O Estado de São Paulo, n. 45965, 23/08/2019. Política, p.A4

 

Bolsonaro ameaça tirar indicado de moro na PF

 

 

 

 

Breno Pires

Julia Lindner

23/08/2019

 

 

Executivo. Insatisfeito com resistências a trocas na corporação, presidente diz que última palavra sobre diretor-geral é sua, não do ministro; policiais veem risco de interferência política

 

 

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Pressão. Hamilton Mourão e Bolsonaro conversam em evento ontem no Palácio do Planalto; presidente quer trocas na PF

 

O presidente Jair Bolsonaro ameaçou ontem demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, como forma de demonstrar que é ele quem manda na corporação, e não o ministro da Justiça, Sérgio Moro – a quem a PF é subordinada. O novo embate com Moro reacendeu a apreensão na cúpula da PF de interferência política. O ministro não se manifestou, o que deixou delegados insatisfeitos com sua postura.

Na semana passada, o presidente já havia surpreendido ao anunciar a troca do superintendente no Rio de Janeiro e tentar influenciar na escolha do substituto, algo inusual. Ontem, voltou ao tema. “Agora há uma onda terrível sobre superintendência. Onze (superintendentes) foram trocados e ninguém falou nada. Sugiro o cara de um Estado para ir para lá (para o Rio de Janeiro), (dizem que) ‘está interferindo’. Espera aí. Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral. Não se discute isso aí”, disse Bolsonaro pela manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada. “Se eu trocar (o diretor-geral da PF) hoje, qual o problema? Está na lei que eu que indico, e não o Sérgio Moro. E ponto final”, reforçou Bolsonaro.

Apesar de a legislação dar ao presidente o poder de nomeação do diretor-geral da PF, é praxe que o nome seja indicado pelo ministro da Justiça.

A insatisfação do presidente se deve à resistência de Valeixo e Moro a aceitar a sugestão de nomear o delegado Alexandre Saraiva, da Superintendência do Amazonas, para o lugar de Ricardo Saadi, que deixará o posto no Rio. Na semana passada, enquanto o presidente alegou “questão de produtividade” do delegado para justificar a troca, a PF o contradisse, horas depois, e afirmou que a substituição já estava planejada, sem “qualquer relação com desempenho”.

A nota também informava que o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa seria indicado como substituto de Saadi no Rio. O Estado apurou que a divulgação do novo delegado foi uma forma de a PF evitar que Bolsonaro imponha uma indicação política. Desde a troca de farpas, a troca no Rio parou.

Nos bastidores, delegados da PF interpretam as novas declarações de Bolsonaro como um recado a Moro, que tem adotado agenda própria no ministério e reluta em defender bandeiras do governo, como a flexibilização do porte de armas.

O ex-juiz da Lava Jato também é cotado para uma possível candidatura presidencial em 2022, e mantém sua popularidade em alta, o que Bolsonaro pode medir nas suas redes sociais. Seus eleitores costumam criticá-lo quando ele ataca o ministro. “Ficou acertado carta branca para Moro doa a quem doer”, cobrou anteontem um apoiador do presidente, em resposta a tuíte em que Bolsonaro afirma dar autonomia a seus ministros, mas que a lei lhe garante o direito de escolher o chefe da PF. Procurados ontem, Moro e Valeixo não comentaram as declarações do presidente.

 

CRONOLOGIA

Interferência provoca crise

15 de agosto

Superintendência no Rio

Presidente Jair Bolsonaro alega “questão de produtividade” e diz que vai substituir o superintendente da PF no Rio, delegado Ricardo Saadi.

 

Contradição

PF contradiz Bolsonaro – em nota, afirma que saída de Saadi já estava planejada e não tem “relação com desempenho”. O substituto de Saadi, como mostra o Estado, é o superintendente em Pernambuco, Carlos Henrique Sousa.

 

16 de agosto

Substituto

Bolsonaro anuncia que, para a vaga de Saadi, vai o delegado Alexandre Saraiva, superintendente da PF no Amazonas. “Se ele (ministro Sérgio Moro) resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu”, diz o presidente.

 

Reação

Tentativa de interferência leva o comando a PF a encurralar Moro, a quem a instituição está subordinada. O ministro é avisado de que “perderá o controle” da corporação se ceder a Bolsonaro.

 

Recuo

A pedido de Moro, Bolsonaro recua e aceita nomear o delegado Carlos Henrique Sousa para o posto no Rio.

 

22 de agosto

Diretor-geral

Bolsonaro afirma que o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, é subordinado a ele, e não ao ministro da Justiça, Sérgio Moro. “Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral”, declara.

 

Autonomia

As declarações do presidente reacendem entre delegados a intenção de tornar o órgão autônomo e com mandato

 

para o cargo de diretor-geral.