamas passaram e, agora, continuam para áreas mais extremas da floresta, de difícil acesso. A fumaça espessa que toma conta das cidades, no entanto, avisa que o problema ainda não tem data para acabar.

Rotina alterada. Pelas ruas, onde se anda, o cheiro das cinzas incomoda as narinas. Nos últimos dias, as queimadas alteraram o funcionamento das escolas, a movimentação nos hospitais, o comércio nas ruas. Na balsa de Porto Velho, que cruza o Rio Madeira, ribeirinhos chegam com as cargas para vender frutas a comércios locais e habitantes. “A movimentação caiu muito”, diz “João do Barco”, enquanto desembarca a produção colhida no sítio onde vive, na margem do rio. Traz dezenas de melancias, mamão e cachos de banana da terra. “Por esses dias, dependendo do horário, você não enxerga o outro lado do rio. Só vê poucos metros para frente. A fumaça encobre tudo, fica até perigoso navegar por aqui”, diz o ribeirinho.

Na margem da BR-319, de frente para a plantação caída, Adriano Santos pilota sua máquina escavadeira. Um caminhão recebe os troncos empilhados do eucalipto que ficou de pé depois da passagem do fogo. Adriano Santos lamenta o prejuízo financeiro que teve. Olha para as árvores mortas. É dinheiro, e isso, recupera-se. Uma nova temporada de plantação de eucaliptos vem aí.