O Estado de São Paulo, n. 45964, 22/08/2019. Política, p. A4

 

Doria ataca Bolsonaro, mas sofre revés no PSDB

Renato Onofre

Camila Turtelli

22/08/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

 

Partidos. Governador critica indicação de Eduardo para embaixada nos EUA e reage à divulgação de lista do BNDES para jatos executivos; legenda rejeita expulsão de Aécio

O movimento do governador de São Paulo, João Doria, de acirrar o clima de confronto com o presidente Jair Bolsonaro e se distanciar do governo federal tem encontrado resistência no PSDB. Segundo integrantes da sigla, o projeto eleitoral do paulista, que tenta ser uma alternativa ao bolsonarismo em 2022, ainda não tem respaldo no partido, que ontem lhe impôs uma derrota ao rejeitar um pedido de expulsão do deputado Aécio Neves (PSDB-MG).

Doria defendia a saída do expresidenciável tucano, acusado de corrupção, como uma forma de evitar que a presença de Aécio no partido gerasse futuros constrangimentos. O recado da Executiva da sigla, porém, foi de que o governador não conseguirá impor sua vontade sem um aval da cúpula tucana, na qual Aécio mantém influência.

A tentativa de Doria de se distanciar do presidente leva em conta um cálculo político de que é preciso antecipar a discussão eleitoral para fortalecer um “caminho de centro”. Após associar sua imagem a Bolsonaro e cunhar o voto “Bolsodoria” em 2018, o tucano começou a se afastar gradualmente nos últimos meses e a criticar iniciativas do governo.

Ontem, em entrevista no Palácio dos Bandeirantes, Doria atacou a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, como embaixador brasileiro em Washington. “Jamais nomearia meu filho nem ninguém da minha família para nenhuma função pública”, disse. Ele também reagiu à divulgação pelo BNDES da lista de contratos de jatos executivos financiados pelo banco, em que aparece como beneficiário. “O uso político do BNDES é tão condenável hoje quanto foi no passado, no governo do PT”, afirmou.

Deputados ouvidos pelo Estado, no entanto, avaliam como erro já partir para o confronto direto com Bolsonaro, uma vez que o capital político do presidente da República é alto e tê-lo como inimigo poderia atingir as candidaturas tucanas nas eleições municipais do ano que vem.

Em alguns casos, como em Mato Grosso do Sul, onde o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) é aliado ao Planalto, políticos locais ainda apostam no apoio da rede bolsonarista para ter sucesso nas urnas.

O movimento para estancar a antecipação da disputa eleitoral no PSDB nasceu com os chamados “cabeças brancas”, lideranças parlamentares mais experientes, como os senadores Tasso Jereissati (CE) e José Serra (SP).

Oficialmente, Doria tem declarado que o PSDB deve se manter independente, sem se posicionar como oposição ao presidente. Contudo, a filiação do deputado Alexandre Frota (SP), ex-PSL, ao partido por suas mãos foi vista por parte da bancada do PSDB na Câmara como um ato de confronto a Bolsonaro. O parlamentar rompeu com o presidente e é uma das vozes mais críticas ao atual governo no campo da centro-direita.

Aécio. A votação de ontem que salvou Aécio de ser expulso do PSDB sinalizou que Doria não tem maioria no partido. A Executiva da sigla rejeitou o pedido por 30 votos a 4. A decisão de livrar Aécio do processo de expulsão foi feita a portas fechadas. A discussão durou mais de quatro horas e, por mais de uma vez, os dirigentes tiveram que interromper para acalmar os ânimos.

Doria defendia a expulsão do deputado para levar adiante o que chamou de “faxina ética” no PSDB, que no ano passado teve o seu pior desempenho eleitoral da história. Em nota, o tucano criticou a decisão da direção do partido, que, segundo ele, “escolheu o lado errado”.

“Respeito a votação, mas ela não reflete o sentimento da opinião pública brasileira. Cada membro da Executiva deve responder por sua posição. A minha é clara: Aécio Neves deve se afastar do PSDB e fazer sua defesa fora do partido”, afirmou o governador de São Paulo.

Aécio presidiu o partido de maio de 2013 a setembro de 2017 e mantém forte influência na sigla. Sua saída do comando da legenda foi antecipada após as primeiras denúncias da Lava Jato contra ele. O mineiro é alvo de ao menos oito inquéritos, abertos após delações da Odebrecht, da J&F e do ex-senador petista Delcídio Amaral. Ele também é réu sob acusação de corrupção e obstrução da Justiça. O tucano nega a prática de crimes.

O deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do pedido de expulsão, alegou que Aécio não foi condenado e, por isso, não havia motivo para expulsão. Na avaliação de parlamentares, caso levasse o afastamento adiante, o partido daria força ao discurso de criminalização da política.

Após o resultado, Aécio afirmou que a decisão da Executiva foi democrática e negou significar uma derrota de Doria. “Acho que isso permitirá que o PSDB cumpra seu papel de um partido de centro, com a grave preocupação social e que pode voltar a ser protagonista no processo político brasileiro”, disse. 

CRONOLOGIA

Do ‘BolsoDoria’ às críticas

Outubro de 2018

Aproximação

Para vencer a disputa ao governo de São Paulo, Doria reforça a aproximação de Bolsonaro e prega o voto “BolsoDoria”.

Junho de 2019

Distanciamento

Doria deixa Bolsonaro para ser homenageado em jantar com atuais e ex-aliados do presidente, no Rio.

Julho

‘Sem alinhamento’

“Nunca tivemos alinhamento automático com governo Bolsonaro”, afirma Doria.

Agosto

Críticas

Doria critica Bolsonaro nos casos Fernando Santa Cruz, Eduardo Bolsonaro embaixador e no que chama de “uso político” do BNDES.

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Cúpula tucana ignora pressão ao manter miniero no partido

Camila Turtelli

22/08/2019

 

 

 

Foi preciso cinco horas para que a executiva nacional do PSDB desse seu veredicto de manter o deputado Aécio Neves (MG) no partido. Os tucanos são famosos por ficarem em cima do muro, mas desta vez não era mais possível adiar o assunto. A reunião que selou o destino de Aécio ocorreu a portas fechadas, cuidado desnecessário. Quem estava do lado de fora pôde ouvir com clareza a discussão acalorada. “Você é minoria!” e “Isso está ficando muito ruim para São Paulo (defensor da expulsão do parlamentar)”, bradaram presentes.

Cerca de duas horas depois do início da reunião e quando todos já davam como certa a rejeição do pedido de expulsão, houve uma tentativa de adiar a discussão. O governador de São Paulo, João Doria, foi apontado pelos colegas como autor da “manobra” – ele tem dito em conversas reservadas que manter um investigado nos quadros do partido vai prejudicar o PSDB nas eleições de 2020, 2022... Esta última que pretende disputar.

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, saiu batendo pé contra a decisão da maioria de salvar Aécio da degola. “Foi um erro”, sentenciou. Afirmou que estuda apresentar novo pedido para expulsar o mineiro. O presidente da legenda, Bruno Araújo, já disse, porém, que Aécio é assunto encerrado. “Eu tenho formação em Direito, não é assim não”, rebateu Morando.

No dia em que os tucanos decidiram decidir, Geraldo Alckmin não compareceu à reunião. Segundo sua assessoria, ele tem vindo pouco às reuniões da Executiva em Brasília no meio da semana, porque dá aulas às quartas-feiras.