Correio braziliense, n. 20481, 18/06/2019. Política, p. 2

 

Mudanças no BNDES miram gestão petista

Hamilton Ferrari

Renato Souza

18/06/2019

 

 

Depois de duas reuniões com Guedes, Bolsonaro anuncia o economista Gustavo Montezano como chefe do banco em lugar de Joaquim Levy, demitido de maneira controversa pelo Planalto. Tarefa é expor as políticas dos governos passados

Depois de o presidente Jair Bolsonaro demonstrar profunda irritação com o então comandante do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), Joaquim Levy, no último sábado, o governo anunciou o economista Gustavo Henrique Moreira Montezano para ocupar a cadeira de chefia da estatal. Criticado por políticos e agentes do mercado financeiro, pela forma como o desligamento foi feito, o Palácio do Planalto se debruçou durante horas para bater o martelo sobre o nome que deverá “abrir a caixa-preta” da estatal.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu ontem duas vezes com Bolsonaro para tratar sobre o tema. Levy pediu demissão no último domingo após o presidente da República ter dito que a cabeça do economista estava “a prêmio”. O motivo seria a nomeação do executivo Marcos Barbosa Pinto, que trabalhou em gestões petistas, para uma direção do banco, o que desagradou o Planalto.

É a segunda vez que Joaquim Levy sai pela porta dos fundos do governo federal, sendo a primeira vez no fim de 2015, quando não teve voz como ministro da Fazenda da ex-presidente Dilma Rousseff. Bolsonaro sempre demonstrou insatisfação com a presença do economista no Executivo pelo fato de ter atuado na gestão petista, mas Guedes, num primeiro momento, bancou a permanência dele no BNDES.

Bolsonaro entende que o presidente do banco de fomento precisa ter uma postura mais incisiva contra as políticas adotadas no passado na estatal, ao revelar o que ele chama de “caixa-preta”. Nos governos petistas, o BNDES financiou empreendimentos questionáveis que não resultaram em crescimento econômico e aumento de empregos. Guedes também defende que a instituição financeira foi utilizada para financiar amigos dos governantes e cita, especialmente, o empresário Joesley Batista, da JBS, que é investigado pela Operação Lava-Jato.

Caberá ao economista e engenheiro Gustavo Henrique Moreira Montezano a missão de expor as políticas erradas do passado, “apontando para onde foram investidos em Cuba e na Venezuela, por exemplo”, segundo o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros.

Montezano foi nomeado neste ano como secretário especial adjunto de Desestatização, uma espécie de “vice” do titular Salim Mattar, que também era cotado para a presidência do BNDES. A primeira baixa na equipe econômica, porém, não soou bem entre os agentes financeiros e parlamentares. O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, minimizou a substituição ao defender que a situação é normal, já que as medidas adotadas pelo governo buscam o interesse público e a “capacidade de colocar os projetos em andamento com vistas a atingir os resultados estabelecidos anteriormente”.

Ele adiantou que uma das ações é a devolução dos recursos do BNDES para o Tesouro Nacional. De 2008 a 2014, a estatal recebeu dinheiro do governo para fomentar o crescimento econômico e, desde então, devolve anualmente parte do que foi aplicado para minimizar os danos causados nas contas públicas. Levy deu andamento ao pedido, tanto é que, no fim de maio, a União recebeu R$ 30 bilhões do banco de desenvolvimento.

Rêgo Barros ressaltou também que Montezano deverá aumentar os investimentos em infraestrutura e saneamento. Ontem, Paulo Guedes ouviu auxiliares e correu contra o tempo para tentar conter a sangria com a demissão de Levy. Havia vários nomes na mesa, mas optou-se por uma solução caseira para evitar mais transtornos.

O líder da equipe econômica quer que Montezano trabalhe em sintonia fina com a Secretaria de Desestatização, para acelerar o programa de privatização, que, até agora, está na promessa. Uma das primeiras será os Correios, cujo presidente também foi demitido de forma intempestiva por Bolsonaro, num café da manhã com jornalistas.

Agradecimento
Em nota, o Ministério da Economia agradeceu a Joaquim Levy pela dedicação demonstrada enquanto presidente do BNDES. Com 38 anos, Gustavo Montezano foi sócio do BTG Pactual e trabalhava em Londres na ECTP (ex- BTG Pactual Commodities) antes de ir para o Ministério da Economia. Ele atuou 17 anos no mercado financeiro.

O novo presidente do BNDES fez mestrado em economia pela Faculdade de Economia e Finanças (Ibmec-RJ) e também é graduado em Engenharia pelo Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ). Caberá ao Conselho de Administração do banco de fomento analisar a idoneidade e os requisitos para Montezano ocupar o cargo.

