O Estado de São Paulo, n. 45965, 23/08/2019. Metrópole, p.A19

 

Imagem do País em risco já preocupa agronegócio

 

 

 

André Borges

23/08/2019

 

 

 

Presidente da Câmara diz que associação com desmate ‘não interessa’ ao setor

 

UESLEI MARCELINO/REUTERS

Rondônia. Postura do governo uniu até rivais políticos; comissão da Câmara deve ter ambientalistas e produtores rurais

 

O tom de confronto na área ambiental provocou reação em diversos setores, aumentando a pressão sobre o governo para que mude o discurso. Órgãos técnicos federais, Congresso e até o setor do agronegócio avaliam que a retórica tem prejudicado a imagem do Brasil e atrapalhado negócios do País no exterior. Mas o presidente Jair Bolsonaro não recuou ontem.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se reuniu com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a bancada do agronegócio na Câmara para tratar do assunto. “É importante ouvir e mostrar que não é do interesse do agronegócio estar associado a desmatamentos. Todos querem produção respeitando o meio ambiente”, afirmou ao BR Político.

Ele ainda disse que formará uma comissão de deputados para acompanhar o problema das queimadas na Amazônia e debater soluções. O presidente da Casa é, hoje, um dos principais articuladores da nova Lei do Licenciamento Ambiental, proposta relatada por Kim Kataguiri (DEM-SP), que flexibiliza regras do setor e enfrenta forte reação da ala ambiental.

Já Bolsonaro voltou ontem a afirmar que há “indício fortíssimo de que ONGs estão por trás das queimadas” na Amazônia, mas não apresentou provas nem mencionou suspeitos. “São os índios, quer que eu culpe os índios? Vai escrever os índios amanhã? Quer que eu culpe os marcianos? É, no meu entender, um indício fortíssimo que esse pessoal da ONG perdeu a teta deles.” Segundo ele, essas entidades “estão desempregadas” e por isso teriam interesse em fazer campanha contra o governo.

Questionado se “fazendeiros” poderiam ser responsáveis, Bolsonaro disse que “todos são suspeitos”. “Pode ser fazendeiro, pode. Mas a maior suspeita vem de ONGs.”

 

Agronegócio. A retórica do governo sobre desmatamento tem preocupado até os principais nomes do agronegócio do País, que passaram a condenar abertamente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com receio de eventuais barreiras comerciais que países europeus possam impor ao País. Diante da pressão do ruralistas, o governo prepara uma campanha para melhorar a imagem do Brasil no exterior.

Entre os críticos estão os ex-ministros da Agricultura Blairo Maggi (PP-MT) e Kátia Abreu (PSD-TO), no passado tratados como antagonistas das pauta ambiental por entidades da área. “Há muitos anos fazemos trabalho com nossos clientes na Europa e Ásia, para mostrar nossa responsabilidade ambiental e transparência com os produtos. Com essas confusões do governo, os importadores estão desconfiados”, disse Maggi, maior produtor de soja do País. “Os compradores fazem mais consultas e cobram compromissos. Querem mais garantias de que nossos produtos não têm relação com o desmatamento.”

A senadora Katia Abreu disse que “o desrespeito à Amazônia, o desmatamento ilegal, a liberação de agroquímicos e o aquecimento global são questões que estão sendo relativizadas e tratadas por esse governo no peito e na raça”. “Isso traz impacto negativo Ao agronegócio, porque consumidores dos nossos produtos agropecuários, dentro e fora do Brasil, querem discurso equilibrado e civilizado.”

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que a Europa usa o discurso ambiental do desmate no Brasil para proteger sua própria produção.

A postura do governo sobre o assunto passou a unir até rivais políticos. Ao Estado, o presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), disse que o agronegócio e ambientalistas precisam se unir em favor da Amazônia e disse que uma comissão com os dois grupos será formada na Casa. “Temos de exercitar agora o diálogo e ver como isso pode ser feito. Do contrário vai sobrar da Amazônia o mesmo que sobrou da Mata Atlântica, que é 7%.”

Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o setor precisa ser “fiscal” do meio ambiente. “O agronegócio é frontalmente contrário ao desmatamento.”/ COLABORARAM BÁRBARA NASCIMENTO, ANDRÉ ÍTALO ROCHA, MARCELO DE MORAES, CAMILA TURTELLI E MARIANA HAUBERT