O Estado de São Paulo, n. 45964, 22/08/2019. Política, p. A6

 

Crise na Receita ressuscita 'Lava Toga'

Daniel Weterman

Adriana Fernandes

Breno Pires

Lorenna Rodrigues

22/08/2019

 

 

Argumento de senadores é de que há interferência de ministros do Supremo no trabalho do Fisco; CPI tinha sido engavetada por Alcolumbre

A crise envolvendo a Receita ressuscitou no Senado a tentativa de se criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar integrantes do Supremo Tribunal Federal. O argumento de senadores é de que há interferência de ministros da Corte em procedimentos do Fisco.

A chamada “CPI da Lava Toga” foi engavetada pelo Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em ocasiões anteriores, apesar de ter reunido o apoio necessário na Casa. A última vez foi em abril, quando o senador alegou não ser o “momento oportuno” para autorizar a comissão.

No novo pedido, senadores favoráveis à CPI questionam a abertura de um inquérito, conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que apura supostas notícias falsas contra autoridades. Com base nesta investigação, Moraes mandou suspender fiscalizações da Receita contra 133 contribuintes por indícios de irregularidades. Na decisão, do dia 1.º de agosto, o ministro do STF também determinou o afastamento de dois servidores do Fisco por “indevida quebra de sigilo”.

Para os senadores que tentam criar a CPI, integrantes do Supremo têm feito uma interferência indevida na Receita. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), fazem parte do grupo que lidera a tentativa de abrir a Comissão. De acordo com Vieira, já foram colhidas 24 das 27 assinaturas necessárias para protocolar o novo pedido da CPI.

“Todos os Poderes já foram investigados no Brasil, dois impeachments de presidente, senador cassado, deputado cassado, mas o Poder Judiciário não é investigado”, disse o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que também compõe o grupo.

Ontem, parlamentares se juntaram a um grupo de auditores fiscais que protestavam contra ataques à Receita na Esplanada dos Ministérios.

Reunião. Uma reunião entre o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, e seus subsecretários marcada para a manhã de hoje deve definir os rumos do órgão daqui para a frente. Diante de um clima de insurreição de servidores, o chefe do Fisco tenta evitar uma demissão em massa de seus auxiliares em protesto contra ingerências políticas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, a princípio, deve participar do encontro.

Guedes está preocupado com a instabilidade no órgão, responsável pela arrecadação de impostos e fiscalização.

Para contornar a situação, os subsecretários apresentaram uma lista de pedidos a Cintra, incluindo a demissão do chefe da área de inteligência, Ricardo Feitosa, nomeado em maio para o cargo. Segundo revelou o Estado, subsecretários alegaram que o nome é uma indicação do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que foi alvo de investigação interna do Fisco.

Ao Estado, Gilmar disse conhecer Feitosa de Cuiabá, mas negou ter feito qualquer indicação para cargos na Receita.

O clima de insurreição na Receita tem como motivação uma tentativa de interferência política por parte do presidente Jair Bolsonaro. Ele reclamou de investidas do Fisco contra seus familiares, o que chamou de “devassa”. A crítica, que também parte de integrantes do STF e do Tribunal de Contas da União (TCU), é a de que auditores estariam agindo por interesses políticos. 

‘Investigado’

“Dois impeachments de presidente, senador cassado, deputado cassado, mas o Poder Judiciário não é investigado.”

Eduardo Girão (Podemos-CE)

SENADOR

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Auditores do órgão fazem protesto no Rio e em Brasília

Caio Sartori

22/08/2019

 

 

Fiscais criticam decisões que consideram ser interferência na instituição; grupo de senadores apoia ato

Ato. Manifestação contra a interferência do governo Jair Bolsonaro na Receita, em prédio do Ministério da Economia, no Rio

Auditores fiscais e outros funcionários da Receita Federal e de outros órgãos no Rio de Janeiro protestaram ontem contra o que consideram tentativas de interferência dos três Poderes no Fisco. Cerca de 150 manifestantes levaram à escadaria do prédio onde fica a Superintendência da Receita, no Centro, cartazes de repúdio ao que consideram ser pressões externas contra a instituição, incluindo a tentativa do presidente Jair Bolsonaro trocar ocupantes de cargos de chefia no Rio.

