Título: Seis horas de caos
Autor: Ribas, Sílvio ; Pompeu, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2012, Economia, p. 10

Incêndio entre duas subestações da CEB fez os brasilienses enfrentarem ontem enormes transtornos devido à falta de energia. Cortes deverão ser frequentes pelo menos até fevereiro

O Distrito Federal teve ontem um dia para ser esquecido. O caos tomou conta das ruas, as estações de metrô foram fechadas e o trânsito deu um nó, com engarrafamentos em quase todas as vias principais. Bancos suspenderam serviços, hospitais só garantiram atendimentos emergenciais e o comércio contabilizou prejuízos que há tempos não via. Tudo por causa do apagão de seis horas, provocado pelo incêndio no cerrado entre as subestações da Companhia Energética de Brasília (CEB), em Samambaia e Brasília Sul por volta das 13h.

O fornecimento de energia só foi restabelecido depois das 19h, quando, finalmente, a empresa conseguiu religar integralmente o sistema de distribuição. Há pelo menos uma década a capital do país não enfrentava um tormento tão grande por falta de luz, ainda que blecautes tenham se tornado constantes em Brasília. Dos 880 mil estabelecimentos (comerciais e domicílios) atendidos pela CEB, 70% (616 mil) ficaram às escuras. O pressidente da estatal, Rubem Fonseca Filho, admitiu os problemas. "Reconheço a fragilidade de nossa cobertura e a necessidade de modernização dos sistemas", afirmou, ressaltando que a empresa agiu com rapidez para restabelecer o fornecimento de energia.

As pessoas que saíram do trabalho para almoçar foram surpreendidas com todos os sinais de trânsito desligados. Aos poucos, os engarrafamentos tomaram conta da cidade. Trajetos que, geralmente, demorariam 15 minutos para se completar acabaram sendo percorridos em mais de uma hora e meia. Acidentes foram registrados em vários pontos do DF. Da Asa Sul ao Lago Norte, de Taguatinga a Samambaia, os transtornos foram gerais. "Nunca vi um situação como esta. Já vínhamos sofrendo com pequenos apagões, mas esta quinta-feira foi de amargar. O que mais assusta é o fato de não darem explicações para um período tão longo de falta de luz", disse o aposentado Antônio Nascimento, 69 anos, morador de Águas Claras.

Muita gente preferiu estacionar o carro e esperar o trânsito melhorar. Foi o caso do bancário Carlos Gomes, 37 anos. Ele decidiu parar seu veículo próximo a 709 Norte, pois estava havia 40 minutos preso no trânsito. "Estava começando a passar mal quando resolvi encostar o carro", contou. Para ele, o apagão em Brasília é resultado de falta de investimento por parte da CEB. "A população cresceu demais em Brasília, mas a infraestrutura não acompanhou. As empresas públicas ficaram para trás. Por isso, estamos vendo esse caos de hoje (ontem)", afirmou. Pelos relatos de técnicos da CEB, os apagões serão constantes pelo menos até fevereiro de 2013, quando se espera que novas subestações de energia entrem em operação.

Hospitais afetados Nem os hospitais escaparam. No Santa Helena e no Prontonorte, ambos na Asa Norte, os geradores tiveram que ser acionados para evitar transtorno ainda maior aos pacientes. Muitos exames, como os de radiologia, tiveram de ser remarcados. A preocupação foi manter a emergência funcionando sem problemas. Em outros estabelecimentos, os registros tiveram de ser feitos a mão, até que os sistemas de informática voltassem à ativa. A Secretaria de Saúde do DF informou, por meio de nota, que o impacto do apagão nos hospitais da rede pública foi mínimo. "Devido à falta de energia, houve queda no sistema, levando o atendimento de alguns hospitais a ser feito manualmente, o que causou atraso".

De acordo com a nota, os atrasos no atendimento, devido ao preenchimento manual de fichas e de cadastro, foram mais visíveis nos hospitais regionais da Asa Norte (HRAN), de Brazlândia (HRBz), do Paranoá (HRPA), e, o mais afetado, o de Ceilândia (HRC). A secretaria esclareceu ainda que todos os hospitais da rede possuem gerador. Por isso, o atendimento emergencial, internação, Unidades de Terapia Intensivo (UTI) e setores essenciais não foram afetados por queda de energia. A parte administrativa da secretaria, no entanto, ficou no escuro por quase toda a tarde.

Nas escolas, também houve grandes percalços. Segundo a Secretaria de Educação, duas escolas suspenderam as aulas. O Centro de Ensino Fundamental 3 de Brazlândia teve problemas com falta de água, que parou de circular sem a energia. Somando-se isso à baixa umidade, a direção decidiu mandar os estudantes de volta para casa. O Centro Interescolar de Línguas de Taguatingua também fechou as portas mais cedo. "Com o ápice da seca, ficar sem luz por tanto tempo foi um enorme transtorno. É difícil acreditar que, nos dias de hoje, com tanta tecnologia, a CEB demore seis horas para restabelecer a transmissão de energia", afirmou uma professora da escola de Brazlândia, que preferiu não se identificar.

Filas nos bancos Nas agências bancárias, também a queda da energia infernizou a vida dos correntistas e dos bancários. Sem atendimento, as filas dos caixas cresceram tanto que chegaram à calçada. Nenhum serviço bancário pôde ser feito por pelo menos duas horas, o que levou muitos clientes a voltarem para casa sem conseguir pagar as contas ou usar os caixas eletrônicos. O Banco do Brasil informou que os postos de atendimentos mais prejudicados foram os da Asa Norte. Para reduzir ao máximo a perturbação para os correntistas, boa parte da agências da Caixa Econômica Federal tiveram de ser abastecidas por meio de geradores.

A falta de energia parou até os postos de gasolina, o que criou longas filas de veículos em estabelecimentos do Lago Norte, por exemplo. De acordo com o gerente Ivanildo dos Santos, o acúmulo de veículos se formou 50 minutos depois do início do blecaute. "Ligamos para a CEB e o atendente disse que não havia previsão para que a energia voltasse. Com isso, deixamos de vender mais 3 mil litros de combustível. Um prejuízo grande", relatou.

O analista de sistemas Divino Alves, 65 anos, contou que esperou mais de uma hora para abastecer seu veículo. "Precisava ir ao Sudoeste para um compromisso, mas tive de cancelar", contou. Para ele, a causa das constantes quedas na energia é a falta de comprometimento da CEB em melhorar o serviço por meio de investimentos. "Eles só sabem cobrar da população preços altíssimos pela energia. A qualidade é péssima", disse.