O Estado de São Paulo, n. 45965, 23/08/2019. Metrópole, p.A18

 

Queimada na Amazônia amplia pressão mundial; Bolsonaro mantém confronto

Edison Veiga

Bled

Mateus Vargas 

 

 

 

23/08/2019

 

 

Ambiente. Presidente francês, Emmanuel Macron cita ‘crise internacional’ a ser debatida no G-7. Líder brasileiro diz que sugestão ‘evoca mentalidade descabida’, e volta a criticar europeus e culpar ONGs. General Villas Bôas também ataca intervenção estran

 

BRASÍLIA

 

As queimadas recordes na região amazônica vêm despertando forte preocupação dos governos europeus e da comunidade científica, com ampla divulgação negativa sobre o governo Jair Bolsonaro. Ontem, o presidente francês, Emmanuel Macron, falou em “crise internacional” a ser discutida pelo G-7, o grupo das nações mais ricas. Bolsonaro rebateu, dizendo que a sugestão “evoca mentalidade descabida no século 21” e ressaltou que o governo já está tratando do “crime” que ocorre na área.

O encontro da cúpula do G-7 começa amanhã em Biarritz, sudoeste da França. Macron cobrou a pauta ecológica publicamente. “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Amazônia – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do planeta – está em chamas. Membros da cúpula do G-7, vamos discutir esta questão de primeira ordem!”, escreveu no Twitter. Organizações não governamentais como o Greenpeace estão se mobilizando no continente europeu para pressionar seus parlamentares a não aprovarem os termos do acordo fechado entre Mercosul e União Europeia em julho – já foram enviadas cartas a parlamentares da Áustria e da Alemanha.

Outros políticos estrangeiros também se manifestaram ontem, após Macron. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, lembrou parcerias com o colega europeu e fez a postagem #ActforTheAmazon (Aja pela Amazônia). “Nossas crianças e netos contam com a gente.” Já o presidente da Colômbia, Iván Duque, destacou que a tragédia ambiental “chama a atenção de todos.” Integrante do parlamento europeu, o político belga Guy Verhofstadt também se manifestou sobre a necessidade de levar o tema à mesa. “Uma ação internacional precisa ser tomada.”

Também a Organização das Nações Unidas (ONU) se manifestou. “No meio da crise climática global, não podemos permitir mais danos a uma fonte importante de oxigênio e biodiversidade”, disse o secretáriogeral, António Guterres, no Twitter. Presidente da Assembleia-Geral da ONU, María Fernanda Espinosa cobrou “ação urgente” e a Organização Meteorológica Mundial defendeu o uso de satélites para monitorar a situação.

Nas redes sociais, Bolsonaro rebateu Macron, destacando que “o governo brasileiro segue aberto ao diálogo, com base em dados objetivos e no respeito mútuo”. “A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G-7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21.” Mais tarde, em sua transmissão ao vivo na internet, pediu que denúncias de incêndio criminoso na região sejam dirigidas ao perfil no Twitter do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. E voltou a atacar. “ONGs não trabalham para o bem do Brasil, mas para quem paga”, declarou. “Esses países não mandam dinheiro por caridade. Espero que dê para entender . Mandam com interesse. Para atingir a nossa soberania.” O presidente disse que é preciso “equilibrar narrativas” sobre a Amazônia. Afirmou ainda que há “inimigos aqui dentro”.

Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, falou em “má-fé” de quem vê uma crise na região. “Lá (na Amazônia) morei e sei que incêndios são episódicos em período de seca.”

O ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, também foi ao Twitter para atacar a fala de Macron, defender o governo, e dizer que a questão “ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais”. “É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente.”

 

Cientistas. Signatários de uma carta divulgada há quatro meses, pedindo que a União Europeia imponha sanções comerciais ao Brasil em caso de descumprimento de compromissos ambientais, cientistas estrangeiros endurecem as cobranças. “No Parlamento Europeu, há um movimento muito claro de exigir salvaguardas ambientais”, disse ao Estado o cientista Tiago Reis, pesquisador das relações entre commodities globais e uso do solo da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. “Vejo sinais claros de embargo econômico.”

Divulgada em abril, a carta contou com a assinatura de 602 cientistas de todos os 28 países membros da União Europeia. O documento pedia que o bloco condicionasse a compra de produtos brasileiros a determinados compromissos ambientais.

 

Mercado. Especialista em alimentação, o pesquisador Mikael Linder, da Universidade Livre de Bolzano, na Itália, também ecoa essa preocupação. “Nota-se uma associação dos produtos brasileiros à imagem da degradação ambiental”, avalia. Segundo ele, pesquisas preliminares apontam que, nos últimos meses, houve uma redução de alimentos de origem brasileira nas gôndolas dos mercados.

“Um modo para pressionar por mudanças de como o Brasil trata o ambiente poderá ser por embargo a produtos nacionais”, afirma Linder. Esse risco existe e pode se concretizar. É preciso que o governo federal entenda urgentemente que a preservação não é simples questão doméstica. Faz parte da agenda internacional.”

 

NA MÍDIA

Der Spiegel (Alemanha)

“A Europa não pode assistir inerte a isso enquanto um cético da ciência, movido por preconceitos e ódio, sacrifica vastas áreas de floresta em favor de pecuaristas e plantações de soja.”

 

The New York Times (EUA)

“Os incêndios ocorrem em meio à crescente preocupação de que o enfraquecimento das políticas ambientais do Brasil possa prejudicar o comércio e as relações exteriores do País.”

 

The Washington Post (EUA)

“A Amazônia é uma defesa contra a mudança climática. O ciclo de queimada e desmatamento tornará quase impossível segurar o aquecimento global.”

 

Wall Street Journal (EUA)

“Queimadas, muitas causadas por madeireiros, devastam a Amazônia num ritmo inédito.”

 

The Guardian (Inglaterra)

“O presidente acusou ambientalistas, sem provas”

 

El País (Espanha)

“A Amazônia brasileira arde como nunca”