“Os três Poderes parecem ter se conjurado para atacar a Receita Federal”, afirmou o representante local do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), Alexandre Teixeira.

Os participantes ressaltaram a importância de manter a independência da Receita, considerada essencial para que ela possa fiscalizar todos os cidadãos de maneira equânime.

Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a Receita estaria “muito poderosa” e precisaria se reestruturar. O discurso, segundo os auditores, dá margem a transformar o órgão numa autarquia e para indicações políticas.

O Judiciário também foi criticado por causa da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ele suspendeu no início do mês investigações contra 134 autoridades ou pessoas ligadas a elas por suposto desvio de finalidade. “A gente não vê onde está esse desvio de finalidade, não está provado. Se isso existe, não pode ser suposto, tem que ser provado ao final de uma investigação”, disse Teixeira.

No âmbito local, os manifestantes criticaram a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de alterar postos do órgão no Rio, como o do delegado da Alfândega do Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira. Ao resistir à ofensiva, o superintendente da Receita no Rio, Mário Deon, também entrou na mira. Os dois permanecem no cargo.

Senadores. Ontem, em Brasília, um grupo de senadores participou de um protesto de auditores fiscais contra “ataques” ao órgão e o afastamento de dois servidores da Receita de suas atividades pelo STF depois do vazamento de investigação contra o ministro do Supremo Gilmar Mendes.

O senador Major Olimpio (PSL-SP), que defende a instalação da CPI da “Lava Toga”, afirmou que é “preciso que se busque equilíbrio entre os Poderes”. Também participaram do protesto os senadores Álvaro Dias (Podemos-PR), Marcos do Val (Podemos-ES), Reguffe (sem partido-DF), entre outros parlamentares.

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Toffoli busca se aproximar de bancada do PSL

Rafael Moraes Moura

Renato Onofre

22/08/2019

 

 

Em jantar, presidente do STF se reúne com parlamentares da sigla, uma das mais críticas à atuação da Corte

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, se reuniu com integrantes da bancada do PSL da Câmara e do Senado na noite de anteontem, em um esforço para se aproximar do partido do presidente Jair Bolsonaro.

O PSL é uma das siglas mais críticas à atuação do STF. A agenda com os parlamentares – entre eles o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), beneficiado com uma decisão de Toffoli que suspendeu investigações embasadas em dados fornecidos pelo Coaf e pela Receita sem autorização da Justiça – reforça o perfil de diálogo e conciliador político do presidente do STF.

Desde que assumiu o comando do tribunal em setembro do ano passado, Toffoli vem se encontrando com parlamentares dos mais variados matizes políticos, como o Bloco Vanguarda, a frente parlamentar evangélica e simpatizantes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O “encontro de aproximação” de Toffoli com parlamentares do PSL foi visto dentro da Corte como uma das agendas mais desafiadoras do presidente do STF, já que parlamentares do partido já pediram o impeachment de integrantes da Corte.

O jantar de Toffoli foi organizado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Felipe Francischini (PSL-PR). “Foi um encontro institucional, que serviu para abrir uma ponte entre o partido e o presidente do STF”, disse Francischini.

Também participaram do encontro o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.

Segundo o Estado apurou, Toffoli disse no jantar que é preciso que os partidos tenham uma pauta mais institucional, menos corporativa, defendendo uma pauta de nação que se sobreponha às diferenças ideológicas. O ministro também saiu em defesa do tribunal, ao rebater as críticas que vêm do Parlamento sobre um “ativismo judicial” da Corte.

‘Ponte’

“Foi um encontro para abrir uma ponte entre o partido e o presidente do STF.”

Felipe Francischini

DEPUTADO FEDERAL (PSL-PR)