“Houve ali uma incompatibilidade de gênios, né? Não houve sintonia entre o que desejava o presidente e como trabalhava o Levy”
Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

"Covardia sem precedentes"

18/06/2019

 

 

 

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou ontem como “uma covardia sem precedentes” a saída de Joaquim Levy da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do advogado Marcos Barbosa Pinto da diretoria de Mercado de Capitais da instituição de fomento. Levy pediu demissão ontem, um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer, durante entrevista, que ele estava com a “cabeça a prêmio” por não demitir Marcos Pinto.

“Levy veio de Washington (onde ocupava cargo de diretor do Banco Mundial) para trabalhar no governo. Está errado (sair assim), não pode tratar as pessoas deste jeito. Se é para demitir, chama e demite. Ninguém é obrigado a ficar com um servidor de confiança se deixou de ser de confiança. Agora, tratar da qualidade dos dois desta forma, eu achei muito ruim”, disse Maia.

Maia afirmou que, com a demissão de Levy, cabe ao ministro da Economia, Paulo Guedes, controlar a situação. “Quem tem que segurar firme é quem nomeou, e foi o ministro”, disse Maia.

Direito
“Acho que o Guedes errou, mas já está passado, já está decidido. Eu queria que o Marcos Pinto pudesse ser aproveitado em uma área de um debate importante sobre economia com viés social. Ele é um dos melhores do Brasil que entende desta área, é uma pena que foi feito desta forma”, completou o presidente da Câmara. Marcos Pinto pediu demissão da diretoria de Mercado de Capitais do BNDES no sábado, após a fala de Bolsonaro.

Segundo afirmou Guedes, Bolsonaro tinha “angústia” por Levy ter escolhido para o banco “nomes ligados ao PT”, como Marcos Pinto, que já tinha trabalhado como assessor do BNDES entre 2006 e 2007, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No mercado financeiro, Marcos Pinto é respeitado entre economistas e técnicos.

Em outro evento na cidade de São Paulo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, defendeu a decisão da demissão de Levy como um direito do presidente Bolsonaro. “Isso é um direito que o presidente tem, o presidente é quem nomeia. Houve ali uma incompatibilidade de gênios, né? Não houve sintonia entre o que desejava o presidente e como trabalhava o Levy. É uma pessoa que a gente (deve) respeitar, tomou uma decisão que a gente respeita e vida que segue”, disse Onyx.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Outros nomes na administração

Augusto Fernandes

Alessandra Azevedo

18/06/2019

 

 

Servidores que integravam quadros de governos anteriores continuam em atividade. No primeiro escalão do governo, dois ministros têm no currículo experiências de quando eram subordinados à ex-presidente Dilma Rousseff. O general Fernando Azevedo e Silva, hoje ministro da Defesa, foi indicado em 2013 pela petista para ser o presidente da Autoridade Pública Olímpica.

Já o atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, foi nomeado logo no primeiro ano de mandato de Dilma, em 2011, para atuar como diretor executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura Transporte (Dnit). Três anos depois, assumiu a diretoria-geral da autarquia. Em 2015, deixou o órgão para exercer o cargo de secretário da Coordenação de Projetos da Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI).

Freitas, inclusive, foi o responsável por indicar pelo menos três pessoas que também estiveram em governos petistas para compor o atual quadro do Ministério da Infraestrutura. Uma delas é a secretária do Planejamento, Fomento e Parcerias da pasta, Natália Marcassa.

Também na Infraestrutura, como diretor do Departamento de Novas e Outorgas e Políticas Regulatórias Portuárias da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, está Fábio Lavor. Acima de Lavor, está o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni. Com Dilma, ele foi diretor do Departamento de Outorgas Portuárias da Secretaria de Portos da Presidência da República.

Incorporados
Ainda no órgão, exerceu a função de coordenador geral de Modelagem e Outorgas. Além disso, ocupou o cargo de gerente de Desenvolvimento e Estudos na Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Outros nomes de administrações petistas trazidos para a gestão de Bolsonaro foram incorporados ao Ministério da Economia, como o do secretário executivo Marcelo Guaranys — diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) no governo Lula e diretor-presidente do órgão com Dilma no Planalto —, e o do assessor especial do ministro Paulo Guedes, Guilherme Afif Domingues — ministro da Secretaria de Micro e Pequena Empresa entre 2013 e 2015, e indicado por Dilma para a presidência do Sebrae, onde ficou até 2018.

Além disso, a presidente da Infraero, Martha Seillier, também atuou sob a supervisão de Dilma. Durante 2011 e 2016, ela foi diretora do Departamento de Regulação e Concorrência da Aviação Civil da Secretaria de Aviação Civil.