Correio braziliense, n. 20480, 17/06/2019. Política, p. 3

 

Após críticas, Levy pede demissão

Rodolfo Costa

17/06/2019

 

 

Governo » Desautorizado por Bolsonaro, presidente do BNDES comunica saída ao ministro Paulo Guedes. Sucessor pode ser conhecido hoje

A “lavagem de roupa suja” levada a público pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, teve efeito instantâneo. O economista pediu demissão formal ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em nota distribuída na manhã de ontem. Com a “cabeça a prêmio”, a queda era vista dentro do governo como uma questão de tempo. As declarações de Bolsonaro, no sábado, só apressaram o inevitável.

O sucessor de Levy pode ser indicado ainda hoje. São apontados para ocupar o posto o secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar; o secretário de Produtividade e Emprego, Carlos da Costa; o presidente do Conselho de Administração do BNDES, Gustavo Franco; e Solange Vieira, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Mas não está descartada a opção por alguém de fora do governo.

O próximo presidente do BNDES terá três grandes desafios pela frente: abrir a “caixa-preta” do banco; trabalhar em parceria com a secretaria especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia; e devolver recursos para o Tesouro Nacional. Afinal, a queda de Levy está associada a esse tripé de fatores, afirmam interlocutores de Guedes e Bolsonaro.

A abertura da “caixa-preta” é, sobretudo, uma exigência de Bolsonaro. Na última quinta-feira, em declaração contextualizada na defesa ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, o chefe do Executivo federal disse que “R$ 400 e poucos bilhões (foram) entregues para companheiros comunistas e amigos do rei aqui dentro”, em indireta aos empréstimos feitos pelo banco de fomento na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a países como Cuba e Venezuela.

O pedido para dar transparência ao uso dos recursos do BNDES no governo do PT se transformou de uma exigência, há três meses, e uma obsessão para Bolsonaro. A indicação, por Levy, do advogado Marcos Barbosa Pinto para a diretoria de Mercado de Capitais do banco foi a gota d’água. Ex-chefe de gabinete da presidência exercida por Demian Fiocca, no mesmo BNDES, entre 2006 e 2007, Pinto não teve apenas a associação ao governo petista pesando contra ele, mas, também, a lentidão na venda de participações da BNDESPar, braço de participações do banco de fomento.

Barbosa acompanhará Levy na saída do banco, o que impõe a exigência de que o futuro presidente indique alguém para a diretoria que deverá ser atuante no programa de privatização e parcerias com o setor privado, comandado pelo secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar.

A opção por uma pessoa de fora do governo não seria surpreendente, diz um interlocutor de Guedes. O certo é que, além de alguém que preencha os pré-requisitos de abrir a “caixa-preta” e facilitar a venda de participações da BNDESPar, o próximo presidente precisará ser atuante e se articular com os diretores para devolver recursos adiantados ao banco pelo Tesouro em anos passados. O ministro quer receber R$ 126 bilhões em 2019, dos quais foram pagos, até o momento, R$ 30 bilhões.

O agora ex-presidente do BNDES informou, em nota, ter solicitado a Guedes o desligamento. “Minha expectativa é que ele aceda”, disse Levy. O economista agradeceu ao ministro o convite para “servir ao país” e desejou sucesso na aprovação das reformas. Sem qualquer referência a Bolsonaro, agradeceu, ainda, a “lealdade, dedicação e determinação da diretoria”. “E, especialmente, agradeço aos inúmeros funcionários do BNDES, que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco, possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento do desenvolvimento”, atendendo às muitas necessidades da nossa população e confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade.”

R$ 126 bilhões

É quanto o Ministério da Economia espera receber do BNDES neste ano

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Bolsonaro critica e demite auxiliares sem dó

17/06/2019

 

 

A saída do economista Joaquim Levy do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é mais um sinal da tônica do governo de Jair Bolsonaro. Uma gestão marcada por decisões pessoais e, por vezes, destemperadas. Foi assim nas demissões de Gustavo Bebianno e Santos Cruz, ambos, respectivamente, ex-ministros da Secretaria-Geral e da Secretaria de Governo. O mesmo individualismo ceifou, também, o general Juarez Cunha da Presidência dos Correios.

É o jeito Bolsonaro de governar. No sábado, ao criticar Levy, disse que “governo tem que ser assim”,     no sentido de ter pulso firme ao tomar medidas em relação a indicados, ainda que em postos estratégicos. Sobretudo “gente suspeita em cargos importantes”, ao comentar sobre o agora ex-presidente do BNDES.

