Valor econômico, v.19, n.4740, 01/05/2019. Opinião, p. A10

 

Reforma da previdência e crescimento econômico 

Luis Paiva 

Leonardo Rangei 

01/05/2019

 

 

Com alguma frequência, defensores da reforma da previdência sugerem que ela - mais uma vez, no centro do debate político e econômico brasileiro - possibilitará taxas mais robustas de crescimento econômico. Curiosamente, taxas robustas de crescimento econômico são tudo o que os opositores da reforma dizem que precisamos para resolver nosso problema previdenciário.

Parece complexo, mas não é. O raciocínio dos opositores da reforma da previdência é simples. A despesa previdenciária vai subir, isso ninguém questiona. Mas e se a economia crescesse tanto quanto a despesa, ou mais? Ocorreria o lógico: como percentual do PIB, as despesas ficariam estáveis ou até mesmo diminuiriam. Estaria, assim, resolvido o problema previdenciário, sem que reformas doloridas precisassem ser feitas.

As projeções do governo, entretanto, sugerem que as despesas previdenciárias, como proporção do PIB, serão em 2060 quase o dobro do que são hoje. Para os críticos, há um "truque" no modelo do governo: ele projetaria um crescimento do PIB muito baixo. De acordo com as projeções apresentadas no Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o crescimento seria de 2,7% em 2023 e, desse ano em diante, decresceria monotonicamente até chegar a 0,75% em 2060.

Há de tudo na discussão dos opositores da reforma. Há desde a descrença geral na capacidade de se prever o crescimento do PIB ("os técnicos do governo não conseguem prever o crescimento do PIB no ano que vem, como querem projetar o crescimento do PIB em 2060?") até acusações de má-fé ("as projeções são catastrofistas e têm como único fim vender a reforma como algo inevitável").

A ideia de que o crescimento do PIB poderia resolver os problemas da previdência tem tudo o que os populistas apreciam. Uma reforma certamente frustra algumas expectativas de direito, o que, apesar de necessário, é politicamente amargo. Populistas não gostam de soluções amargas e preferem transformar tais soluções em algo desnecessário. Daí sugerir que mais crescimento econômico resolva tudo. É uma solução mágica. O crescimento beneficia a todos e, ainda por cima, resolve o problema da previdência.

Como se sabe, para todo problema complexo há uma solução simples e errada. Embora projetar o crescimento do PIB para o ano que vem seja realmente difícil, projetar esse crescimento no longo prazo não é. Ele pode ser decomposto, de forma muito simples, no crescimento da população ocupada e no crescimento da sua produtividade. É exatamente isso que faz o modelo de projeção do governo.

De fato, o crescimento da produtividade do trabalho é difícil de prever. Mas o tamanho da força de trabalho não é, porque se trata de uma variável profundamente afetada pela dinâmica demográfica. Infelizmente, essa dinâmica deixou de ser benigna para o Brasil. Como proporção da população total, a população em idade ativa já alcançou o seu pico e começará a diminuir, pondo fim ao chamado bônus demográfico (período mais propício para o crescimento econômico). Em valores absolutos, a população ocupada ainda crescerá (a taxas decrescentes) até meados da década de 2030 e, a partir daí, também começará a diminuir.

Se o crescimento econômico é função do crescimento da população ocupada e do crescimento da produtividade do trabalho, estaremos cada vez mais dependentes do crescimento da produtividade. Nesse campo, temos motivo para otimismo? Infelizmente, não.

Desde 1980 (isso mesmo, nos últimos 39 anos!), o crescimento médio anual da produtividade do trabalho é de 0,46% ao ano. Se deixarmos de lado as décadas de 1980 e 1990 e tomarmos os últimos 19 anos (de 2000 a 2018), o crescimento médio anual da produtividade do trabalho foi melhor, mas ainda assim, muito baixo, 0,86%. Quando a população ocupada parar de crescer, em meados da década de 2030, nosso crescimento dependerá única e exclusivamente do crescimento da produtividade. Se a produtividade do trabalho for a mesma das últimas décadas, cresceremos menos de 1% ao ano em meados dos anos 2030.

O modelo de projeção adotado pelo governo, entretanto, é muito mais otimista. Projeta que o crescimento econômico de meados de 2030 será de 1,9% ao ano. E isso porque adota o suposto de que a produtividade do trabalho crescerá 1,7% ao ano (algo que só conseguimos atingir em 12 dos últimos 39 anos). Portanto, a "acusação" de que o modelo de projeção previdenciária do governo é "catastrofista" é falsa. Na verdade, é exatamente o contrário: ele adota uma hipótese otimista: a de que o crescimento da produtividade do trabalho será, nas próximas décadas, quase 4 vezes maior do que o observado nos últimos 38 anos e quase 2 vezes maior do que o observado nos últimos 19 anos.

A projeção de crescimento do PIB a taxas decrescentes ao longo das próximas décadas é consistente com o que se observa internacionalmente: a tendência é que países mais velhos tenham crescimento econômico médio inferior ao observado para países mais jovens. Podemos, certamente, fazer melhor do que temos feito. Mas não adianta fingir que a dinâmica demográfica estará jogando a nosso favor.

Obviamente, medidas para aumentar a produtividade dos nossos trabalhadores são bem vindas - mas, como mostramos, isso já está incorporado nas projeções do governo. Ainda que esforços nesse sentido sejam bem sucedidos, não há espaço para acreditar que isso resolverá o desafio previdenciário.

Propostas de ajustes paramétricos e estruturais podem ser questionadas. É muito positivo para a sociedade que se discuta cada uma delas e que se conheçam seus impactos fiscais e distributivos, para que as melhores escolhas sejam feitas em uma reforma da previdência. Mas negar a necessidade de reforma, argumentando que as projeções do governo são catastrofistas e contaminadas por má-fé, não resolverá nossos problemas. Ao contrário, nos deixarão despreparados para enfrentar o grande desafio previdenciário que temos à frente.