Título: Droga de rico chega à periferia
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2012, Cidades, p. 17

A prisão de uma quadrilha, na última semana, revelou a expansão de um tipo de tráfico antes restrito aos endereços nobres de Brasília. Desde 2010, um bando especializou-se em vender, por preços mais baixos, ecstasy, LSD e lança-perfume na periferia do Distrito Federal

Traficantes de drogas sintéticas do Distrito Federal sempre tiveram o foco de suas ações voltado para jovens ricos e frequentadores de festas badaladas. Em encontros reservados, normalmente promovidos em mansões nos bairros nobres da capital, bandidos enriquecem com a venda de ecstasy, LSD e lança-perfume. Mas uma quadrilha presa na última segunda-feira revelou a expansão do negócio clandestino nas periferias.

Desde 2010, uma organização criminosa liderada por Raidon de Oliveira dos Santos, 38 anos, especializou-se em comercializar esses tipos de entorpecentes nas cidades mais distantes do Plano Piloto. No Recanto das Emas, a boate Mirage Club, na Quadra 601, servia de ponto para distribuição dos tubos carregados de éter perfumado, além de ecstasy. Nessas festas, cada unidade de lança-perfume era vendida a R$ 70. Nos lagos Sul e Norte, por exemplo, o usuário paga até R$ 100. Já o comprimido derivado da anfetamina e repassado ao preço de R$ 40 nas altas rodas custava R$ 20 nas regiões administrativas mais pobres.

Casas em Vicente Pires, Taguatinga e Ceilândia também eram usadas pelo bando de Raidon para apresentar as drogas caras. O grupo criminoso, desmontado na Operação Nostalgia (veja Memória) pela Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), da Polícia Civil, se diferenciava de outras grandes quadrilhas especializadas em vender drogas sintéticas e que tinham como alvo apenas pessoas com alto poder aquisitivo. Normalmente, traficantes de alucinógenos são oriundos da classe média alta e estudam em boas instituições de ensino.

Raidon e seus comparsas nasceram e cresceram em cidades carentes e viram no tráfico uma forma de melhorar de vida. O cabeça do bando ainda morava em Ceilândia, mas o apartamento na QNM 33 era equipado com os melhores móveis e aparelhos eletrônicos. Vizinhos contaram ao Correio que um arquiteto de São Paulo foi chamado para decorar o imóvel do traficante.

Barão Na vizinha Taguatinga, Raidon era conhecido e respeitado. Filmagens feitas pela Cord mostram o traficante saindo de bancos, recebendo dinheiro de usuários e negociando remessas de entorpecentes. Considerado o novo barão do ecstasy e do lança-perfume do DF, ele decidiu expandir o negócio clandestino elegendo homens de confiança em várias regiões do DF.

O braço direito do traficante era o empresário Paulo Henrique Ribeiro Borges, 29 anos, morador de Águas Claras e dono de uma empresa de venda de provedor de internet, a PH Empreendimentos, da qual Raidon era sócio. A Cord investiga se a loja era usada para lavar o dinheiro das drogas.

Em Vicente Pires, Raidon tinha o apoio de Cleiton de Sousa Araújo, 31 anos. Cleitinho, como é conhecido, frequentava academias da cidade e de Águas Claras oferecendo lança-perfume, ecstasy e anabolizantes. Depois, prestava contas ao patrão Raidon. No Recanto das Emas, Djânio Alves de Olivera, 31, conhecido como Cauã e dono da boate Mirage, recrutava novos “clientes” para Raidon. Em junho, ele foi preso com 900 pílulas de ecstasy e R$ 22 mil em espécie. A droga era vendida no próprio estabelecimento. Djânio respondia ao processo em liberdade até ser detido novamente.

Já no Núcleo Bandeirante, o contato do líder da quadrilha era Gustavo Henrique Sato de Carvalho, 23 anos, o Taiguerô. Em Taguatinga Norte, os olhos de Raidon eram o vigilante de casas noturnas Valberto Silva de Almeida, 34. Valberto se valia do cargo de segurança e fazia vista grossa para o consumo indiscriminado de ecstasy e lança-perfume em boates da cidade.

A esposa de Raidon e uma outra mulher exerciam funções essenciais. A primeira, Gislanne Sousa de Oliveira, 40 anos, ajudava a controlar as finanças. Já a segunda, Flávia Cristina Machado da Silva, 23, armazenava as drogas em casa, no Areal. Todos foram presos na Operação Nostalgia. “Um fato curioso que percebemos, durante as investigações, é que eles transitavam bem tanto nos locais mais ricos quanto nos bairros mais pobres. De fato, eles estavam abrindo o mercado nessas regiões”, frisou o delegado Leonardo de Castro Cardoso, responsável pelas investigações.

Mas, apesar de se infiltrar em cidades carentes, a rede criminosa arrecadava mais com a entrega dos narcóticos na alta roda da sociedade. Filhos de políticos, policiais e artistas financiavam o bando com a aquisição das substâncias ilícitas. Durante as investigações, agentes se infiltraram em festas e constataram a influência da quadrilha nos eventos mais concorridos de Brasília. Num vídeo, uma pessoa aparece carregando um balde cheio de tubos de lança-perfume. As imagens foram retiradas do celular de um dos detidos, mas não é possível identificar o local.

Memória

Oito meses de investigação

Na última segunda-feira, a Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) apreendeu 4.220 tubos de lança-perfume e cinco mil comprimidos de ecstasy. Raidon e os sete comparsas foram presos, enquanto dormiam, em várias cidades do DF. As investigações da Operação Nostalgia duraram oito meses. No período, os policiais conseguiram reunir provas de um organizado esquema de tráfico de lança-perfumes e drogas sintéticas. O grupo foi indiciado por tráfico de drogas, associação para o tráfico, venda de medicamentos proibidos e adulterados e até lavagem de dinheiro, se comprovado que a PH Empreendimentos era usada para acobertar o esquema ilícito. Caso sejam condenados, podem pegar mais de 20 anos de prisão