Característica de Bolsonaro, essa forma de agir é classificada como insustentável a médio e longo prazos pelo cientista político Geraldo Tadeu, professor e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Governos não vivem quatro anos nomeando e demitindo pessoas semanalmente. Isso mostra a incapacidade de Bolsonaro de se expandir além das suas fronteiras mais estritas”, critica.

De acordo com Tadeu, Bolsonaro se mostra, cada vez mais, chefe de um governo de militância ideológica e revanchista. “É uma gestão que tem uma base estreita, não dialoga com a sociedade civil, com a maioria dos partidos políticos, com as outras instituições. Tem uma postura autoritária e restrita a um núcleo duro de militância ideológica. Vimos isso no Ministério da Educação, na demissão do Santos Cruz e em inúmeras situações, desde a demissão do Bebianno, é um governo que não sabe trabalhar com a     pluralidade e a diversidade”, sustenta.

Impactos

A demissão de Ricardo Vélez da Educação não foi uma decisão individual. O professor, indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, acumulou antipatias no Parlamento e no governo. O problema, para alguns, é a forma como Bolsonaro se posiciona e se comunica publicamente. Ele deixou Vélez fritando por três dias, ao indicar como inevitável a demissão. “Eu falei que tô com a aliança na mão direita, mas que, na segunda-feira, passo para esquerda ou é gaveta. É isso. Tem reclamações (em relação a ele) e estamos conversando para ver se resolvemos o problema”, disse Bolsonaro em uma sexta-feira. A demissão ocorreu três dias depois.

Em relação ao presidente dos Correios, afirmou, após café da manhã com jornalistas, que o demitiria por comportamento de “sindicalista”. Já Bebianno foi fritado quando Bolsonaro compartilhou nas redes sociais uma publicação do filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), sugerindo que o então ministro estaria mentindo ao comentar que teria conversado com o presidente da República, quando Bolsonaro permaneceu internado após uma cirurgia.

Tadeu diz que é difícil analisar os impactos das atitudes do presidente no relacionamento com o Congresso. Mas alerta que, quanto menor a base social, política e administrativa do governo, maior a dificuldade em representar a opinião pública. “E, também, menor será a capacidade de gerir propriamente dita”, pondera. (RC)

Frase

“Governos não vivem quatro anos nomeando e demitindo pessoas semanalmente. Isso mostra a incapacidade de Bolsonaro de se expandir além das suas fronteiras mais estritas”

Geraldo Tadeu, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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Sem susto no mercado

Vera Batista

17/06/2019

 

 

 

A saída de Joaquim Levy da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não abalou analistas de mercado. Eles já esperavam que, diante da personalidade de Bolsonaro, nem mesmo técnicos de alta competência sobreviveriam nos cargos se não partilhassem do pensamento do presidente. A demissão deverá ter pouco impacto no mercado financeiro hoje. O que vai interferir ou não  na confiança do investidor é a escolha do sucessor.

“É claro que nunca é boa a saída de um homem como o Levy. Mas somente haverá problema se, em vez de manter um técnico, o presidente resolver indicar um político”, avalia o economista César Bergo, sócio consultor da Corretora OpenInvest. “Há um temor no ar, porque não se sabe até que ponto o BNDES servirá de moeda de troca para a aprovação da reforma da Previdência”, diz Bergo.

O economista menciona a proposta de retirar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte de recursos do BNDES, para cobrir despesas com aposentadorias e pensões, medida que está no relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB) sobre a PEC da Previdência. “A saída de Levy pode ser mesmo resultado da insatisfação com a presença de ex-integrantes dos governos do PT, mas pode ser também a brecha que precisava para uma possível ingerência política. É esperar para ver”, assinala.

Perfil

Para Eduardo Velho, sócio executivo da GO Associados, a saída de Levy é uma questão pontual, embora ninguém tenha entendido muito bem os argumentos para tirar alguém de um lugar onde está atuando com competência. “Todo mundo, agora, está esperando para saber qual será o perfil do escolhido. Se não for um louco, a vida do banco continuará sem maiores arranhões”, destaca Velho.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, afirma que o que deu uma certa tranquilidade ao mercado foi a percepção de que a demissão de Levy não foi apenas uma coisa da cabeça de Bolsonaro. “Ao que tudo indica, a decisão passou também pelo crivo do ministro da Economia, Paulo Guedes. Com isso, o mercado vai passar ao largo dessa discussão política”, acredita.